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Especial IstoÉ: Os desabafos de Cármen Lúcia

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Na semana mais conturbada desde que assumiu o STF, a presidente Cármen Lúcia vira alvo de pressões de todos os lados e reage com a simplicidade e a firmeza moral que se exige de quem ocupa o posto mais importante da República no atual momento do País

Na terça-feira 13, a presidente do Supremo Tribunal Federal, ministra Cármen Lúcia, desembarcou no Aeroporto de Congonhas para um evento em São Paulo. Um táxi a aguardava. Preocupada com o trânsito intenso, ela comentou sobre o risco de não chegar no horário. Sem dar um pio, o motorista enveredou por caminhos alternativos para driblar os congestionamentos. Ao fim, deixou Cármen Lúcia no local combinado e, para seu alívio, a tempo. A presidente do STF agradeceu. “Só fiz porque era a senhora. Se fosse qualquer outra daquelas autoridades de Brasília, ia ficar mofando no engarrafamento”, respondeu ele.

Situações como a vivida com o taxista em São Paulo representam um alento para a presidente do Supremo. Em sua avaliação, o STF nunca esteve sob tanta eletricidade político-jurídica. “Celso de Mello (decano, o ministro mais antigo) e Marco Aurélio Mello (o segundo mais experiente) me disseram, e eu concordo, que nunca na história o STF viveu momento tão tenso”, disse Cármen Lúcia a um interlocutor. Ela, porém, evita se deixar levar pelas inclementes pressões que vem sofrendo, oriundas especialmente daqueles que desejam livrar da cadeia o ex-presidente Lula, condenado pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região a 12 anos de prisão. Esforça-se para sobreviver serena e incólume. Ocorre que, não raro, o presidente de um poder, como o Supremo, precisa falar não apenas nos autos, mas bem alto. Seguindo essa premissa, ela reagiu. Nos últimos dias, fez uma série de desabafos. ISTOÉ recolheu algumas frases ditas por ela em conversas com assessores e pessoas próximas, que resumem como Cármen Lúcia avalia os desafios enfrentados no comando do Poder Judiciário. “São desafios inerentes ao cargo, muito mal compreendidos nesse que é um dos momentos mais complexos da nossa história”, disse ela, numa das conversas.

Na verdade, longe de se contaminar pelas manifestações de apoio, Cármen Lúcia cultiva hoje a impressão de que sua atuação não agrada a ninguém. “Quando eu era professora, achava que um ou outro aluno provavelmente não gostava de mim. Porque era reprovado, porque tinha alguma nota baixa. Como juíza, imaginava que uns 50% não gostavam de mim, porque uns eu condenava e outros absolvia. Aqui na presidência do Supremo, fico com a sensação de que ninguém gosta de mim. Qualquer decisão que eu tome vai agradar e desagradar. Ainda mais num momento como esse”, avaliou em reunião com um de seus auxiliares.

Romaria

A razão principal das pressões sofridas por Cármen Lúcia diz respeito à indecorosa tentativa de revisão da prisão após condenação em segunda instância. Nos últimos dias, uma romaria de políticos – e também de ministros da própria Corte – se dirigiu ao gabinete da presidente do STF. No início da semana, cinco ministros do STF ensaiaram uma união para tentar tirar de Cármen a prerrogativa de recolocar o tema em pauta. Em vão. Na quarta-feira 14, Cármen recebeu um grupo de deputados da oposição. Os parlamentares entregaram a ela um documento assinado por 12 partidos no qual foi solicitada a inclusão do habeas corpus em favor de Lula na agenda do STF. Ao que a ministra jogou a bola para o relator a Lava Jato no STF, Edson Fachin, com quem se encontra hoje o novo pedido de HC do ex-presidente petista. Tudo indica, no entanto, que não irá prosperar. Como também não prosperou o pedido do petista ao TRF-4 de ser notificado por email sobre o julgamento dos embargos de declaração, cinco dias antes do derradeiro julgamento.

