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Mulheres que podem ter maior risco para Covid-19 e pouco tem sido falado sobre

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Estudos relacionam o agravamento da infecção pelo novo coronavírus à síndrome dos ovários policísticos

Alessandria Masi - CNN

Em julho de 2020, quando sua família testou positivo para Covid-19, Breanna Aguilar não se encaixou em nenhum grupo considerado de alto risco para a doença.

Ela tem 31 anos, é cuidadora de animais de estimação e ex-professora de fitness que já correu uma meia maratona. Ela era, na maioria das vezes, saudável.

Quando Aguilar pegou a Covid-19, ela perdeu o paladar, teve febre baixa e fraqueza muscular. Ela mal conseguiu manter nada no estômago, mas ganhou cerca de 13 quilos. Mais tarde, desenvolveu dor pélvica, acne cística, sensibilidade mamária, dores de cabeça, confusão mental e fadiga extrema.

Passaram-se meses desde então, mas ela diz que a falta de energia, a dor crônica e a confusão mental – sintomas prolongados da Covid-19 – permanecem e ela não consegue nem caminhar 15 minutos sem precisar de uma pausa. Ela também está lidando com a resistência à insulina e tomando vários medicamentos para manter seus níveis hormonais sob controle. Seu médico disse que ela provavelmente lidará com as consequências da Covid-19 pelo resto da vida.

Mais de um ano após o início da pandemia, um estudo descobriu que algumas mulheres correm um risco maior de contrair Covid-19 em comparação com outras na mesma faixa etária e sexo. Essas mulheres, geralmente jovens e saudáveis como Aguilar, têm uma doença subjacente que não é mencionada em nenhuma lista de comorbidades da Covid-19: síndrome dos ovários policísticos.

A síndrome que afeta cerca de 1 em cada 10 mulheres em idade reprodutiva, é um desequilíbrio dos hormônios reprodutivos que pode levar a ciclos menstruais irregulares, níveis elevados de andrógenos e cistos ovarianos. Mas também pode vir com uma série de outros problemas de saúde, quase todos os quais se sobrepõem às comorbidades da Covid-19.

“A síndrome é completamente subestimada em seu impacto. É uma espécie de problema reprodutivo que não é clinicamente relevante. Mas isso está completamente errado. As pacientes precisam ser vistas como uma população de alto risco”, disse Wiebke Arlt, diretor do Instituto de Pesquisa em Metabolismo e Sistemas da Universidade de Birmingham, no Reino Unido.

Mais da metade das pessoas com a síndrome desenvolve diabetes antes dos 40 anos e até 80% estão acima do peso. Elas têm maior risco de resistência à insulina, doenças cardíacas e câncer endometrial, um câncer que começa no útero. Muitas têm pressão alta e baixos níveis de vitamina D. Essas complicações da síndrome também foram associadas a um risco potencialmente maior de Covid-19 grave.

Apesar de ser comum, a síndrome dos ovários policísticos, bem como as complicações sérias que podem surgir, especialistas em saúde dizem que a condição tem sido esquecida, mal compreendida e pouco pesquisada, deixando pacientes lutando sozinhos ou até mesmo educando os médicos para conseguir o tratamento. E com pouca pesquisa para determinar se as mulheres com a doença apresentam maior risco de Covid-19 mais grave ou sintomas de longo prazo, alguns temem que o mesmo esteja acontecendo com as políticas de saúde pública em torno da pandemia.

“Meu conselho seria incluir mulheres com a síndrome como potencialmente um grupo de alto risco”, disse Katherine Sherif, chefe de Saúde da Mulher no Departamento de Medicina da Universidade de Jefferson e uma renomada especialista em síndrome dos ovários policísticos. Mas ela pontuou: “Estamos trabalhando em um sistema muito grande que está cheio de empecilhos. Ninguém vai chegar e dizer: ‘Oh, bem, não se esqueça da síndrome dos ovários policísticos'”.

“Se Anthony Fauci dissesse, ‘você precisa olhar para os grupos de alto risco como a síndrome dos ovários policísticos’, as pessoas prestariam mais atenção”, disse.

