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Quem escreveu a Bíblia? Um historiador analisa quatro teorias

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Professor de História do Pensamento Religioso discute perspectivas sobre a autoria e a inspiração do conjunto dos textos sagrados que foram o Antigo e o Novo Testamento.

Uma Bíblia em latim é disposta na Abadia de Malmesbury, na Inglaterra. Foto: Wikemedia/Domínio Público

Por Philip Almond – the Conversation Brasil

Professor de História do Pensamento Religioso discute perspectivas sobre a autoria e a inspiração do conjunto dos textos sagrados que foram o Antigo e o Novo Testamento.

A Bíblia conta uma história geral sobre a história do mundo: criação, queda, redenção e o Juízo Final de Deus sobre os vivos e os mortos.

O Antigo Testamento (que data de 300 a.C.) começa com a criação do mundo e de Adão e Eva, sua desobediência a Deus e sua expulsão do jardim do Éden.

O Novo Testamento relata a redenção da humanidade, realizada pela vida, morte e ressurreição de Jesus. Ele termina no livro do Apocalipse, com o fim da história e o Juízo Final de Deus.

Durante os primeiros 400 anos do cristianismo, a igreja demorou a decidir sobre o Novo Testamento. Finalmente, em 367 d.C., as autoridades confirmaram os 27 livros que o compõem.

Mas quem escreveu a Bíblia?

Em linhas gerais, há quatro teorias diferentes.

1. Deus escreveu a Bíblia:

Todos os cristãos concordam que a Bíblia tem autoridade. Muitos a veem como a palavra de Deus divinamente revelada. Mas há discordâncias significativas sobre o que isso significa.

Em sua forma mais extrema, isso significa que as próprias palavras são divinamente inspiradas – Deus ditou a Bíblia aos seus escritores, que eram meramente músicos de Deus tocando uma composição divina.

Já no século II, o filósofo cristão Justino Mártir via isso como necessário apenas para os homens santos submeterem suas pessoas purificadas à direção do Espírito Santo, para que esse plectro divino do céu, por assim dizer, usando-os como uma harpa ou lira, pudesse nos revelar verdades divinas e celestiais.

Em outras palavras, Deus ditou as palavras aos secretários bíblicos, que escreveram tudo com exatidão.

Essa visão continuou com a igreja católica medieval. O teólogo católico Tomás de Aquino simplificou a questão no século XIII: “o autor da Sagrada Escritura é Deus”. Ele qualificou isso dizendo que cada palavra da Sagrada Escritura poderia ter vários sentidos – em outras palavras, poderia ser interpretada de várias maneiras.

O movimento de reforma religiosa conhecido como Protestantismo varreu a Europa nos anos 1500. Um novo grupo de igrejas se formou ao lado das tradições católicas e ortodoxas orientais existentes no cristianismo.

Os protestantes enfatizavam a autoridade de “somente as escrituras” (“sola scriptura”), o que significa que o texto da Bíblia era a autoridade suprema sobre a igreja. Isso deu maior ênfase às escrituras e a ideia de “ditado divino” ganhou mais apoio.

Assim, por exemplo, o reformador protestante João Calvino declarou:

[nós] estamos plenamente convencidos de que os profetas não falaram por sugestão própria, mas que, sendo órgãos do Espírito Santo, eles apenas proferiram o que haviam sido comissio

O “ditado divino” estava ligado à ideia de que a Bíblia não continha erros (inerrante), porque as palavras foram ditadas por Deus.

Em geral, durante os primeiros 1.700 anos da história cristã, isso foi assumido, se não defendido. Porém, a partir do século 18, tanto a história quanto a ciência começaram a lançar dúvidas sobre a veracidade da Bíblia. E o que antes era tido como fato passou a ser tratado como mito e lenda.

A impossibilidade de qualquer tipo de erro nas escrituras tornou-se uma doutrina na vanguarda do movimento do século XX conhecido como fundamentalismo. A Declaração de Chicago sobre a Inerrância Bíblica em 1978 registrou:

Sendo total e verbalmente dada por Deus, a Escritura não contém erros ou falhas em todos os seus ensinamentos, não menos naquilo que ela afirma sobre os atos de Deus na criação, sobre os eventos da história mundial e sobre suas próprias origens literárias sob Deus, do que em seu testemunho da graça salvadora de Deus em vidas individuais.