Apesar da sucessão de reveses, a banca que defende o ex-presidente Lula exerce marcação cerrada. Na própria quarta-feira 14, o advogado José Paulo Sepúlveda Pertence esteve pessoalmente com Cármen. E, depois, também com Fachin. Para a presidente do Supremo, o encontro é absolutamente normal. Mas a quem deu-lhe ouvidos, na última semana, ela tocou o cerne da questão: “É absolutamente natural que o juiz escute essas alegações para formar o seu juízo. Agora, não se pode levar em conta a eventual importância ou popularidade do réu. As alegações de Lula ou as de qualquer outro preso que eu condenei têm o mesmo peso. São a mesma coisa”, comparou ela, de acordo com seu interlocutor. É a essência do conceito de Justiça cega.

Protocolo

Nesse sentido, ela busca atender a todos da mesma forma. No dia 1º de março, por exemplo, quando a presidente do PT, senadora Gleisi Hoffmann (PR), plantou-se na antessala de Cármen Lúcia acompanhada de outras dez parlamentares, comunicando que dali não sairia enquanto não fosse recebida, a presidente do STF foi aconselhada por Celso de Mello a não atender a comitiva. “Isso é um desrespeito”, resumiu ele. Cármen Lúcia não seguiu o conselho: “Vou ouvir o que elas querem dizer”, disse ela. De acordo com um assessor, a presidente do STF estabelece regras para impedir que tais conversas extrapolem e gerem maiores constrangimentos. “Aqui, ainda que o interlocutor seja amigo, o tratamento é “senhora”, “ministra”, “presidente”. Tudo segue esse protocolo para que ninguém sinta espaço para extrapolar”, explicou ela depois do encontro.

A presidente do Supremo reúne convicções firmes quanto às razões que a levam a resistir à imensa pressão para colocar na pauta da Corte a mudança do posicionamento que permite a prisão após condenação em segunda instância. Para ela, revisões dessa natureza precisam ser feitas com muito cuidado e parcimônia. Só devem ocorrer quando o pensamento da sociedade acerca de um tema evolui. Mas tal evolução evidentemente não aconteceu com relação a um tema que foi tratado pelo STF num intervalo de apenas um ano e meio. O Supremo já tratou da prisão após condenação em segunda instância três vezes. A última em outubro de 2016. Para Cármen Lúcia, uma eventual alteração de postura agora não derivaria da evolução do pensamento da sociedade. Mas somente porque o personagem central é um ex-presidente da República de um partido político de expressão.

REGIMENTO CUMPRIDO Segundo o TRF-4, Lula terá que consultar sistema “e-proc” dois dias antes da data do derradeiro julgamento (Crédito:Divulgação)

Ou seja: uma decisão de caráter meramente pessoal. Além disso, para Cármen Lúcia, pedidos de revisão nunca deveriam partir de quem foi vencido nas apreciações. “Na Suprema Corte americana, somente os vencedores podem pedir revisão de um posicionamento”, explicou ela a um interlocutor na semana passada. “Imagine: quem foi vencido vai ficar pedindo revisão da decisão até deixar de ser vencido e virar vencedor?”

Fim dos recursos infinitos

A presidente do Supremo, na verdade, formou entendimento de que a prisão após condenação em segunda instância tornou-se peça fundamental no combate à corrupção. A prisão não impede o réu de seguir buscando reverter sua pena até a última instância. É, porém, uma forma importante de evitar que os infinitos graus de recurso acabem impedindo a Justiça de ser feita: os culpados, com bons advogados, protelam ao máximo a decisão final e seus crimes acabam prescritos antes da condenação.

Diversos países, como os Estados Unidos, França e Argentina, admitem a prisão em segunda instância. No caso específico da Lava Jato, é a perspectiva da prisão que tem feito com que diversos dos envolvidos optem pela delação premiada. Que interesse alguém teria em promover um acordo de delação se vislumbrasse a perspectiva de recorrer em liberdade até seu crime prescrever? Num dos desabafos apurados por ISTOÉ, Cármen Lúcia foi taxativa: “A revisão da prisão após condenação em segunda instância vai fazer o combate à corrupção retroceder 50 anos”.