Parte dos motivos pelos quais a doença passa despercebida em geral e em relação à Covid-19, de acordo com Arlt e Sherif, é porque muitas vezes é descartada como um problema de saúde da mulher – um obstáculo do ovário. No ano passado, aprendemos sobre vários problemas de saúde preexistentes que colocam uma pessoa em maior risco de contrair doenças graves por Covid-19, mas essa síndrome não é um deles.

Para Arlt, que foi coautor do primeiro grande estudo publicado em fevereiro no European Journal of Endocrinology, o nome síndrome dos ovários policísticos é um termo impróprio. Não é um distúrbio do ovário, disse Arlt, mas uma “doença metabólica vitalícia” e deve ser tratada como tal ao avaliar a vulnerabilidade da Covid-19.

“Quanto maior for o risco metabólico, maior será o risco de pegar Covid-19”, disse Arlt. “As pessoas analisaram a obesidade, o diabetes tipo 2, a hipertensão e as doenças cardíacas, mas não analisaram a síndrome sistematicamente antes de nós. Porque simplesmente não consideram isso um fator de risco metabólico. Isso é algo que gostaríamos de mudar”.

‘Algo na síndrome está realmente conduzindo isso’

Arlt e pesquisadores da Universidade de Birmingham, no Reino Unido, descobriram que mulheres com a síndrome tinham 51% mais chances de infecção confirmada ou suspeita de Covid-19 do que mulheres sem. Usando registros de atenção primária de janeiro a junho de 2020, eles identificaram mais de 21.000 pacientes com a doença e um grupo de controle de mais de 78.000 sem, pareados por idade e localização.

Os pesquisadores então “queriam entender se o aumento da incidência de Covid-19 era apenas por causa da síndrome, ou também por causa dos fatores de risco subjacentes que as mulheres com a doença têm?”, disse o autor principal, Anuradhaa Subramanian, à CNN. Em outras palavras, se uma mulher tem a síndrome e diabetes tipo 2, qual delas a coloca em maior risco de contrair Covid-19?

Em um modelo totalmente ajustado que levou vários fatores de risco em consideração, as mulheres com a síndrome ainda tinham um risco 28% maior de infecção confirmada ou suspeita de Covid-19, de acordo com o estudo.

Subramanian diz que os resultados não surpreenderam. No entanto, “isso nos deu mais confiança de que não se trata apenas dos fatores de risco associados à síndrome, mas algo na doença está realmente conduzindo isso”, disse.

Mas, como as informações foram extraídas de bancos de dados de saúde primária, os pesquisadores não conseguiram verificar se as pacientes com a síndrome tinham sintomas de Covid-19 mais graves ou de longo prazo. Além do mais, a doença não é um transtorno de dimensão única e a Covid-19 pode ou não ter um impacto ou nível de risco diferente dependendo da pessoa. Há muitas perguntas para as quais ainda não temos respostas definitivas, diz Anuja Dokras, diretora do Centro de Síndrome do Ovário Policístico da Penn Medicine.

“Precisamos obter essas informações agora que [Covid-19 já] durou um ano inteiro”, disse Dokras. “Está afetando tantas pessoas que seria bom olhar para trás nesta literatura e apenas investigar, porque esses são fatores de confusão”.

Procura por respostas

Até agora, se as pessoas com síndrome dos ovários policísticos têm complicações mais graves da Covid-19 é anedótico, deixando algumas mulheres apenas com especulações sobre como o Covid-19 afeta a síndrome.

No caso de Aguilar, ela foi diagnosticada com a síndrome depois de ter sido exposta à Covid-19, apesar de provavelmente ter a doença há anos, mas sem reconhecer os sintomas. “Eu tive alguns desses sintomas subjacentes, meu corpo foi capaz de controlá-los até um ponto durante a maior parte da minha vida, e então contrair Covid realmente acabou com todas as defesas do meu corpo e a capacidade de regular qualquer coisa”, disse ela, relatando as informações passadas pelo médico.

Mas ela ainda não sabe por que ou se seus sintomas irão melhorar.

Kris Nealon também passou grande parte do ano passado procurando respostas.

Ela foi diagnosticada com a síndrome aos 12 anos, e o distúrbio a deixou lutando com seu peso e com resistência à insulina. Esses fatores, segundo ela, preocuparam, pois poderia ter sintomas graves de Covid-19 e talvez até precisar de hospitalização. Então, no verão passado, fez o que a maioria fez durante a pandemia: pesquisou no Google. Ela se lembra de ter pesquisado “‘devo me preocupar … resistência à insulina COVID?’ ou ‘síndrome dos ovários policísticos COVID?'”