2. Deus inspirou os escritores (visão conservadora):

Uma alternativa à teoria do ditado divino é a inspiração divina dos escritores. Nesse caso, tanto Deus quanto os seres humanos colaboraram na redação da Bíblia. Portanto, não as palavras, mas os autores foram inspirados por Deus.

Há duas versões dessa teoria, que datam da Reforma. A versão conservadora, preferida pelo protestantismo, era: embora a Bíblia tenha sido escrita por humanos, Deus era uma força dominante na parceria.

Os protestantes acreditavam que a soberania de Deus anulava a liberdade humana. Mas até mesmo os reformadores, Martinho Lutero e João Calvino, reconheceram que a variação nas histórias bíblicas poderia ser atribuída ao arbítrio humano.

Os católicos estavam mais inclinados a reconhecer a liberdade humana acima da soberania divina. Alguns flertavam com a ideia de que a autoria humana estava em jogo, com Deus intervindo apenas para evitar erros.

Por exemplo, em 1625, Jacques Bonfrère disse que o Espírito Santo age: “não ditando ou inspirando, mas como alguém que fica de olho em outro enquanto ele está escrevendo, para evitar que ele cometa erros”.

Obra de 1850 de James Tissot retrata Jesus com 12 anos. Foto: Domínio Público

No início da década de 1620, o arcebispo de Split, Marcantonio de Dominis, foi um pouco mais longe. Ele distinguiu entre as partes da Bíblia reveladas por Deus aos escritores e as que não foram. Ele acreditava que poderiam ocorrer erros nessas últimas.

Seu ponto de vista foi apoiado cerca de 200 anos depois por John Henry Newman, que liderou o movimento de Oxford na Igreja da Inglaterra e mais tarde se tornou cardeal (e depois santo) na Igreja Católica Romana.

Newman argumentou que os livros divinamente inspirados da Bíblia foram intercalados com acréscimos humanos. Em outras palavras, a Bíblia era inspirada em questões de fé e moral – mas não, digamos, em questões de ciência e história. Às vezes, era difícil distinguir essa visão conservadora do “ditado divino”.

3. Deus inspirou os escritores (visão liberal):

Durante o século XIX, tanto nos círculos protestantes quanto nos católicos, a teoria conservadora estava sendo superada por uma visão mais liberal. Os escritores da Bíblia foram inspirados por Deus, mas eles eram “filhos de seu tempo”, e seus escritos foram determinados pelos contextos culturais em que foram escritos.

Essa visão, embora reconhecesse o status especial da Bíblia para os cristãos, permitia erros. Por exemplo, em 1860 o teólogo anglicano Benjamin Jowett declarou: “qualquer doutrina verdadeira de inspiração deve estar em conformidade com todos os fatos bem comprovados da história ou da ciência”.

Para Jowett, defender a verdade da Bíblia contra as descobertas da ciência ou da história era prestar um desserviço à religião. Às vezes, porém, é difícil dizer a diferença entre uma visão liberal da inspiração e o fato de não haver significado algum para “inspiração”.

Em 1868, uma igreja católica conservadora se opôs à visão mais liberal, declarando a autoria direta de Deus sobre a Bíblia. O Concílio da Igreja conhecido como Vaticano 1 declarou que tanto o Antigo quanto o Novo Testamento foram: “escritos sob a inspiração do Espírito Santo, eles têm Deus como seu autor”.

4. Pessoas escreveram a Bíblia, sem ajuda divina:

Nos círculos cristãos mais liberais, no final do século XIX, a noção da Bíblia como “divinamente inspirada” havia perdido qualquer significado.

Os cristãos liberais podiam se juntar a seus colegas seculares e ignorar as questões da precisão ou infalibilidade histórica ou científica da Bíblia. A ideia da Bíblia como uma produção humana era agora aceita. E a questão de quem a escreveu era agora comparável às questões sobre a autoria de qualquer outro texto antigo.

A resposta simples para “quem escreveu a Bíblia?” passou a ser: os autores nomeados na Bíblia (por exemplo, Mateus, Marcos, Lucas e João – os autores dos quatro Evangelhos). Mas a ideia da autoria da Bíblia é complexa e problemática. (Assim como os estudos históricos de textos antigos em geral).