Com a mesma serenidade com que resiste às pressões dos aliados de Lula, Cármen Lúcia encara a polêmica criada em razão do encontro mantido com o presidente Michel Temer, no sábado 10. Os mesmos que se postam na sua antessala exigindo ser atendidos para clamar por Lula criticam o fato de ela, presidente do Poder Judiciário, encontrar-se de forma pública com o presidente do Poder Executivo. Temer é investigado pelo Supremo no caso do decreto dos portos que, segundo a acusação, poderia ter beneficiado uma empresa que atua no Porto de Santos. Segundo Cármen, Temer não tratou da acusação contra ele. E nem conseguiria caso tentasse. O encontro girou em torno do tema segurança pública, pauta comum a Temer e Cármen.

Como presidente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a ministra foi quem elaborou o Cadastro Nacional de Presos. “Nesses tempos conturbados, uma agenda normal entre presidentes de Poderes ganha contornos de desconfiança”, comentou Cármen com uma pessoa de sua intimidade. Para concluir, em seguida, com a simplicidade de sempre: “Se levássemos em consideração todas as implicações de cada um, o País simplesmente pararia”. Como declarou na terça-feira 13 ao participar de seminário em São Paulo, Cármen Lúcia criou uma fórmula segura para enfrentar as pressões das quais tem sido alvo. Simplesmente não cede a elas.

O QUE DISSE A PRESIDENTE DO STF
Em conversas com assessores e colegas de toga, a presidente do STF teceu uma série de considerações sobre o atual momento de efervescência da Suprema Corte. Abaixo, as principais observações:

SOBRE LULA:
“Qualquer réu tem o direito de fazer suas alegações. E é absolutamente natural que o juiz escute essas alegações para formar o seu juízo. Agora, não se pode levar em conta a eventual importância ou popularidade do réu. Para mim, as alegações de Lula ou as de qualquer outro preso que condenei têm o mesmo peso. São a mesma coisa”

SOBRE O ATUAL MOMENTO DO STF:
“Celso de Mello e Marco Aurélio Mello me disseram, e eu concordo, que nunca na história
o STF viveu momento tão tenso”

AFINADOS Em reunião com Cármen Lúcia, Celso de Mello e Marco Aurélio concordaram que tensão no STF não encontra precedentes na história (Crédito:Tony Oliveira)

RECOLOCAR A PRISÃO EM SEGUNDA INSTÂNCIA NA PAUTA:
“Revisões de posicionamento acontecem porque a sociedade evolui. Mas isso não pode acontecer num período de apenas um ano e meio. E a revisão não pode surgir por iniciativa de quem foi vencido. Na Suprema corte americana, somente os vencedores podem pedir revisão de um posicionamento. Aqui não pode ser diferente. Imagine: quem foi vencido vai ficar pedindo revisão da decisão até virar vencedor?”

CONSEQUÊNCIAS SOBRE O FIM DA PRISÃO EM SEGUNDA INSTÂNCIA:
“O fim da prisão em segunda instância faria retroceder em 50 anos o combate à corrupção. As inúmeras possibilidades de recurso fariam os crimes prescreverem. Não haveria mais motivo para que alguém fizesse colaboração premiada”

PRESSÕES DO PT PELA LIBERDADE DE LULA:
“O PT tem o direito de defender suas posições. Mas tudo segue dentro de absoluta formalidade. Aqui, ainda que o interlocutor seja amigo, conhecido de antes de eu ser presidente do Supremo, o tratamento é “senhora”, “ministra”, “presidente”. Tudo segue esse protocolo para que ninguém sinta espaço para extrapolar”

SUA PRÓPRIA IMAGEM:
“Quando eu era professora, achava que um ou outro aluno não gostava de mim. Porque era reprovado, levava alguma nota baixa. Como juíza, imaginava que uns 50% não gostavam de mim, porque uns eu condenava e outros absolvia. Aqui na presidência do Supremo, fico com a sensação de que ninguém gosta de mim. Qualquer decisão agrada e desagrada. Ainda mais num momento como esse”

O QUE OS UNIU Cármen Lúcia e Michel Temer no sábado 10: na pauta, a segurança (Crédito:Pedro Ladeira/Folhapress)

