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Debatedores defendem extinção dos chamados ‘terrenos de marinha’

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Augusto Castro

O chamado ‘terreno de marinha’ é um instituto que só existe no Brasil e gera aos cofres públicos mais de R$ 200 milhões anuais, cobrados de mais de 400 mil pessoas físicas e jurídicas que ocupam áreas litorâneas. Existente desde 1946, esse instrumento seria anacrônico e injusto atualmente, o que justificaria sua imediata extinção. Esses foram alguns dos argumentos apresentados durante a tarde desta quinta-feira (4) em audiência pública na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ).

vice-presidente da CCJ, senador Anibal Diniz (PT-AC)

vice-presidente da CCJ, senador Anibal Diniz (PT-AC)

A audiência foi requerida pelo senador Ricardo Ferraço (PMDB-ES), relator das propostas de emenda à Constituição que tratam do tema e tramitam em conjunto (PECs 53/2007 e 56/2009). O senador informou que está prestes a apresentar um substitutivo às propostas, com o objetivo de aperfeiçoar o instrumento, levando em conta as sugestões e críticas das diversas partes envolvidas. A reunião foi conduzida pelo vice-presidente da CCJ, senador Anibal Diniz (PT-AC).

São considerados terrenos de marinha toda a faixa distante 33 metros da água do mar, de acordo com medidas das médias das marés realizadas em 1831. Em algumas cidades brasileiras, ruas inteiras se encontram em áreas que foram aterradas e, assim, são terrenos de marinha e seus ocupantes são obrigados a pagar as taxas anuais e, nas vendas, desembolsam laudêmio de 5% sobre o valor do negócio. O pagamento é feito à Secretaria do Patrimônio da União (SPU).

Em 1998, a Lei 9.636 determinou um amplo recadastramento dos terrenos de marinha, quando pessoas que nunca haviam pagado taxas passaram a receber da SPU cobranças de foros anuais retroativas a dez anos anteriores. No recadastramento, a União atualizou os valores dos imóveis, o que gerou taxas mais elevadas e mobilizou populações contra a legislação. Há taxas também sobre uso, ocupação ou foro.

O vice-prefeito de Aracaju (SE), José Carlos Machado, disse que milhares de sergipanos são prejudicados pela legislação do terreno de marinha, em virtude de o estado ter um litoral bastante recortado e inúmeros lagos e lagoas. Ele informou que a prefeitura recorreu à Justiça contra o reajuste excessivo das taxas cobradas pela União por uso ou ocupação dessas terras e a causa foi ganha. Para ele, a única solução para o problema é acabar com os terrenos de marinha, pois transferir sua propriedade para a União ou para os municípios não resolveria a questão.

– Esse instituto só existe no Brasil – afirmou Machado.

O vice-presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (Cbic), Sebastião Constantino Dadalto, foi breve e afirmou já ter passado da hora de o Brasil resolver essa questão que, conforme disse, é um problema que atinge todo o país.

– A sociedade brasileira não aguenta mais esse instituto – afirmou Dadalto.

Já o especialista no tema e doutor em Engenharia, Obede Pereira Lima, discorreu detalhadamente sobre a história dos terrenos de marinha e explicou como deveria ser o cálculo correto para determinar que áreas caberiam dentro dessa classificação. Ele disse ter conseguido calcular de maneira exata a linha preamar média de 1831 em determinados trechos do litoral brasileiro e disse que sua metodologia pode ser usada em qualquer outra área.

Obede Lima afirmou que, devido ao aumento do nível do mar desde 1831, atualmente os terrenos de marinha, se calculados de acordo com o que manda a lei, estariam em sua maioria (95% deles) ou embaixo d’água ou em áreas de faixas de areia de praias que, de acordo com a Constituição, são de uso comum, público e coletivo do povo brasileiro, não podendo ser objeto de cobrança de taxas por parte da União.

Ele acusou a SPU de demarcar os terrenos de marinha sem usar cálculos científicos, de maneira presumida. De acordo com Obede, em algumas partes do litoral brasileiro, a SPU avançou mais de 700 metros além do que seria o correto se utilizadas fórmulas matemáticas para o cálculo.