Isso se deve, em parte, ao fato de ser difícil identificar autores específicos.

O conteúdo dos 39 livros do Antigo Testamento é o mesmo dos 24 livros da Bíblia Hebraica. Nos estudos modernos do Antigo Testamento, agora é geralmente aceito que os livros não foram produzidos por um único autor, mas o resultado de histórias longas e mutáveis de transmissão das histórias.

A questão de quem escreveu a Bíblia é importante porque um quarto da população cristã do mundo acredita que a Bíblia não é uma produção meramente humana. Foto: Divulgação

A questão da autoria, portanto, não diz respeito a um escritor individual, mas a vários autores, editores, escribas e redatores – juntamente com várias versões diferentes da Bíblia.

A questão da autoria, portanto, não se refere a um escritor individual, mas a vários autores, editores, escribas e redatores – juntamente com várias versões diferentes dos textos.

O mesmo acontece com o Novo Testamento. Embora 13 cartas sejam atribuídas a São Paulo, há dúvidas sobre a autoria de sete delas (Efésios, Colossenses, 2 Tessalonicenses, 1 Timóteo, 2 Timóteo, Tito e Hebreus). Também há controvérsias sobre a autoria tradicional de várias das cartas restantes. O livro de Apocalipse era tradicionalmente atribuído ao discípulo de Jesus, João. Mas agora é consenso geral que ele não foi seu autor.

Tradicionalmente, acreditava-se que os autores dos quatro Evangelhos eram os apóstolos Mateus e João, Marcos (o companheiro do discípulo de Jesus, Pedro) e Lucas (o companheiro de Paulo, que difundiu o cristianismo no mundo greco-romano no primeiro século). Mas os Evangelhos escritos anonimamente não foram atribuídos a essas figuras até os séculos II e III.

As datas de criação dos Evangelhos também sugerem que eles não foram escritos por testemunhas oculares da vida de Jesus. O primeiro Evangelho, Marcos (65-70 d.C.), foi escrito cerca de 30 anos após a morte de Jesus (de 29 a 34 d.C.). O último Evangelho, João (90-100 d.C.), foi escrito cerca de 60-90 anos após a morte de Jesus.

Está claro que o autor do Evangelho de Marcos se baseou nas tradições que circulavam na igreja primitiva sobre a vida e os ensinamentos de Jesus e as reuniu na forma de uma biografia antiga.

Por sua vez, o Evangelho de Marcos serviu como a principal fonte para os autores de Mateus e Lucas. Cada um desses autores teve acesso a uma fonte comum (conhecida como “Q”) dos ditos de Jesus, juntamente com material exclusivo de cada um deles.

Em resumo, havia muitos autores (desconhecidos) dos Evangelhos.

É interessante notar que outro grupo de textos, conhecido como Apócrifos, foi escrito durante o período entre o Antigo e o Novo Testamento (400 a.C. ao primeiro século d.C.). A Igreja Católica e as tradições cristãs ortodoxas orientais os consideram parte da Bíblia, mas as igrejas protestantes não os consideram autorizados.

Divina ou humana: por que isso importa?

A questão de quem escreveu a Bíblia é importante porque um quarto da população cristã do mundo acredita que a Bíblia não é uma produção meramente humana.

Divinamente inspirada, ela tem um significado transcendente. Como tal, ela fornece aos cristãos uma compreensão definitiva de como o mundo é, o que a história significa e como a vida humana deve ser vivida.

É importante porque a visão de mundo bíblica é a causa oculta (e muitas vezes não tão oculta) das práticas econômicas, sociais e pessoais. Ela continua sendo, como sempre foi, uma das principais fontes de paz e conflito.

Isso também é importante porque a Bíblia continua sendo a coleção de livros mais importante da civilização ocidental. Independentemente de nossas crenças religiosas, ela formou, informou e moldou todos nós – consciente ou inconscientemente, para o bem ou para o mal.