ENCONTRO COM TEMER:
“Temos uma pauta comum, em torno da segurança pública. O governo usará o Cadastro Nacional de Presos que está sendo produzido pelo Conselho Nacional de Justiça, e que ficará pronto em maio. Temos nossas responsabilidades como chefes dos Poderes. Se levássemos em consideração todas as implicações de cada um nesse momento tão conturbado, o País simplesmente pararia”

 

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Pesquisa revela que rios do Acre passaram a ser alternativas do tráfico internacional de drogas

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Juruá e Acre, além de outros 12 rios da Amazônia, passaram a ser utilizados com mais frequência por causa da lei do abate de aeronaves. A ação do tráfico fez explodir a violência na Amazônia, incluindo o Acre

Rio Juruá banha a capital do Juruá, Cruzeiro do Sul. Foto: Reprodução

Tião Maia, ContilNet

O aumento na taxa de homicídios em Cruzeiro do Sul, no Vale do Juruá, o segundo maior município do Estado do Acre, no período de 2005 a 2020, foi como uma explosão em termos de violência: 595% em 15 anos.

A taxa saiu de 4,3, de 1996 a 2004, para 30, no período de 2005 a 2020, o segundo maior índice da região Norte do país. O primeiro ficou com Eirunepé, município do Amazonas, que tem uma população estimada em 33 mil habitantes. Entre 1996 e 2004, a média da taxa de homicídios de pessoas acima de 1 ano era de 3,7 por 100 mil habitantes. Mas, entre 2005 e 2020, esse número explodiu: 34 homicídios a cada 100 mil habitantes – um aumento vertiginoso de 819%.

Além de terem em comum a situação geográfica, Cruzeiro do Sul e Eirunepé, embora estejam em estados diferentes, são banhadas pelo mesmo rio, o Juruá, um dos afluentes do Rio Amazonas. Assim como esses dois, existem outros quatorze rios identificados por pesquisadores brasileiros como os “rios de cocaína”, por servirem de rota para o tráfico que envolve Brasil, Peru, Colômbia e Bolívia. São eles: Abunã, Acre, Amazonas, Caquetá, Envira, Içá, Japurá, Javari, Juruá, Madeira, Mamoré, Negro, Purus, Tarauacá, Uaupés e Xié.

O resultado da pesquisa está publicado na revista Piauí deste mês, com base em estudos sobre Interdição Aérea, Tráfico de Drogas e Violência na Amazônia Brasileira, produzido por pesquisadores do Insper e da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA-USP), com a participação do IZA (Institute of Labor Economics), da Alemanha.

Uma versão resumida em português foi divulgada nesta quinta-feira (30) pelo Amazônia 2030, iniciativa de pesquisadores brasileiros para desenvolver um plano sustentável para a Amazônia.

Cerco ao transporte de droga pelo ar fez aumentar uso dos rios, mostra pesquisa

De acordo com a publicação, a hipótese para o aumento da violência que atinge pequenos municípios na região amazônica banhados por essas águas tem uma explicação: com o cerco aos aviões, intensificou-se o uso de barcos no escoamento da droga.

A mudança no transporte do entorpecente aconteceu depois de 2004, ano em que o governo brasileiro colocou em prática uma política de interdição aérea, aprovada ainda em 1998. Com a nova lei, a Força Aérea Brasileira (FAB) foi autorizada a abater aeronaves suspeitas de transportar drogas vindas dos países vizinhos. Assim, a migração para os rios foi uma estratégia dos criminosos para fugir da fiscalização policial.

O escoamento pela água, um meio de deslocamento mais demorado, exige uma dinâmica própria e influencia as comunidades atingidas, argumentam os estudiosos. Os longos trajetos, por exemplo, levam os criminosos a empregarem diferentes barqueiros, contratarem pessoas para fazer a segurança do carregamento, fornecer equipamentos, estocar a droga, entre outras funções. “Isso acaba trazendo a atividade ilegal para uma proximidade muito maior com a população local”, diz Rodrigo R. Soares, professor titular da cátedra Fundação Lemann no Insper e líder da pesquisa.

