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Câmara aprova MP de renegociação de dívidas com fundos constitucionais

Estão previstos descontos de até 90% para quitação de débitos
Por Agência Brasil
A Câmara dos Deputados concluiu a votação da Medida Provisória 1016/20, que prevê renegociação extraordinária de dívidas com os fundos constitucionais do Norte (FNO), do Nordeste (FNE) e do Centro Oeste (FCO). A MP concede descontos de até 90% para quitação de débitos até 31 de dezembro de 2022. O texto será enviado à sanção presidencial.

Na noite dessa quinta-feira (20), os deputados aprovaram uma de dez emendas do Senado à MP. Essa emenda, a única com parecer favorável do relator, deputado Júlio Cesar (PSD-PI), inclui dispositivo para suspender durante o ano passado, em razão da pandemia de covid-19, a contagem dos prazos de carência de projetos financiados com recursos dos fundos.
De acordo com o texto do relator, o pedido de renegociação de empréstimos tomados com recursos dos fundos constitucionais poderá ser feito sempre que o interessado reunir as condições estipuladas, mas para aqueles que renegociarem até 31 de dezembro de 2022 aplicam-se descontos e bônus maiores.
“De todos os beneficiados pela MP, cerca de 90% são pequenos empresários rurais e não rurais”, disse Júlio Cesar.
Contrário ao projeto, o deputado Nilto Tatto (PT-SP) argumentou que “o valor total dos financiamentos dos grandes empresários beneficiados supera o valor total dos pequenos empréstimos”.
Semiárido
A renegociação, a ser feita com os bancos administradores (Banco da Amazônia, Banco do Nordeste e Banco do Brasil), destina-se ao empréstimo feito há, pelo menos, sete anos e lançado, no balanço do fundo, como prejuízo total ou coberto por provisão de devedores duvidosos.
Serão abrangidas as parcelas em atraso, mas os descontos não poderão reduzir o valor original da operação de crédito ou implicar redução maior que 90% dos valores a serem renegociados. O prazo de pagamento será de até 120 meses.
Poderão ser renegociados ainda os débitos em atraso de empreendimentos rurais de qualquer porte não pagos até 30 de dezembro de 2013 caso se localizem no Semiárido e a cidade tenha tido estado de calamidade pública ou de emergência reconhecido pelo governo federal devido a seca ou estiagem no período de sete anos contados do empréstimo.
Condições
Para quem renegociar até 31 de dezembro de 2022, os descontos variam conforme o porte do beneficiário. Após esse prazo, um regulamento definirá os descontos e bônus aplicáveis.
Para quitação da dívida, os descontos variam de 60% a 90%, conforme o empréstimo seja rural ou não rural, segundo o porte do beneficiário e caso o empreendimento esteja ou não localizado no Semiárido.
No cálculo do valor sobre o qual serão aplicados os descontos, tanto na quitação quanto no parcelamento, haverá diferenciação na correção da dívida original conforme o porte do mutuário.
Se for miniprodutor ou agricultor familiar, a dívida deverá ser corrigida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) ou pela aplicação dos encargos normais fixados em várias leis que regularam o tema e sem os bônus não usados. Para os demais produtores, a correção será pela variação do IPCA.
A todo caso, se a dívida estiver em cobrança judicial, será aplicado mais 1% a título de honorário advocatício.
Quem parcelar poderá pagar as prestações com juros vigentes do fundo para atividade econômica semelhante à originalmente financiada, com prazo de pagamento de dez anos (2023 a 2032).
Os descontos para pagamento em dia das parcelas por aquele que refinanciar a dívida variam de 20% a 50% segundo os mesmos critérios de enquadramento usados no desconto para quitação.
Correção de uso
Também poderão ser beneficiados aqueles que usaram o dinheiro para finalidade diversa da constante do projeto aprovado ou que tenham realizado fraude, contanto que tenham regularizado a situação.
O relator Júlio Cesar incluiu ainda as hipóteses de o devedor corrigir a irregularidade “concomitantemente à liquidação ou repactuação” e se comprovar que o objeto do financiamento tiver sido fisicamente implantado ou adquirido.
O déficit ocasionado pelos descontos será suportado pelo fundo, exceto quando tiver ocorrido lançamento total como prejuízo ou como provisão para devedores, situação em que o déficit será suportado na proporção do risco assumido por cada agente (fundo, banco administrador ou instituição repassadora).
Instituições repassadoras são geralmente bancos ou agências estaduais de fomento que operacionalizam os empréstimos.
Juros menores
Outra hipótese para a renegociação permitida pela MP é quando houver a transferência a terceiros do empreendimento financiado ou da obrigação de pagar a dívida ou quando ocorrer alteração do controle societário direto ou indireto da empresa mutuária.
Para aquele que assumir a dívida, a vantagem será renegociá-la pelos juros usados atualmente para contratar novas operações, mais baixos que os juros das dívidas antigas.
Quando ocorrer a transferência do empreendimento para empresa cuja principal atividade econômica seja passível de financiamento pelo fundo, os juros serão aqueles da linha de financiamento vigente para essa atividade, segundo o porte do novo titular no momento da renegociação.
Se não ocorrer transferência do negócio ou se o novo titular não exercer atividade passível de financiamento pelo fundo, os juros serão da linha de crédito que financie itens semelhantes aos financiados originalmente pela operação renegociada, considerando-se a atividade econômica e o porte do devedor original no momento da contratação do crédito renegociado.
Idoneidade
O banco administrador deverá analisar a idoneidade financeira e a capacidade de pagamento de quem assumir a dívida ou o empreendimento financiado, assim como outros critérios previstos em práticas e regulamentações bancárias.
Cobrança judicial
Segundo o texto, a partir do protocolo de pedido de renegociação, serão suspensos os prazos de prescrição das dívidas objeto de renegociação e sua cobrança judicial.
Por outro lado, aquelas que podem ser renegociadas mas não foram poderão ser cedidas pelo banco administrador para empresas especializadas em cobrança, com divisão do valor recuperado entre o banco e o fundo.
Troca de juros
Por uma única vez, até 31 de dezembro de 2022, o texto aprovado permite aos bancos administradores dos fundos trocarem, a pedido dos beneficiários, os juros originais das operações pelos vigentes atualmente, que são menores.
Isso valerá para as operações contratadas até 31 de dezembro de 2018, e o juro novo correrá a partir da assinatura do aditivo.
Agricultores familiares
O texto concede a suspensão do pagamento das parcelas devidas ou a vencer no período de janeiro de 2020 a dezembro de 2021 quanto aos empréstimos concedidos a miniprodutores e agricultores familiares prejudicados economicamente pela pandemia de covid-19.
Essas parcelas começarão a ser pagas depois de um ano da última prestação normal do financiamento feito com recursos do FNO, FNE ou FCO. Poderão contar com a suspensão aqueles com as prestações em dia em dezembro de 2019. Além disso, ficam mantidos os bônus por pagamento em dia, descontos e outros benefícios originalmente previstos.
No caso dos demais créditos, poderão ser suspensos os pagamentos das parcelas devidas no período de janeiro a dezembro de 2021. Nesse caso, a suspensão poderá ser pedida pelos que estavam em dia com as prestações em dezembro de 2020.
Cacau
Condições semelhantes são concedidas para contratos destinados à lavoura cacaueira realizados há pelo menos sete anos, mas para o parcelamento exige-se amortização prévia do saldo devedor atualizado de 1% para agricultores familiares e mini e pequenos produtores rurais; e de 3% para os demais produtores.
As taxas de juros diferenciadas incidentes serão de 0,5% para o grupo Pronaf A e B; de 1% ou 2% para as demais operações pelo Pronaf; e de 3,5% para as demais operações.
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Governo devolve mais de R$ 17,9 milhões a aposentados do Acre com descontos não autorizados do INSS
23.813 segurados acreanos foram ressarcidos; acordo nacional já repassou R$ 2,74 bilhões a 4 milhões de brasileiros. Adesão ainda está aberta e é gratuita