Nealon não encontrou respostas. Ela teve Covid-19 em outubro e diz que seus sintomas eram leves. Mas quando se transformaram em dores musculares e articulares, fadiga extrema, depressão, insônia e confusão mental, ela fez o que foi recomendado: conversar com seu médico.

No caso de Nealon, ela falou com vários. Tendo vivido com a síndrome por mais da metade da vida, estava ciente das complicações e queria saber como isso poderia afetar seus sintomas de Covid-19 de longo prazo.

Ela diz que o primeiro médico afirmou que sua única comorbidade que poderia influenciar os sintomas de longo prazo da Covid-19 era o peso.

“Ele tem sido bom e compreensivo, mas … você pode vê-lo ficar tipo, ‘Problemas de mulher, não se preocupe com isso. Este é o seu pulmão'”, disse. Ela disse a ele que a síndrome está ligada à ansiedade e à depressão e perguntou se isso poderia estar relacionado à fadiga e à insônia pela Covid-19. Ela também perguntou sobre seu coração, explicando que a síndrome e a Covid-19 podem causar complicações.

Mas, além de sugerir que perder peso pode ajudar, Nealon se lembra de seu médico dizendo “não tem nada a ver com a síndrome.

Depois da Covid-19, Nealon também notou que seus sintomas da síndrome dos ovários policísticos “enlouqueceram”. Ela diz que sentiu uma dor extrema na parte inferior do abdômen. Um ultrassom mostrou que suas trompas de falópio “de repente pareciam muito preocupantes”, segundo avaliação, e ela teve um cisto estourado no ovário.

Ela foi ao ginecologista, o médico que primeiro a diagnosticou com a síndrome, e perguntou: “Isso tem alguma coisa a ver com [que] eu acabei de ter Covid?”

Ela diz que seu médico afirmou: “Não, não há literatura sobre isso.”

E não havia. Semanas após o teste de Nealon dar positivo, Allison Roach e Chitra Gotluru, duas estudantes de medicina da Florida International University, terminaram seu artigo explorando o risco potencialmente mais alto de mulheres com a síndrome para morbidade relacionada à Covid-19. Nenhum conjunto de dados de pacientes com ambos os diagnósticos existia, disseram.

Risco ‘óbvio, mas não comprovado’

A pesquisa de Roach e Gotluru, publicada na edição de março da revista Obstetrics and Gynecology, mostra que o risco potencialmente maior para pacientes com a síndrome dos ovários policísticos se resume a “comorbidades, andrógenos e lipotoxicidade”.

Pessoas com a doença geralmente apresentam níveis e sensibilidade mais elevados de andrógenos, hormônios sexuais masculinos. Isso poderia “afetar diretamente a suscetibilidade à Covid-19”, escreveram Roach e Gotluru. Os andrógenos funcionam como um “portal”, em termos muito simples, para permitir a entrada da Covid-19, diz Roach.

Além do mais, é comum que as pessoas com a síndrome tenham inflamação crônica – um sistema imunológico que está em um estado quase constante de luta contra os danos. A regulação deficiente da insulina e a obesidade podem levar a um acúmulo tóxico de ácidos graxos no tecido, conhecido como lipotoxicidade, potencialmente danificando órgãos.

Isso também pode desencadear a secreção de células de sinalização imunológica chamadas citocinas. Embora as citocinas sejam uma parte vital da resposta imunológica do corpo, o excesso pode causar o que é conhecido como uma tempestade de citocinas. Adicionar uma infecção por Covid-19 a isso pode causar mais secreção de citocinas, potencialmente desencadeando uma dessas tempestades e fazendo com que o sistema imunológico ataque as células do corpo, não apenas o patógeno. E há pesquisas que sugerem que isso pode ocorrer “esteja você acima do peso ou não”, disse Gotluru à CNN.

Para Sherif da Jefferson University, o risco de sintomas mais graves de Covid-19 para pacientes com a síndrome é “óbvio, mas não comprovado”. Óbvio porque “Se a testosterona aumenta a inflamação, e se … os homens que estão no hospital com complicações de Covid e têm altos níveis de testosterona, faz sentido que isso coloque as mulheres com a síndrome em maior risco”.