– As demarcações da SPU são atos jurídicos imperfeitos, inacabados, impróprios e ilegais. A lei não diz que são 33 metros? – questionou Obede ao exemplificar que praticamente toda a área urbana da capital de Sergipe, Aracaju, encontra-se em terreno de marinha de acordo com a União.

Segundo afirmou o engenheiro, as normas e regulamentos da SPU que regem essas demarcações estão “completamente errados” e usam cálculos presumidos, fictícios e inadequados. Na opinião de Obede, todas essas normas e todas as leis que tratam do tema devem ser revogadas.

O procurador do Ministério Público Federal no estado do Espírito Santo, Carlos Fernando Mazzoco, também criticou os terrenos de marinha. De acordo com ele, a União tem conduta omissa e abusiva no trato com os ocupantes dessas áreas. Ele criticou o fato de a SPU cobrar o laudêmio não só sobre o valor do terreno, mas também sobre o valor das benfeitorias existentes no local, construídas pelos ocupantes. O laudênio é um pagamento de 5% que o foreiro faz à União pela transferência dos terrenos de marinha.

Por sua vez, a secretária de Patrimônio da União do Ministério do Planejamento, Cassandra Maroni Nunes, defendeu a existência dos terrenos de marinha pela sua importância arrecadatória, de preservação do meio ambiente e pela defesa nacional. Entretanto, reconheceu que as regras que regem seu funcionamento necessitam ser aperfeiçoadas. Dos 400 mil ocupantes dessas áreas, 20 mil já se encontram dentro dos pré-requisitos de isenção.

A representante da SPU disse que 40,8% dos ocupantes pagam apenas R$ 100 anuais e outros 36% pagam até R$ 500 por ano. Ela informou que o ministério já enviou à Casa Civil da Presidência da República proposta de alterações, que incluiriam alíquotas mais justas, fim de pagamentos retroativos, mudanças na fórmula de cálculo do laudênio, parcelamento de débitos em 60 vezes, extinção de dívidas de até R$ 10 mil.

A senadora Ana Rita (PT-ES) disse ser necessário adequar a legislação vigente para a realidade do Brasil de hoje, mas não concordou com a extinção pura e simples dos terrenos de marinha. A senadora demonstrou otimismo com as propostas apresentadas pela representante do governo.

Agência Senado

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Caso Master: sigilo alimenta especulação sobre envolvidos, diz especialista

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Em entrevista ao CNN Prime Time, Cristiano Noronha detalha que o tema já está sendo politizado no âmbito local em Brasília

• Imagem gerada por IA

O caso do Banco Master, que teve sua liquidação extrajudicial decretada pelo BC (Banco Central), entrou no debate político brasileiro e está sendo explorado por diferentes campos ideológicos.

Em entrevista ao Agora CNN, o cientista político Cristiano Noronha, vice-presidente da Arko Advice, avalia que o sigilo imposto ao caso pelo ministro Dias Toffoli, do STF (Supremo Tribunal Federal), e a acareação por ele imposta alimentam especulações sobre quem poderia estar envolvido.

“Essa questão da determinação do sigilo, essa decisão de investigar, fazer essa acareação que foi decidida à revelia do que defendia a Polícia Federal, tudo isso acaba alimentando muito essas especulações de quem efetivamente estaria envolvido”, explica.

O especialista também comenta sobre a politização do tema: “O assunto já está sendo politizado no âmbito local em Brasília, porque a gente viu também personalidades políticas defendendo a compra do Banco Master pelo BRB, que é um banco público”, detalha.

Noronha destaca que a revelação do contrato que o escritório de advocacia de Viviane Barci de Moraes, esposa de Alexandre de Moraes, mantinha com o Banco Master serve como munição para a oposição e relembra os diversos pedidos de impeachment do ministro.

Distância estratégica do governo

Questionado sobre a postura do governo de evitar o confronto direto e manter o discurso de autonomia do Banco Central, o vice-presidente da Arko Advice avalia que essa é uma estratégia acertada.

“Faz todo sentido o governo fazer isso, primeiro porque se distancia do problema, insiste em uma decisão absolutamente técnica que o Banco Central tomou e eventualmente não politiza ainda mais esse assunto.”

Com esse distanciamento, Noronha explica que o governo evita ser acusado pela oposição de tentar blindar atores importantes caso venha à tona o envolvimento de figuras relevantes do cenário político e jurídico.