Os depósitos são realizados diretamente na conta onde o beneficiário recebe o benefício previdenciário, corrigidos pela inflação (IPCA) e sem necessidade de processo judicial. Foto: ilustrativa
O Governo Federal já devolveu R$ 17,97 milhões a 23.813 aposentados e pensionistas do Acre que tiveram descontos associativos não autorizados em seus benefícios do INSS. No país, o acordo já beneficiou 4 milhões de brasileiros, com um total de R$ 2,74 bilhõesdevolvidos até esta semana.
O ressarcimento é feito diretamente na conta do beneficiário, com correção pelo IPCA, sem necessidade de processo judicial. Os valores referem-se a descontos realizados entre março de 2020 e março de 2025 por entidades que não comprovaram autorização formal.
Quem pode aderir:
-
Beneficiários que contestaram descontos e não receberam resposta em 15 dias úteis.
-
Quem obteve respostas irregulares, como assinaturas falsas ou gravações de áudio como “comprovação”.
-
Segurados com ações judiciais em andamento (é necessário desistir do processo para entrar no acordo).
O procedimento é gratuito, rápido e totalmente online, sem exigência de envio de documentos. Além do valor descontado, o INSS também pagará honorários advocatícios de 5% em ações individuais que forem encerradas para aderir ao acordo.
O governo reforça que os segurados verifiquem extratos e descontos recorrentes e busquem o ressarcimento caso identifiquem cobranças indevidas. O prazo para adesão segue aberto.
Critérios de elegibilidade
- Descontos indevidos entre março de 2020 e março de 2025
- Contestação sem resposta da entidade em 15 dias úteis
- Respostas irregulares (assinaturas falsificadas, gravações como comprovante)
- Ações judiciais em andamento (necessário desistir para aderir)
Processo de adesão
- Gratuito e rápido
- Sem envio de documentos
- Honorários advocatícios: 5% para ações individuais encerradas
Recomendação oficial
- Verificação: Segurados devem checar origem de descontos recorrentes
O acordo representa esforço do governo para resolver em massa uma questão que sobrecarregava a Justiça com milhares de ações individuais. No Acre, onde a população idosa depende fortemente dos benefícios previdenciários, o ressarcimento traz alívio financeiro significativo para milhares de famílias.
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Construção de casas populares no Acre tem novo atraso e entrega só em janeiro de 2026
Governo rescindiu contratos com empreiteiras por descumprimento de prazos; obras da Cidade do Povo, em Rio Branco, são as mais afetadas