Isso não está provado, diz ela, porque existem muito poucas pesquisas.

Com base em sua própria pesquisa sobre a síndrome e doenças cardíacas, Sherif disse: “O que é importante que as pessoas entendam é que isso independe da obesidade”.

“É o alto nível de insulina e de testosterona que confere um risco maior para Covid em comparação com controles de peso equivalente”, disse ela. “Então, você tem duas mulheres que pesam 100 quilos. Aquela com síndrome tem mais probabilidade de se tornar diabética ou ter apneia do sono, ou ficar doente por causa de Covid”.

Sem esses dados, alguns médicos e pesquisadores dizem que isso é algo que as pacientes com a síndrome devem estar cientes, mas não devem entrar em pânico. Se você tiver Covid-19, é importante informar ao seu médico que você tem síndrome dos ovários policísticos e todos os medicamentos que está tomando, disse Gotluru.

“Avise seu especialista … que existem pesquisas que são preocupantes sobre a síndrome e que você gostaria de ser cautelosa”, disse.

Enquanto isso, mulheres como Aguilar e Nealon ainda buscam respostas. Nealon diz que seus médicos ainda não estabeleceram uma conexão entre as consequências da Covid-19 e sua síndrome. Ela não está surpresa.

“É assim que funciona, apenas com a síndrome, nada de falar sobre a relação com a Covid”, disse Nealon. “Você vai a um médico com uma lista de sintomas e escuta ‘você está gorda’ ou ‘você está pensando demais nas coisas'”.

Aguilar diz que ter que educar constantemente as pessoas tem sido exaustivo por causa de seus dois novos diagnósticos.

“Muitas pessoas gostam de falar que a taxa de sobrevivência é tão alta e a taxa de mortalidade tão baixa, mas o que eles não estão levando em consideração é o grau em que vidas estão mudando por causa de doenças que estão surgindo, ou os sintomas prolongados que são tão debilitantes”, disse Aguilar. “É difícil superar.”

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Caso Master: sigilo alimenta especulação sobre envolvidos, diz especialista

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Em entrevista ao CNN Prime Time, Cristiano Noronha detalha que o tema já está sendo politizado no âmbito local em Brasília

• Imagem gerada por IA

O caso do Banco Master, que teve sua liquidação extrajudicial decretada pelo BC (Banco Central), entrou no debate político brasileiro e está sendo explorado por diferentes campos ideológicos.

Em entrevista ao Agora CNN, o cientista político Cristiano Noronha, vice-presidente da Arko Advice, avalia que o sigilo imposto ao caso pelo ministro Dias Toffoli, do STF (Supremo Tribunal Federal), e a acareação por ele imposta alimentam especulações sobre quem poderia estar envolvido.

“Essa questão da determinação do sigilo, essa decisão de investigar, fazer essa acareação que foi decidida à revelia do que defendia a Polícia Federal, tudo isso acaba alimentando muito essas especulações de quem efetivamente estaria envolvido”, explica.

O especialista também comenta sobre a politização do tema: “O assunto já está sendo politizado no âmbito local em Brasília, porque a gente viu também personalidades políticas defendendo a compra do Banco Master pelo BRB, que é um banco público”, detalha.

Noronha destaca que a revelação do contrato que o escritório de advocacia de Viviane Barci de Moraes, esposa de Alexandre de Moraes, mantinha com o Banco Master serve como munição para a oposição e relembra os diversos pedidos de impeachment do ministro.

Distância estratégica do governo

Questionado sobre a postura do governo de evitar o confronto direto e manter o discurso de autonomia do Banco Central, o vice-presidente da Arko Advice avalia que essa é uma estratégia acertada.

“Faz todo sentido o governo fazer isso, primeiro porque se distancia do problema, insiste em uma decisão absolutamente técnica que o Banco Central tomou e eventualmente não politiza ainda mais esse assunto.”

Com esse distanciamento, Noronha explica que o governo evita ser acusado pela oposição de tentar blindar atores importantes caso venha à tona o envolvimento de figuras relevantes do cenário político e jurídico.