Fonte: CNN

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Brasil

Zelensky quer mais do que os 15 anos de segurança oferecidos por Trump

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Zelesnky afirmou, nesta segunda-feira (29), ter pedido aos Estados Unidos garantias de segurança “sólidas” contra a Rússia

Após a reunião deste domingo (28/12) entre o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, e Donald Trump, nos EUA, a questão territorial continua sendo um dos principais pontos de bloqueio para a obtenção de um consenso.

A Rússia segue exigindo concessões da Ucrânia e a incorporação de Donbass, no leste. Zelesnky afirmou, nesta segunda-feira (29), ter pedido aos Estados Unidos garantias de segurança “sólidas”, com prazos mais longos do que 15 anos contra os russos.

Apesar dos pontos de atrito que parecem inviabilizar um compromisso duradouro a curto prazo, o presidente americano Donald Trump disse neste domingo estar “muito próximo” de um acordo de paz com a Ucrânia, após um encontro com o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky em sua residência em Mar-a-Lago, em Palm Beach, na Flórida.

Embora Trump demonstre otimismo, nenhum prazo foi estipulado para colocar em prática os pontos citados no plano de paz anunciado pelos EUA em 28 de novembro e modificado diversas vezes. Na conversa com jornalistas após a reunião, que teve a participação, por telefone, de líderes europeus, Trump e Zelensky admitiram que ainda há várias divergências pendentes entre russos e ucranianos — principalmente em relação às questões territoriais.

A principal dificuldade envolve o Donbass, formado pelas regiões de Donetsk e Lugansk, que continua sem solução. A área é reivindicada pelo presidente russo Vladimir Putin, que alega laços históricos e herança soviética. Mas, de acordo com a Constituição ucraniana, o território pertence à Ucrânia.

Antes da reunião, Zelensky esperava convencer o presidente americano a flexibilizar uma das principais propostas do plano de paz, que inclui a retirada completa das tropas ucranianas da região de Donbass, o que significaria ceder a Moscou áreas ainda controladas por Kiev.

Desde o início da guerra, em fevereiro de 2022, a Rússia tomou cerca de 12% do território ucraniano, após ter anexado a península da Crimeia em 2014. Trump e Zelensky admitiram neste domingo que o futuro do Donbass ainda é incerto. “Não está resolvido, mas estamos chegando perto”, disse Trump. “É uma questão muito difícil”, acrescentou, após afirmar que restam “um ou dois pontos delicados”.

Os Estados Unidos propuseram criar uma zona econômica franca caso a Ucrânia deixasse a região, mas seu funcionamento, na prática, não foi esclarecido. Apesar das dificuldades, “o desfecho das negociações entre a Rússia e a Ucrânia deve ocorrer nas próximas semanas”, afirmou o presidente americano, que também conversou por telefone com Vladimir Putin antes de receber Zelensky e disse que voltará a ligar para o presidente russo.

Garantias de segurança

Em uma mensagem publicada nas redes sociais, Zelensky disse que houve “progressos significativos” nas últimas semanas nas discussões conduzidas por equipes americanas e ucranianas. Segundo ele, os encontros definiram quais seriam as próximas etapas que viabilizariam o plano de 20 pontos, proposto por Trump.

Zelensky afirma que obteve um acordo sobre as garantias de segurança que seriam oferecidas à Ucrânia, mas Trump disse que a questão está resolvida em “95%” e espera que os europeus assumam “grande parte” dessas garantias, com apoio dos Estados Unidos.

Nesta segunda-feira, o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky disse que os Estados Unidos propuseram à Ucrânia garantias de segurança “sólidas” por um período de 15 anos que pode ser prorrogado. Ele disse que pediu a Washington um prazo maior durante sua reunião no domingo com Donald Trump.

“Eu realmente queria que essas garantias fossem mais longas e que consideramos a possibilidade de 30, 40, 50 anos”, afirmou Zelensky em uma coletiva de imprensa online. Segundo ele, o presidente americano vai analisar essa possibilidade. Ele também disse que terá uma nova reunião na Ucrânia “nos próximos dias” com líderes americanos e europeus.