Uma versão resumida em português foi divulgada nesta quinta-feira (30) pelo Amazônia 2030, iniciativa de pesquisadores brasileiros para desenvolver um plano sustentável para a Amazônia. Foto: Rio Acre/Assis Brasil

Mudanças na logística fizeram explodir a violência em cidades ribeirinhas

As estimativas do estudo indicam que a mudança na logística para movimentar a droga ocasionou, entre 2005 e 2020, 27% do total de 5.337 mortes em 67 cidades da região Oeste da Amazônia margeadas pelos dezesseis “rios de cocaína”. Elas têm menos de 100 mil habitantes, estão longe das grandes cidades e do cruzamento de rodovias, o que diminui as chances de as mortes estarem relacionadas a disputas fundiárias ou desmatamento ilegal. A prevalência de óbitos acontece entre homens de 20 a 49 anos, por uso de arma de fogo ou faca.

Os estudos mostram que o Brasil possui cerca de 8 mil km de fronteira com três países que concentram o plantio de coca na região, que está dividido da seguinte forma: Colômbia (61%), Peru (26%) e Bolívia (13%), segundo o relatório mundial do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC, na sigla em inglês). Até o começo dos anos 2000, as principais rotas de escoamento passavam pela América Central e Caribe ou iam diretamente para norte-americanos e europeus, onde estão os maiores compradores.

A Amazônia brasileira começou a aparecer nesse mapa em meados dos anos 2000. O Brasil, que até então figurava na décima posição em volume de cocaína apreendida, atualmente é o terceiro colocado, atrás de Estados Unidos e Colômbia, apontam dados da UNODC de 2021. Foi nessa mesma época que o governo brasileiro investiu para aumentar o controle das fronteiras e do espaço aéreo na Amazônia, que abriga a maior floresta tropical do planeta e tem baixa densidade populacional: cerca de 5,6 habitantes por km².

Uma das medidas para inibir o tráfico veio em 2004 com a chamada Lei do Abate. A medida foi sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva após uma longa discussão no Congresso e com as Forças Armadas. A lei sinalizava que o governo estava disposto a “combater, com as armas adequadas, a invasão de nossas fronteiras por quadrilhas internacionais de narcotraficantes”, afirmou o então ministro da Defesa, José Viegas Filho.

Àquela altura, o país montava uma infraestrutura própria para agir nesse campo – havia pouco controle sobre o espaço aéreo da Amazônia, o que facilitava voos carregados de drogas vindos de países andinos. Em 2002, o Sistema de Vigilância da Amazônia e o Sistema de Proteção da Amazônia (Sivam/Sipam) entraram em operação sob a justificativa de aumentar a vigilância e o controle do tráfego aéreo, das fronteiras, monitorar comunicações clandestinas, rotas de tráfico e contrabando, além de identificar pistas escondidas e garimpos ilegais. Anos mais tarde, em 2005, o Quarto Centro Integrado de Defesa Aérea e Controle de Tráfego Aéreo (Cindacta IV) iniciava suas atividades em Manaus.

Assim que a Lei do Abate passou a valer, a FAB diz ter registrado uma redução imediata de 32% no número de voos irregulares. O primeiro relato de interceptação de avião suspeito veio a público em 2009, quando uma aeronave vinda da Bolívia foi alvo de disparos de advertência pelos militares brasileiros após o piloto se negar a obedecer. Depois dos tiros, o avião, que carregava 176 kg de pasta base de cocaína, pousou numa estrada de terra em Rondônia.

O estudo liga a interdição aérea ao volume da droga apreendida. Com a migração de parte do comércio ilegal para os rios e estradas, o Brasil dobrou a quantidade de cocaína detida por mar, terra e ar entre 2004 e 2005: foi de 7,7 toneladas para 15,7 toneladas, segundo estatísticas divulgadas pela Organização das Nações Unidas (ONU) à época.

No entanto, a estratégia usada para dificultar o tráfico de drogas pelo ar pode ter estimulado um novo problema. Segundo o estudo dos pesquisadores brasileiros, a geografia da floresta favoreceu a rápida adaptação do narcotráfico. A análise indica que a violência nas cidades ao longo das vias acessadas mudou de padrão depois da Lei do Abate. O estudo também aponta o aumento de mortes por overdose, sinalizando maior presença de drogas em circulação. “Observamos que diversos municípios com zero casos de overdose antes de 2005 passaram a ter episódios esporádicos desde então”, afirmam os pesquisadores, alertando ainda para a provável subnotificação de casos.