A Sehurb informou que, em razão da necessidade de recontratação das empresas, a entrega das unidades da Cidade do Povo deverá ocorrer apenas na segunda quinzena de janeiro de 2026, sem possibilidade de antecipação. Foto: captada
A entrega de casas populares no Acre sofreu novos atrasos em 2025, e a previsão de conclusão das primeiras unidades, principalmente no bairro Cidade do Povo, em Rio Branco, só deve ocorrer na segunda quinzena de janeiro de 2026. A Secretaria Estadual de Habitação e Urbanismo (Sehurb) atribui o problema ao descumprimento contratual pelas empreiteirasresponsáveis, o que levou à rescisão dos contratos e à abertura de nova licitação.
O atraso acontece mesmo com recursos federais já liberados pelo Ministério das Cidades para a construção de 3.573 unidades habitacionais no estado, pelo Programa Minha Casa, Minha Vida. Além de Rio Branco, o programa prevê moradias em Plácido de Castro (25), Feijó (25) e Tarauacá (50), além de 383 novas casas na Cidade do Povo com recursos do Pró-Moradia.
A Sehurb informou que o pagamento às construtoras foi feito conforme medição da Caixa, descartando atrasos financeiros como causa. Agora, a recontratação das empresas é necessária para garantir qualidade e segurança nas obras.
Enquanto isso, o cadastro de interessados segue aberto pelo Sistema de Habitação (Sishabi), plataforma digital que já registra cerca de 26.716 inscrições só em Rio Branco. A secretaria reforça que as inscrições são apenas online e visam transparência e acesso simplificado aos programas habitacionais.
O Sindicato da Indústria da Construção Civil (Sinduscon) ainda não se posicionou sobre os atrasos. A situação expõe a dificuldade crônica na execução de obras públicas no estado, mesmo com verba federal garantida.

De acordo com a Secretaria Estadual de Habitação e Urbanismo (Sehurb), nenhuma das empresas contratadas conseguiu executar os serviços dentro dos prazos estabelecidos. Foto: captada
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Saúde pública foi tornada refém do uso político de emenda parlamentar
Até 2013, as emendas parlamentares representavam apenas 0,8% do orçamento do Ministério da Saúde. Hoje, esse índice saltou para 12%, um crescimento exponencial que desequilibra o planejamento nacional