Após a reunião entre Trump e Zelensky, o presidente francês, Emmanuel Macron, reconheceu no X avanços nas garantias de segurança e anunciou uma reunião da “coalizão dos voluntários” no início de janeiro, em Paris, “para finalizar as contribuições concretas de cada um”.

Zelensky e Trump também não deram detalhes sobre os acordos que envolvem a segurança da Ucrânia após o fim do conflito. Nesta segunda, o presidente ucraniano afirmou que só suspenderá a lei marcial, que proíbe, principalmente, que homens ucranianos elegíveis para o serviço militar deixem o país, após o fim da guerra com a Rússia e a obtenção de garantias de segurança.

Moscou insiste que qualquer envio de tropas estrangeiras para a Ucrânia seria inaceitável. De acordo com o líder ucraniano, qualquer acordo de paz deverá ser aprovado pelo Parlamento do país ou por referendo, e Trump disse estar disposto a se dirigir ao Parlamento em Kiev.

Zelensky anunciou que uma reunião entre representantes ucranianos e americanos ocorrerá na próxima semana, além de outro encontro em janeiro, em Washington, com Trump e líderes europeus. A reunião entre Trump e o presidente ucraniano ocorreu após várias semanas de esforços diplomáticos, especialmente por parte dos europeus, às vezes excluídos do processo liderado por Washington.

A Europa busca garantias de segurança para Kiev que tenham o apoio dos Estados Unidos. “A Europa está pronta para continuar sua colaboração com a Ucrânia e seus parceiros americanos a fim de consolidar os progressos rumo a um acordo de paz”, declarou na noite de domingo para segunda a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen.

Conversa com Putin

Pouco antes da chegada da delegação ucraniana à Flórida, Trump conversou por telefone com o presidente russo Vladimir Putin. O chefe de Estado americano descreveu a conversa como “muito produtiva”, e um conselheiro do Kremlin afirmou que o tom entre os dois líderes foi “cordial”. A discussão durou uma hora e quinze minutos.

Durante a ligação, Putin disse que a proposta de uma trégua de 60 dias, formulada pela Ucrânia e pela União Europeia, apenas prolongaria a guerra, segundo Yuri Uchakov. Kiev precisa tomar rapidamente uma “decisão corajosa” sobre o Donbass, acrescentou o conselheiro de política externa da presidência russa.

Durante o fim de semana, o Exército russo intensificou seus ataques aéreos contra a Ucrânia e atingiu neste domingo a capital e outras regiões do país com centenas de mísseis e drones. O aquecimento e a eletricidade foram cortados em alguns bairros de Kiev.

Zelensky descreveu os ataques russos como uma resposta de Moscou às negociações de paz lideradas por Washington. Trump, no entanto, disse acreditar que Putin é “sincero” em suas intenções de obter a paz.

Novos territórios

Quanto à usina nuclear de Zaporíjia, a maior da Europa, a administração americana propôs que Rússia e Ucrânia compartilhem seu controle.

No local, os trabalhos de reparação das linhas elétricas começaram após um novo cessar-fogo local negociado pela Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), informou a agência neste domingo.

Segundo Trump, os negociadores avançaram nas negociações sobre a usina, que pode “retomar operações quase imediatamente”, disse ele. Putin alertou no sábado que a Rússia continuará sua ofensiva militar na Ucrânia se Kiev não quiser chegar a uma paz rápida. O Exército russo, que avançou nas linhas de frente nos últimos meses, reivindicou neste domingo a tomada de novas regiões ucranianas.

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INSS: empresa que movimentou milhões funcionava em endereço fantasma

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Empresa apontou endereço em condomínio residencial no Jardim Botânico (DF). CNPJ movimentou quase R$ 4 milhões para ONGs investigadas

Uma empresa cujo endereço consta na Receita Federal como sendo no Jardim Botânico, Distrito Federal, movimentou, em apenas dois meses, quase R$ 4 milhões pertencentes a entidades investigadas no caso que ficou conhecido como a Farra do INSS.

A empresa em questão é a Prime Assessoria e Consultoria Financeira LTDA., também registrada como TI Assessoria Financeira. Cadastrada como microempresa – classificação dada a empreendimentos com faturamento anual de até R$ 360 mil, a companhia foi aberta em 2 de janeiro de 2025, no interior de um condomínio.