Fonte: CNN

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Brasil

Zelensky quer mais do que os 15 anos de segurança oferecidos por Trump

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Zelesnky afirmou, nesta segunda-feira (29), ter pedido aos Estados Unidos garantias de segurança “sólidas” contra a Rússia

Após a reunião deste domingo (28/12) entre o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, e Donald Trump, nos EUA, a questão territorial continua sendo um dos principais pontos de bloqueio para a obtenção de um consenso.

A Rússia segue exigindo concessões da Ucrânia e a incorporação de Donbass, no leste. Zelesnky afirmou, nesta segunda-feira (29), ter pedido aos Estados Unidos garantias de segurança “sólidas”, com prazos mais longos do que 15 anos contra os russos.

Apesar dos pontos de atrito que parecem inviabilizar um compromisso duradouro a curto prazo, o presidente americano Donald Trump disse neste domingo estar “muito próximo” de um acordo de paz com a Ucrânia, após um encontro com o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky em sua residência em Mar-a-Lago, em Palm Beach, na Flórida.

Embora Trump demonstre otimismo, nenhum prazo foi estipulado para colocar em prática os pontos citados no plano de paz anunciado pelos EUA em 28 de novembro e modificado diversas vezes. Na conversa com jornalistas após a reunião, que teve a participação, por telefone, de líderes europeus, Trump e Zelensky admitiram que ainda há várias divergências pendentes entre russos e ucranianos — principalmente em relação às questões territoriais.

A principal dificuldade envolve o Donbass, formado pelas regiões de Donetsk e Lugansk, que continua sem solução. A área é reivindicada pelo presidente russo Vladimir Putin, que alega laços históricos e herança soviética. Mas, de acordo com a Constituição ucraniana, o território pertence à Ucrânia.

Antes da reunião, Zelensky esperava convencer o presidente americano a flexibilizar uma das principais propostas do plano de paz, que inclui a retirada completa das tropas ucranianas da região de Donbass, o que significaria ceder a Moscou áreas ainda controladas por Kiev.

Desde o início da guerra, em fevereiro de 2022, a Rússia tomou cerca de 12% do território ucraniano, após ter anexado a península da Crimeia em 2014. Trump e Zelensky admitiram neste domingo que o futuro do Donbass ainda é incerto. “Não está resolvido, mas estamos chegando perto”, disse Trump. “É uma questão muito difícil”, acrescentou, após afirmar que restam “um ou dois pontos delicados”.

Os Estados Unidos propuseram criar uma zona econômica franca caso a Ucrânia deixasse a região, mas seu funcionamento, na prática, não foi esclarecido. Apesar das dificuldades, “o desfecho das negociações entre a Rússia e a Ucrânia deve ocorrer nas próximas semanas”, afirmou o presidente americano, que também conversou por telefone com Vladimir Putin antes de receber Zelensky e disse que voltará a ligar para o presidente russo.

Garantias de segurança

Em uma mensagem publicada nas redes sociais, Zelensky disse que houve “progressos significativos” nas últimas semanas nas discussões conduzidas por equipes americanas e ucranianas. Segundo ele, os encontros definiram quais seriam as próximas etapas que viabilizariam o plano de 20 pontos, proposto por Trump.

Zelensky afirma que obteve um acordo sobre as garantias de segurança que seriam oferecidas à Ucrânia, mas Trump disse que a questão está resolvida em “95%” e espera que os europeus assumam “grande parte” dessas garantias, com apoio dos Estados Unidos.

Nesta segunda-feira, o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky disse que os Estados Unidos propuseram à Ucrânia garantias de segurança “sólidas” por um período de 15 anos que pode ser prorrogado. Ele disse que pediu a Washington um prazo maior durante sua reunião no domingo com Donald Trump.

“Eu realmente queria que essas garantias fossem mais longas e que consideramos a possibilidade de 30, 40, 50 anos”, afirmou Zelensky em uma coletiva de imprensa online. Segundo ele, o presidente americano vai analisar essa possibilidade. Ele também disse que terá uma nova reunião na Ucrânia “nos próximos dias” com líderes americanos e europeus.

Após a reunião entre Trump e Zelensky, o presidente francês, Emmanuel Macron, reconheceu no X avanços nas garantias de segurança e anunciou uma reunião da “coalizão dos voluntários” no início de janeiro, em Paris, “para finalizar as contribuições concretas de cada um”.