Atendimento de paciente com Covid-19: saúde pública dependente de emenda parlamentar. Foto: Ingrid Anne/Semcom
O financiamento do SUS (Sistema Único de Saúde) vive um momento crítico de disputa política e orçamentária e as emendas parlamentares, que foram um mecanismo complementar de investimento, transformaram-se, na última década, em uma fatia gigantesca e decisiva do orçamento da saúde pública no Brasil.
Para avaliar como a dependência de emendas pode impactar no planejamento do SUS, conselheiras e conselheiros nacionais de saúde, juristas, economistas e especialistas se reuniram para o Seminário “Financiamento e impacto das emendas parlamentares no SUS”, realizado no dia 3 de dezembro, em Brasília, pela Comissão Intersetorial de Financiamento e Orçamento (Cofin/CNS).
Os participantes alertaram que a política de financiamento foi descontextualizada do planejamento sanitário, tornando-se refém de uma lógica de austeridade fiscal e de interesses políticos via emendas parlamentares. A discussão, longe de ser apenas contábil, refletiu sobre a disputa entre capital e trabalho em que o subfinanciamento atua como um mecanismo de fragilização do direito à vida.
Lenir Santos, especialista em direito sanitário e integrante da Cofin/CNS recordou que desde o lançamento da Declaração de Alma-Ata, em 1978, e a criação das Ações Integradas de Saúde (AIS), o Brasil luta para consolidar um orçamento condizente para as políticas públicas de saúde.
“A Constituição Federal de 1988 trouxe avanços, mas também frustrações. Originalmente, previa-se que 30% do orçamento da Seguridade Social fosse destinado à saúde, mas, na prática, recursos foram desviados para outras ações, como assistência social e educação, gerando crises de pagamento na rede contratada desde o início do sistema”, relembrou Lenir.

Pacientes em busca de atendimento em hospital de Manaus: longas filas e espera. Foto: Divulgação
Essa fragilidade histórica, segundo o especialista, foi agravada pela própria estrutura tributária brasileira, segundo o economista e consultor do CNS, Francisco Funcia. Ele destacou que a Constituição Federal de 1988, embora tenha descentralizado a execução das políticas públicas, manteve a arrecadação centralizada.
De tudo que se arrecada de impostos no Brasil, 69% são relativos aos tributos federais (ex.: Imposto de Renda), 25% são tributos estaduais (ex.:ICMS) e 6% são tributos municipais (ex.:IPTU). Após as transferências intergovernamentais, chegamos ainda em uma centralização, ou seja, mesmo após a União repassar parte da arrecadação para estados e municípios, 57% da receita disponível ainda está no âmbito da União, 25% nos estados e 18% nos municípios.
Essa disparidade cria uma asfixia financeira nas prefeituras, que dependem visceralmente das transferências constitucionais e voluntárias. Para o economista, é neste vácuo de recursos que as emendas parlamentares ganharam força política: diante da escassez, prefeitos buscam parlamentares para garantir o funcionamento básico de seus sistemas locais, criando uma relação de dependência”, avaliou.
Os dados apresentados durante o Seminário revelam uma mudança drástica na composição do orçamento federal. Até 2013, as emendas parlamentares representavam apenas 0,8% do orçamento do Ministério da Saúde. Hoje, esse índice saltou para 12%, um crescimento exponencial que desequilibra o planejamento nacional.
A análise do período de 2014 a 2022 mostra que o orçamento geral da saúde cresceu 1,7 vezes, enquanto o valor das emendas aumentou 5,7 vezes. Em valores nominais, a execução de emendas no Ministério da Saúde saltou de R$15 bilhões em 2023 para quase R$25 bilhões em 2024, um crescimento de mais de 60% em apenas um ano.
O problema central, contudo, não é apenas o volume de recursos, mas a qualidade do gasto. As emendas parlamentares, especialmente as individuais, muitas vezes não dialogam com os instrumentos de gestão e planejamentos de saúde ou com as pactuações feitas nas Comissões Intergestores Tripartites (CIT), por exemplo. Elas atropelam o planejamento técnico, alocando verbas sem critérios epidemiológicos, o que resulta em ineficiência e desperdício.