Existem quatorze rios identificados por pesquisadores brasileiros como os “rios de cocaína”. Foto: Reprodução

Disputa pelo monopólio do tráfico na região entre facções criminosas

Os pesquisadores alertam que é praticamente impossível enfrentar o problema numa região do tamanho da Amazônia, maior que a União Europeia, apostando só na presença ostensiva da polícia ou das Forças Armadas. “Tem que pensar em algum uso de tecnologia que seja capaz de acompanhar isso e gerar alertas que acionem uma reação”, sugere a pesquisa, citando drones, radares móveis e melhor coordenação entre os órgãos de fiscalização e autoridades dos países vizinhos. Outra ação vital é oferecer às comunidades locais alternativas que gerem renda, preservem a floresta e o modo de vida tradicional, a fim de evitar o envolvimento dos moradores com o narcotráfico e impedir possível “entrincheiramento de algum grupo criminoso ali na região que consiga um monopólio”.

A disputa pelo monopólio do tráfico de drogas na Amazônia sugerida pela pesquisa foi diagnosticada pelo Fórum de Segurança Pública em um relatório de 2022, citado no estudo sobre os “rios de cocaína”. A análise do Fórum abordou o interesse de facções do Sudeste, como o Comando Vermelho, do Rio de Janeiro, e o Primeiro Comando da Capital, o PCC, de São Paulo, pelo controle da região entre 2015 e 2016. O relatório cita ainda que “algumas facções locais compreenderam melhor os mecanismos de funcionamento das redes ilegais através da Amazônia”.

Esse fenômeno suscitou o surgimento de organizações regionais, como a Família do Norte, no Amazonas. Cientes disso, os estudiosos do Insper e da USP compararam os homicídios ocorridos após 2015, tentando identificar algum aumento de óbitos a partir da interferência das facções. Os números mostram que a taxa de mortes se manteve similar durante todo o período a partir de 2004, quando a restrição aérea foi implementada.

Por fim, os pesquisadores ressaltam que, além dos esforços brasileiros para conter o crime organizado, é imprescindível uma cooperação internacional, “principalmente na região andina, para garantir uma abordagem coordenada ao tráfico de cocaína, com maior troca de informações e práticas de segurança transnacional”.

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Com repasses de R$ 32,5 milhões, Acre chegou a 98% de execução de recursos da Lei Paulo Gustavo, diz governo federal

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Rio Branco foi o grande protagonista, com R$ 3,15 milhões aplicados em projetos audiovisuais

Maior parte dos recursos foi destinada a projetos de audiovisual. Foto: Lucas Dutra/FEM

O Acre foi um dos estados que mais se destacou na execução dos recursos da Lei Paulo Gustavo, com mais de 98% do montante recebido sendo investido na cultura local. Ao todo, o estado e seus 22 municípios executaram R$ 32,5 milhões, sendo R$ 23,86 milhões direcionados ao setor audiovisual e R$ 8,68 milhões para diversas outras manifestações culturais, como música, dança, pintura e artes digitais.

Entre os municípios acreanos, Rio Branco foi o grande protagonista, com R$ 3,15 milhões aplicados em projetos audiovisuais e R$ 1,27 milhão em outras áreas culturais. As cidades de Cruzeiro do Sul, Sena Madureira, Tarauacá e Feijó também se destacaram na execução dos recursos, contribuindo para o fortalecimento da cultura no estado.

A Lei Paulo Gustavo, sancionada em 2022, foi criada para apoiar o setor cultural durante a pandemia de Covid-19. Inspirada no legado do humorista Paulo Gustavo, que faleceu em decorrência da doença, a lei destinou recursos a estados, municípios e ao Distrito Federal, com o objetivo de ajudar artistas e produtores culturais a manterem suas atividades durante a crise. Com uma execução recorde, a lei se consolidou como o maior investimento direto na cultura na história do Brasil, promovendo o fortalecimento da economia criativa e a valorização das expressões culturais locais.