Metrópoles esteve no endereço e apurou que no local há apenas unidades habitacionais. De acordo com um funcionário do condomínio ouvido pela reportagem, nunca houve registro do empreendimento no residencial – configurando a suspeita de ser uma empresa fantasma.

Segundo o trabalhador, na casa apontada como sendo a sede da empresa mora um homem cujo nome não é mencionado em qualquer documento oficial da TI Assessoria. O portal tentou contato com o morador, mas não obteve sucesso.

Segundo o relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) enviado à CPMI do INSS, o dinheiro movimentado pela empresa é proveniente de depósitos e retiradas feitos pela Associação dos Aposentados do Brasil (AAB) e da Federação dos Agricultores Familiares e Empreendedores Rurais do Centro Sul e Sudeste, ligada a Conafer.

Tanto a AAB quanto a Conafer são investigadas por aplicar descontos ilegais nas aposentadorias e pensões do INSS.

Rendimento incompatível

Conforme os dados, a TI Assessoria recebeu, em dois meses, recursos de forma concentrada das associações investigadas e distribuiu esses valores para mais de 500 contrapartes. Do montante total movimentado na conta da empresa, R$ 1,97 milhão se refere a créditos e R$ 1,95 milhão, a débitos.

A movimentação milionária do empreendimento chamou atenção do sistema de monitoramento de Prevenção à Lavagem de Dinheiro (PLD), que classificou o rendimento da TI Assessoria como “incompatível” com “seu perfil, tempo de existência e porte”.

Segundo o sistema PLD, “não foram identificadas informações que explicassem a movimentação” dos valores da TI Assessoria Financeira. Além disso, na conta da empresa, “não houve manutenção de saldo em conta” devido a “rápida evasão dos recursos”. Após o fluxo milionário, o CNPJ foi encerrado em 5 de maio, quatro meses após ser aberto.

A reportagem apurou que uma das sócias da empresa é Thamyrez Maia de Oliveira, diretora financeira da Conafer. A mulher, segundo um depoimento concedido pelo presidente da associação, Carlos Roberto Ferreira Lopes, à CPMI do INSS, é esposa do presidente do Instituto Terra e Trabalho (ITT) Vinícius Ramos da Cruz – um dos presos no esquema de descontos ilegais. Vinícius é cunhado de Lopes.

Ainda conforme revelado por Lopes à CPMI, o instituto atua como “braço de execução” de várias entidades, incluindo a Conafer.

Sede no mesmo endereço

A Confederação Nacional dos Agricultores Familiares (Conafer) e a Associação dos Aposentados do Brasil (AAB) têm como sede o mesmo prédio empresarial, localizado no Setor Comercial Sul de Brasília, no Distrito Federal.

As informações, que divergem apenas no número da sala, constam no Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica das instituições e foram concedidas à União no momento da criação das empresas. Os CNPJs, inclusive, permanecem ativos, com os mesmos dados, perante a Receita Federal.

Tanto a Conafer quanto a AAB aparecem na lista de Processos Administrativos de Responsabilização (PAR) instaurados pela Controladoria-Geral em setembro deste ano.

A Conafer, por exemplo, teria desviado ao menos R$ 640 milhões de aposentadorias associadas à instituição. Em 17 de novembro, a Polícia Federal cumpriu mandado de prisão contra dirigentes da associação. O presidente, Carlos Roberto Ferreira Lopes, não foi localizado. Ele é apontado como chefe do esquema que contava com núcleos político, financeiro e de comando para cometer as fraudes.

A Associação dos Aposentados do Brasil, por sua vez, também seria responsável por desvios milionários. A AAB, segundo as investigações, teria solicitado descontos em benefícios de pessoas mortas há décadas. Um levantamento feito pela CGU identificou que a instituição solicitou indevidamente, em mais de 27 mil casos, a inclusão de descontos associativos de pessoas já falecidas.

Devido aos fatos, a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do INSS, que apura as fraudes, aprovou requerimento para convocar Dogival José dos Santos, presidente da AAB, para prestar depoimento no Senado Federal. Em 6 de novembro, parlamentares pediram quebra de sigilo bancário e fiscal do dirigente da instituição.

Donos de igrejas no DF

Metrópoles apurou que, antes de comandar a associação, Dogival era motorista. Ele e Lucineide dos Santos Oliveira (outra sócia da AAB) são donos de igrejas evangélicas localizadas na capital da República.