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Pesquisa revela que rios do Acre passaram a ser alternativas do tráfico internacional de drogas

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Juruá e Acre, além de outros 12 rios da Amazônia, passaram a ser utilizados com mais frequência por causa da lei do abate de aeronaves. A ação do tráfico fez explodir a violência na Amazônia, incluindo o Acre

Rio Juruá banha a capital do Juruá, Cruzeiro do Sul. Foto: Reprodução

Tião Maia, ContilNet

O aumento na taxa de homicídios em Cruzeiro do Sul, no Vale do Juruá, o segundo maior município do Estado do Acre, no período de 2005 a 2020, foi como uma explosão em termos de violência: 595% em 15 anos.

A taxa saiu de 4,3, de 1996 a 2004, para 30, no período de 2005 a 2020, o segundo maior índice da região Norte do país. O primeiro ficou com Eirunepé, município do Amazonas, que tem uma população estimada em 33 mil habitantes. Entre 1996 e 2004, a média da taxa de homicídios de pessoas acima de 1 ano era de 3,7 por 100 mil habitantes. Mas, entre 2005 e 2020, esse número explodiu: 34 homicídios a cada 100 mil habitantes – um aumento vertiginoso de 819%.

Além de terem em comum a situação geográfica, Cruzeiro do Sul e Eirunepé, embora estejam em estados diferentes, são banhadas pelo mesmo rio, o Juruá, um dos afluentes do Rio Amazonas. Assim como esses dois, existem outros quatorze rios identificados por pesquisadores brasileiros como os “rios de cocaína”, por servirem de rota para o tráfico que envolve Brasil, Peru, Colômbia e Bolívia. São eles: Abunã, Acre, Amazonas, Caquetá, Envira, Içá, Japurá, Javari, Juruá, Madeira, Mamoré, Negro, Purus, Tarauacá, Uaupés e Xié.

O resultado da pesquisa está publicado na revista Piauí deste mês, com base em estudos sobre Interdição Aérea, Tráfico de Drogas e Violência na Amazônia Brasileira, produzido por pesquisadores do Insper e da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA-USP), com a participação do IZA (Institute of Labor Economics), da Alemanha.

Uma versão resumida em português foi divulgada nesta quinta-feira (30) pelo Amazônia 2030, iniciativa de pesquisadores brasileiros para desenvolver um plano sustentável para a Amazônia.

Cerco ao transporte de droga pelo ar fez aumentar uso dos rios, mostra pesquisa

De acordo com a publicação, a hipótese para o aumento da violência que atinge pequenos municípios na região amazônica banhados por essas águas tem uma explicação: com o cerco aos aviões, intensificou-se o uso de barcos no escoamento da droga.

A mudança no transporte do entorpecente aconteceu depois de 2004, ano em que o governo brasileiro colocou em prática uma política de interdição aérea, aprovada ainda em 1998. Com a nova lei, a Força Aérea Brasileira (FAB) foi autorizada a abater aeronaves suspeitas de transportar drogas vindas dos países vizinhos. Assim, a migração para os rios foi uma estratégia dos criminosos para fugir da fiscalização policial.

O escoamento pela água, um meio de deslocamento mais demorado, exige uma dinâmica própria e influencia as comunidades atingidas, argumentam os estudiosos. Os longos trajetos, por exemplo, levam os criminosos a empregarem diferentes barqueiros, contratarem pessoas para fazer a segurança do carregamento, fornecer equipamentos, estocar a droga, entre outras funções. “Isso acaba trazendo a atividade ilegal para uma proximidade muito maior com a população local”, diz Rodrigo R. Soares, professor titular da cátedra Fundação Lemann no Insper e líder da pesquisa.

Uma versão resumida em português foi divulgada nesta quinta-feira (30) pelo Amazônia 2030, iniciativa de pesquisadores brasileiros para desenvolver um plano sustentável para a Amazônia. Foto: Rio Acre/Assis Brasil

Mudanças na logística fizeram explodir a violência em cidades ribeirinhas

As estimativas do estudo indicam que a mudança na logística para movimentar a droga ocasionou, entre 2005 e 2020, 27% do total de 5.337 mortes em 67 cidades da região Oeste da Amazônia margeadas pelos dezesseis “rios de cocaína”. Elas têm menos de 100 mil habitantes, estão longe das grandes cidades e do cruzamento de rodovias, o que diminui as chances de as mortes estarem relacionadas a disputas fundiárias ou desmatamento ilegal. A prevalência de óbitos acontece entre homens de 20 a 49 anos, por uso de arma de fogo ou faca.