Plenário da Câmara: políticos financiam a saúde pública com emendas. Foto: Kayo Magalhães/Agência Câmara
O SUS é desenhado para funcionar com base em planos municipais, estaduais e nacional, com critérios epidemiológicos e de necessidade. As emendas, contudo, muitas vezes ignoram essa lógica. Os recursos fluem para onde há aliados políticos, não necessariamente onde há mais doentes ou carência assistencial; os equipamentos são comprados sem previsão de equipe para operá-los, ou unidades são reformadas em locais sem prioridade sanitária. Dessa forma, o poder de decisão sobre onde investir sai do Ministério da Saúde (Executivo) e migra para o Congresso (Legislativo).
Além disso, a lógica da austeridade fiscal, consolidada pela Emenda Constitucional 95 (Teto de Gastos), retirou cerca de R$ 70 bilhões do SUS entre 2018 e 2022, transformando o piso constitucional da saúde em um teto de despesas e forçando uma competição predatória por recursos dentro do orçamento público. A nova realidade orçamentária trouxe também complexos desafios jurídicos. A Lei Complementar nº 141 foi um marco ao determinar critérios de rateio e fiscalização, mas a profusão de novas regras e emendas impositivas gerou um emaranhado legal.
A juíza Amanda Costa, auxiliar no Supremo Tribunal Federal (STF) do Ministro Flávio Dino, explica que o cenário atual exigiu a intervenção da corte através da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 854. “O Judiciário passou a tratar a questão como um “processo estrutural”, reconhecendo que o ajuste do sistema exige medidas graduais e testadas para garantir transparência e rastreabilidade do dinheiro público”, defendeu.
Ainda no conjunto de avanços de medidas estruturais previstas na ADPF 854, todas as transferências decorrentes de emendas de qualquer modalidade na área da saúde são acompanhadas previamente de um atestado de conformidade a ser dado pelo gestor federal do SUS. “Essa preocupação com a eficiência do gasto público, passa a constar expressamente em decisões do colegiado”, explica a juíza.
Mudança de Perfil
Um outro ponto de tensão recente entre os poderes envolve a destinação final das emendas, especialmente quando elas são usadas em pagamento de pessoal, por exemplo. Dácio Guedes, diretor do Fundo Nacional de Saúde (FNS) explica que uma mudança drástica ocorreu na destinação desse dinheiro. “Historicamente, emendas eram usadas para investimento (construção de unidades, compra de equipamentos). Hoje, cerca de 90% desses recursos são destinados a custeio (pagamento de despesas correntes), muitas vezes sem critérios técnicos claros”, afirma.
Historicamente, e por vedação constitucional, as emendas não poderiam ser usadas para despesas de custos recorrentes e pagamento de pessoal, pois estas configuram gastos contínuos incompatíveis com transferências pontuais. No entanto, o Tribunal de Contas da União (TCU) reformou recentemente seu entendimento, permitindo, com base em alteração em uma resolução do Congresso Nacional, que emendas coletivas (de bancada e comissão) financiem folhas de pagamento na saúde. Essa flexibilização preocupa especialistas, pois pode comprometer a sustentabilidade fiscal dos municípios a longo prazo, além de ferir a lógica de que emendas deveriam ter caráter estruturante.

Dinheiro de emendas é usado para pagar médicos, o que contraria finalidade do recurso político. Foto: Marcelo Camargo/ Agência Brasil
Mas segundo Dácio, existe uma janela de oportunidade para os gestores e conselheiros de saúde que zelam pela correta aplicação e precisam analisar e validar os relatórios anuais de gestão. A exigência de contas bancárias específicas para cada emenda e a auditoria determinada pelo DenaSUS (Departamento Nacional de Auditoria do Sistema Único de Saúde) sobre recursos sem identificação são passos importantes para recuperar o controle sobre o destino das verbas. O diretor do FNS lembra que gestores e conselheiros têm o dever de analisar e validar os relatórios anuais de gestão, garantindo que o dinheiro que chega via emendas seja aplicado corretamente.
O momento exige vigilância constante, pois, como destacou o assessor parlamentar Flávio Tonelli, é preciso debater o que foi naturalizado na política brasileira, mas que não é natural: a captura do orçamento público por interesses que não o bem comum. “A defesa do SUS passa, obrigatoriamente, por desatar o nó que transformou o financiamento da saúde em moeda de troca política”, destacou.
Para além das cifras e leis, o debate sobre o financiamento do SUS é, essencialmente, político e social. Maicon Nunes, conselheiro nacional de saúde representante do Movimento Negro Unificado (MNU), reforça que o desfinanciamento não é um descuido, mas um projeto político que atinge desproporcionalmente a população negra, que compõe a maioria dos usuários do sistema público. “Congelar investimentos em saúde significa, na prática, congelar o investimento na vida dessas pessoas”, declarou.
Ronald dos Santos, ex-presidente do Conselho Nacional de Saúde alertou que não se pode desvincular a luta pelo orçamento da disputa histórica entre capital e trabalho no Brasil. “O Conselho Nacional de Saúde tem se posicionado como uma trincheira de resistência contra esse desmonte, atuando não apenas no controle social, mas como um agente político na defesa da democracia”, defendeu.
A narrativa de que o SUS é ineficiente serve aos interesses de mercantilização da saúde, abrindo portas para a privatização e para a atuação predatória do mercado. O desafio para os próximos anos, conforme apontado por outros participantes do Seminário, é mobilizar a sociedade para a 18ª Conferência Nacional de Saúde e pautar um financiamento justo, que não seja corroído pelos juros da dívida pública ou pelas restrições do novo arcabouço fiscal.

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