A ministra da Cultura, Margareth Menezes, fez questão de ressaltar a importância da Lei Paulo Gustavo para o desenvolvimento cultural e social do Brasil. “A lei é responsável pelo desenvolvimento econômico, social e artístico ao injetar recursos financeiros nos municípios e estados, gerando emprego, renda e dignidade para o nosso povo. A cultura está diariamente na vida dos brasileiros, e por isso leis de incentivo, como a Paulo Gustavo, são fundamentais para fomentar e evidenciar a diversidade da nossa gente e as diferentes formas de se fazer cultura”, afirmou.

Em nível nacional, os recursos da Lei Paulo Gustavo somaram R$ 3,93 bilhões, o maior investimento na história do país para o setor cultural. Com uma execução recorde de 95% dos recursos, a lei se consolidou como um importante pilar de apoio à cultura, especialmente em um momento tão desafiador como a pandemia de Covid-19.

O Acre, ao lado de outros estados que também se destacaram, como o Espírito Santo e o Paraná, é exemplo de como a aplicação desses recursos tem gerado impacto positivo na economia e na vida das pessoas. A execução eficiente no estado mostra como é possível investir em cultura e fortalecer a identidade local, ao mesmo tempo em que se geram novas oportunidades para a população.

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Governo Federal propõe expansão do crédito consignado para trabalhadores do setor privado

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Para viabilizar essa nova modalidade de crédito, o governo deve editar uma Medida Provisória (MP) ainda em fevereiro, embora o prazo exato ainda não tenha sido definido. Existe também a possibilidade de enviar um projeto de lei para o Congresso Nacional

Modalidade oferece juros mais baixos em comparação com outros tipos de crédito, sendo amplamente utilizada por servidores públicos, aposentados e pensionistas do INSS. Foto: internet

O Governo Federal anunciou a criação de uma proposta legislativa que visa expandir o acesso ao crédito consignado para os cerca de 42 milhões de trabalhadores com carteira assinada (CLT) no Brasil, especialmente aqueles com dificuldades de acesso a este tipo de financiamento. A principal novidade da proposta é a criação de uma plataforma que permitirá aos bancos e instituições financeiras consultar diretamente o perfil de crédito dos trabalhadores por meio do eSocial, o sistema eletrônico obrigatório que reúne informações trabalhistas, previdenciárias e fiscais dos empregados de todo o país.

O crédito consignado, uma das modalidades de empréstimo mais populares no Brasil, tem as parcelas descontadas diretamente da folha de pagamento do devedor. Essa modalidade oferece juros mais baixos em comparação com outros tipos de crédito, sendo amplamente utilizada por servidores públicos, aposentados e pensionistas do INSS. Atualmente, a legislação permite que trabalhadores com carteira assinada acessem o crédito consignado, mas a exigência de convênios entre empresas e bancos dificulta a adesão de pequenas e médias empresas, limitando o acesso ao serviço.

O projeto foi discutido em uma reunião com o presidente Lula, os ministros Haddad e Luiz Marinho, além dos presidentes de cinco dos maiores bancos públicos e privados do país, incluindo Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, Bradesco, Itaú e Santander. Durante o encontro, ficou claro que a proposta busca eliminar a necessidade de convênios entre as empresas e os bancos, facilitando a oferta de crédito para trabalhadores de diversos setores, independentemente do porte da empresa em que trabalham.

Para viabilizar essa nova modalidade de crédito, o governo deve editar uma Medida Provisória (MP) ainda em fevereiro, embora o prazo exato ainda não tenha sido definido. Existe também a possibilidade de enviar um projeto de lei para o Congresso Nacional, conforme indicou o ministro do Trabalho, Luiz Marinho.

As regras sobre o limite do crédito consignado, como o teto de 30% da renda mensal do trabalhador comprometida com o empréstimo, deverão permanecer inalteradas. Além disso, os trabalhadores poderão utilizar até 10% do saldo do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) e a multa por demissão sem justa causa para o pagamento das parcelas, caso se desliguem da empresa.

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