Zelensky e Trump também não deram detalhes sobre os acordos que envolvem a segurança da Ucrânia após o fim do conflito. Nesta segunda, o presidente ucraniano afirmou que só suspenderá a lei marcial, que proíbe, principalmente, que homens ucranianos elegíveis para o serviço militar deixem o país, após o fim da guerra com a Rússia e a obtenção de garantias de segurança.

Moscou insiste que qualquer envio de tropas estrangeiras para a Ucrânia seria inaceitável. De acordo com o líder ucraniano, qualquer acordo de paz deverá ser aprovado pelo Parlamento do país ou por referendo, e Trump disse estar disposto a se dirigir ao Parlamento em Kiev.

Zelensky anunciou que uma reunião entre representantes ucranianos e americanos ocorrerá na próxima semana, além de outro encontro em janeiro, em Washington, com Trump e líderes europeus. A reunião entre Trump e o presidente ucraniano ocorreu após várias semanas de esforços diplomáticos, especialmente por parte dos europeus, às vezes excluídos do processo liderado por Washington.

A Europa busca garantias de segurança para Kiev que tenham o apoio dos Estados Unidos. “A Europa está pronta para continuar sua colaboração com a Ucrânia e seus parceiros americanos a fim de consolidar os progressos rumo a um acordo de paz”, declarou na noite de domingo para segunda a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen.

Conversa com Putin

Pouco antes da chegada da delegação ucraniana à Flórida, Trump conversou por telefone com o presidente russo Vladimir Putin. O chefe de Estado americano descreveu a conversa como “muito produtiva”, e um conselheiro do Kremlin afirmou que o tom entre os dois líderes foi “cordial”. A discussão durou uma hora e quinze minutos.

Durante a ligação, Putin disse que a proposta de uma trégua de 60 dias, formulada pela Ucrânia e pela União Europeia, apenas prolongaria a guerra, segundo Yuri Uchakov. Kiev precisa tomar rapidamente uma “decisão corajosa” sobre o Donbass, acrescentou o conselheiro de política externa da presidência russa.

Durante o fim de semana, o Exército russo intensificou seus ataques aéreos contra a Ucrânia e atingiu neste domingo a capital e outras regiões do país com centenas de mísseis e drones. O aquecimento e a eletricidade foram cortados em alguns bairros de Kiev.

Zelensky descreveu os ataques russos como uma resposta de Moscou às negociações de paz lideradas por Washington. Trump, no entanto, disse acreditar que Putin é “sincero” em suas intenções de obter a paz.

Novos territórios

Quanto à usina nuclear de Zaporíjia, a maior da Europa, a administração americana propôs que Rússia e Ucrânia compartilhem seu controle.

No local, os trabalhos de reparação das linhas elétricas começaram após um novo cessar-fogo local negociado pela Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), informou a agência neste domingo.

Segundo Trump, os negociadores avançaram nas negociações sobre a usina, que pode “retomar operações quase imediatamente”, disse ele. Putin alertou no sábado que a Rússia continuará sua ofensiva militar na Ucrânia se Kiev não quiser chegar a uma paz rápida. O Exército russo, que avançou nas linhas de frente nos últimos meses, reivindicou neste domingo a tomada de novas regiões ucranianas.

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INSS: empresa que movimentou milhões funcionava em endereço fantasma

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Empresa apontou endereço em condomínio residencial no Jardim Botânico (DF). CNPJ movimentou quase R$ 4 milhões para ONGs investigadas

Uma empresa cujo endereço consta na Receita Federal como sendo no Jardim Botânico, Distrito Federal, movimentou, em apenas dois meses, quase R$ 4 milhões pertencentes a entidades investigadas no caso que ficou conhecido como a Farra do INSS.

A empresa em questão é a Prime Assessoria e Consultoria Financeira LTDA., também registrada como TI Assessoria Financeira. Cadastrada como microempresa – classificação dada a empreendimentos com faturamento anual de até R$ 360 mil, a companhia foi aberta em 2 de janeiro de 2025, no interior de um condomínio.