Uma dessas igrejas, em nome da mulher, fica na região do Recanto das Emas (DF). Estranhamente, no mesmo endereço da instituição religiosa, está cadastrada uma empresa pertencente a Samuel Chrisostomo do Bomfim Junior, contador da Conafer.

Metrópoles esteve no local e encontrou apenas a instituição religiosa, erguida entre um centro catequético e um terreno baldio. Apesar disso, segundo dados da Receita Federal, a loja de Samuel está ativa no espaço, o que conduz à suspeita de ser uma empresa fantasma.

Reprodução/ Google Maps

Outros CNPJs distintos em nome de Samuel e de Lucineide operam em um sobrado na mesma região administrativa. Além dos empreendimentos da dupla, funcionam no endereço empresas pertencentes a Cícero Marcelino de Souza Santos, assessor do presidente da Conafer.

Cícero – que chegou a afirmar, durante a CPMI, que lucrava “uns trocos” com o dinheiro que deveria ser destinado aos beneficiários do INSS – foi preso em 17 de novembro, durante operação da PF.

Em 16 de outubro, durante depoimento, Cícero admitiu que abriu empresas para prestar serviços a pedido de Carlos Lopes. Ele disse que recebia planilhas de pagamentos para as entidades da Conafer e, posteriormente, fazia o repasse. Pontuou ainda que não conhece Samuel Chrisostomo, apesar de ter CNPJ de instituição sediada no mesmo local de empresas do homem.

Santos também negou saber de onde vinham os recursos recebidos pela Conafer. Ele e a esposa, no entanto, teriam movimentado R$ 300 milhões da instituição desde 2019.

Durante a CPMI, as empresas de Cícero foram apontadas como empreendimentos de natureza laranja. “A única coisa que estou vendo aqui nesta CPMI é que as pessoas que os sindicatos ajudam são os próprios dirigentes e seus familiares, as empresas dos dirigentes, dos familiares, ou dos laranjas e familiares dos laranjas. E você é um laranja, suas empresas são empresas laranjas”, disse a deputada Adriana Ventura (Novo-SP).

Operação

A Polícia Federal (PF) e a Controladoria-Geral da União (CGU) deflagraram, em 13 de novembro, nova fase da Operação Sem Desconto, investigação que mira esquema nacional de descontos associativos não autorizados em aposentadorias e pensões. A ação mobilizou equipes em 17 estados e no Distrito Federal.

Ao todo, foram cumpridos 63 mandados de busca e apreensão, 10 mandados de prisão preventiva e diversas medidas cautelares. Entre os presos estão:

  • Alessandro Stefanutto – ex-presidente do INSS;
  • Antônio Carlos Antunes Camilo, conhecido como Careca do INSS;
  • Vinícius Ramos da Cruz – presidente do Instituto Terra e Trabalho (ITT);
  • Tiago Abraão Ferreira Lopes – diretor da Conafer e irmão do presidente da entidade, Carlos Lopes;
  • Cícero Marcelino de Souza Santos – empresário ligado à Conafer; e
  • Samuel Chrisostomo do Bonfim Júnior – também integrante da Conafer.

Os alvos estão espalhados por Espírito Santo, Goiás, Maranhão, Minas Gerais, Paraíba, Paraná, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, São Paulo, Sergipe, Tocantins e Distrito Federal.

Como o esquema funcionava

Segundo as investigações, os suspeitos atuavam inserindo dados falsos em sistemas oficiais para incluir beneficiários em associações ou entidades fictícias. A partir disso, eram feitos descontos mensais indevidos diretamente nos pagamentos de aposentados e pensionistas, muitos deles sem qualquer conhecimento sobre as cobranças.

Os alvos são investigados por formar organização criminosa voltada à obtenção de vantagens financeiras por meio de estelionato previdenciário, além de corrupção ativa e passiva para facilitar o acesso fraudulento aos sistemas do INSS.

Também há apurações sobre ocultação de patrimônio, supostamente utilizado para dificultar o rastreamento dos valores desviados

O outro lado

Metrópoles tentou contatar as pessoas envolvidas nessa reportagem tanto por e-mail quanto por telefone, mas não obteve retorno. O espaço segue aberto para futuras manifestações.

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