Metrópoles esteve no endereço e apurou que no local há apenas unidades habitacionais. De acordo com um funcionário do condomínio ouvido pela reportagem, nunca houve registro do empreendimento no residencial – configurando a suspeita de ser uma empresa fantasma.

Segundo o trabalhador, na casa apontada como sendo a sede da empresa mora um homem cujo nome não é mencionado em qualquer documento oficial da TI Assessoria. O portal tentou contato com o morador, mas não obteve sucesso.

Segundo o relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) enviado à CPMI do INSS, o dinheiro movimentado pela empresa é proveniente de depósitos e retiradas feitos pela Associação dos Aposentados do Brasil (AAB) e da Federação dos Agricultores Familiares e Empreendedores Rurais do Centro Sul e Sudeste, ligada a Conafer.

Tanto a AAB quanto a Conafer são investigadas por aplicar descontos ilegais nas aposentadorias e pensões do INSS.

Rendimento incompatível

Conforme os dados, a TI Assessoria recebeu, em dois meses, recursos de forma concentrada das associações investigadas e distribuiu esses valores para mais de 500 contrapartes. Do montante total movimentado na conta da empresa, R$ 1,97 milhão se refere a créditos e R$ 1,95 milhão, a débitos.

A movimentação milionária do empreendimento chamou atenção do sistema de monitoramento de Prevenção à Lavagem de Dinheiro (PLD), que classificou o rendimento da TI Assessoria como “incompatível” com “seu perfil, tempo de existência e porte”.

Segundo o sistema PLD, “não foram identificadas informações que explicassem a movimentação” dos valores da TI Assessoria Financeira. Além disso, na conta da empresa, “não houve manutenção de saldo em conta” devido a “rápida evasão dos recursos”. Após o fluxo milionário, o CNPJ foi encerrado em 5 de maio, quatro meses após ser aberto.

A reportagem apurou que uma das sócias da empresa é Thamyrez Maia de Oliveira, diretora financeira da Conafer. A mulher, segundo um depoimento concedido pelo presidente da associação, Carlos Roberto Ferreira Lopes, à CPMI do INSS, é esposa do presidente do Instituto Terra e Trabalho (ITT) Vinícius Ramos da Cruz – um dos presos no esquema de descontos ilegais. Vinícius é cunhado de Lopes.

Ainda conforme revelado por Lopes à CPMI, o instituto atua como “braço de execução” de várias entidades, incluindo a Conafer.

Sede no mesmo endereço

A Confederação Nacional dos Agricultores Familiares (Conafer) e a Associação dos Aposentados do Brasil (AAB) têm como sede o mesmo prédio empresarial, localizado no Setor Comercial Sul de Brasília, no Distrito Federal.

As informações, que divergem apenas no número da sala, constam no Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica das instituições e foram concedidas à União no momento da criação das empresas. Os CNPJs, inclusive, permanecem ativos, com os mesmos dados, perante a Receita Federal.

Tanto a Conafer quanto a AAB aparecem na lista de Processos Administrativos de Responsabilização (PAR) instaurados pela Controladoria-Geral em setembro deste ano.

A Conafer, por exemplo, teria desviado ao menos R$ 640 milhões de aposentadorias associadas à instituição. Em 17 de novembro, a Polícia Federal cumpriu mandado de prisão contra dirigentes da associação. O presidente, Carlos Roberto Ferreira Lopes, não foi localizado. Ele é apontado como chefe do esquema que contava com núcleos político, financeiro e de comando para cometer as fraudes.

A Associação dos Aposentados do Brasil, por sua vez, também seria responsável por desvios milionários. A AAB, segundo as investigações, teria solicitado descontos em benefícios de pessoas mortas há décadas. Um levantamento feito pela CGU identificou que a instituição solicitou indevidamente, em mais de 27 mil casos, a inclusão de descontos associativos de pessoas já falecidas.

Devido aos fatos, a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do INSS, que apura as fraudes, aprovou requerimento para convocar Dogival José dos Santos, presidente da AAB, para prestar depoimento no Senado Federal. Em 6 de novembro, parlamentares pediram quebra de sigilo bancário e fiscal do dirigente da instituição.

Donos de igrejas no DF

Metrópoles apurou que, antes de comandar a associação, Dogival era motorista. Ele e Lucineide dos Santos Oliveira (outra sócia da AAB) são donos de igrejas evangélicas localizadas na capital da República.

Uma dessas igrejas, em nome da mulher, fica na região do Recanto das Emas (DF). Estranhamente, no mesmo endereço da instituição religiosa, está cadastrada uma empresa pertencente a Samuel Chrisostomo do Bomfim Junior, contador da Conafer.

Metrópoles esteve no local e encontrou apenas a instituição religiosa, erguida entre um centro catequético e um terreno baldio. Apesar disso, segundo dados da Receita Federal, a loja de Samuel está ativa no espaço, o que conduz à suspeita de ser uma empresa fantasma.

Reprodução/ Google Maps

Outros CNPJs distintos em nome de Samuel e de Lucineide operam em um sobrado na mesma região administrativa. Além dos empreendimentos da dupla, funcionam no endereço empresas pertencentes a Cícero Marcelino de Souza Santos, assessor do presidente da Conafer.

Cícero – que chegou a afirmar, durante a CPMI, que lucrava “uns trocos” com o dinheiro que deveria ser destinado aos beneficiários do INSS – foi preso em 17 de novembro, durante operação da PF.

Em 16 de outubro, durante depoimento, Cícero admitiu que abriu empresas para prestar serviços a pedido de Carlos Lopes. Ele disse que recebia planilhas de pagamentos para as entidades da Conafer e, posteriormente, fazia o repasse. Pontuou ainda que não conhece Samuel Chrisostomo, apesar de ter CNPJ de instituição sediada no mesmo local de empresas do homem.

Santos também negou saber de onde vinham os recursos recebidos pela Conafer. Ele e a esposa, no entanto, teriam movimentado R$ 300 milhões da instituição desde 2019.

Durante a CPMI, as empresas de Cícero foram apontadas como empreendimentos de natureza laranja. “A única coisa que estou vendo aqui nesta CPMI é que as pessoas que os sindicatos ajudam são os próprios dirigentes e seus familiares, as empresas dos dirigentes, dos familiares, ou dos laranjas e familiares dos laranjas. E você é um laranja, suas empresas são empresas laranjas”, disse a deputada Adriana Ventura (Novo-SP).

Operação

A Polícia Federal (PF) e a Controladoria-Geral da União (CGU) deflagraram, em 13 de novembro, nova fase da Operação Sem Desconto, investigação que mira esquema nacional de descontos associativos não autorizados em aposentadorias e pensões. A ação mobilizou equipes em 17 estados e no Distrito Federal.

Ao todo, foram cumpridos 63 mandados de busca e apreensão, 10 mandados de prisão preventiva e diversas medidas cautelares. Entre os presos estão:

  • Alessandro Stefanutto – ex-presidente do INSS;
  • Antônio Carlos Antunes Camilo, conhecido como Careca do INSS;
  • Vinícius Ramos da Cruz – presidente do Instituto Terra e Trabalho (ITT);
  • Tiago Abraão Ferreira Lopes – diretor da Conafer e irmão do presidente da entidade, Carlos Lopes;
  • Cícero Marcelino de Souza Santos – empresário ligado à Conafer; e
  • Samuel Chrisostomo do Bonfim Júnior – também integrante da Conafer.

Os alvos estão espalhados por Espírito Santo, Goiás, Maranhão, Minas Gerais, Paraíba, Paraná, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, São Paulo, Sergipe, Tocantins e Distrito Federal.

Como o esquema funcionava

Segundo as investigações, os suspeitos atuavam inserindo dados falsos em sistemas oficiais para incluir beneficiários em associações ou entidades fictícias. A partir disso, eram feitos descontos mensais indevidos diretamente nos pagamentos de aposentados e pensionistas, muitos deles sem qualquer conhecimento sobre as cobranças.

Os alvos são investigados por formar organização criminosa voltada à obtenção de vantagens financeiras por meio de estelionato previdenciário, além de corrupção ativa e passiva para facilitar o acesso fraudulento aos sistemas do INSS.

Também há apurações sobre ocultação de patrimônio, supostamente utilizado para dificultar o rastreamento dos valores desviados

O outro lado

Metrópoles tentou contatar as pessoas envolvidas nessa reportagem tanto por e-mail quanto por telefone, mas não obteve retorno. O espaço segue aberto para futuras manifestações.

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