Os estudos mostram que o Brasil possui cerca de 8 mil km de fronteira com três países que concentram o plantio de coca na região, que está dividido da seguinte forma: Colômbia (61%), Peru (26%) e Bolívia (13%), segundo o relatório mundial do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC, na sigla em inglês). Até o começo dos anos 2000, as principais rotas de escoamento passavam pela América Central e Caribe ou iam diretamente para norte-americanos e europeus, onde estão os maiores compradores.

A Amazônia brasileira começou a aparecer nesse mapa em meados dos anos 2000. O Brasil, que até então figurava na décima posição em volume de cocaína apreendida, atualmente é o terceiro colocado, atrás de Estados Unidos e Colômbia, apontam dados da UNODC de 2021. Foi nessa mesma época que o governo brasileiro investiu para aumentar o controle das fronteiras e do espaço aéreo na Amazônia, que abriga a maior floresta tropical do planeta e tem baixa densidade populacional: cerca de 5,6 habitantes por km².

Uma das medidas para inibir o tráfico veio em 2004 com a chamada Lei do Abate. A medida foi sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva após uma longa discussão no Congresso e com as Forças Armadas. A lei sinalizava que o governo estava disposto a “combater, com as armas adequadas, a invasão de nossas fronteiras por quadrilhas internacionais de narcotraficantes”, afirmou o então ministro da Defesa, José Viegas Filho.

Àquela altura, o país montava uma infraestrutura própria para agir nesse campo – havia pouco controle sobre o espaço aéreo da Amazônia, o que facilitava voos carregados de drogas vindos de países andinos. Em 2002, o Sistema de Vigilância da Amazônia e o Sistema de Proteção da Amazônia (Sivam/Sipam) entraram em operação sob a justificativa de aumentar a vigilância e o controle do tráfego aéreo, das fronteiras, monitorar comunicações clandestinas, rotas de tráfico e contrabando, além de identificar pistas escondidas e garimpos ilegais. Anos mais tarde, em 2005, o Quarto Centro Integrado de Defesa Aérea e Controle de Tráfego Aéreo (Cindacta IV) iniciava suas atividades em Manaus.

Assim que a Lei do Abate passou a valer, a FAB diz ter registrado uma redução imediata de 32% no número de voos irregulares. O primeiro relato de interceptação de avião suspeito veio a público em 2009, quando uma aeronave vinda da Bolívia foi alvo de disparos de advertência pelos militares brasileiros após o piloto se negar a obedecer. Depois dos tiros, o avião, que carregava 176 kg de pasta base de cocaína, pousou numa estrada de terra em Rondônia.

O estudo liga a interdição aérea ao volume da droga apreendida. Com a migração de parte do comércio ilegal para os rios e estradas, o Brasil dobrou a quantidade de cocaína detida por mar, terra e ar entre 2004 e 2005: foi de 7,7 toneladas para 15,7 toneladas, segundo estatísticas divulgadas pela Organização das Nações Unidas (ONU) à época.

No entanto, a estratégia usada para dificultar o tráfico de drogas pelo ar pode ter estimulado um novo problema. Segundo o estudo dos pesquisadores brasileiros, a geografia da floresta favoreceu a rápida adaptação do narcotráfico. A análise indica que a violência nas cidades ao longo das vias acessadas mudou de padrão depois da Lei do Abate. O estudo também aponta o aumento de mortes por overdose, sinalizando maior presença de drogas em circulação. “Observamos que diversos municípios com zero casos de overdose antes de 2005 passaram a ter episódios esporádicos desde então”, afirmam os pesquisadores, alertando ainda para a provável subnotificação de casos.

Existem quatorze rios identificados por pesquisadores brasileiros como os “rios de cocaína”. Foto: Reprodução

Disputa pelo monopólio do tráfico na região entre facções criminosas

Os pesquisadores alertam que é praticamente impossível enfrentar o problema numa região do tamanho da Amazônia, maior que a União Europeia, apostando só na presença ostensiva da polícia ou das Forças Armadas. “Tem que pensar em algum uso de tecnologia que seja capaz de acompanhar isso e gerar alertas que acionem uma reação”, sugere a pesquisa, citando drones, radares móveis e melhor coordenação entre os órgãos de fiscalização e autoridades dos países vizinhos. Outra ação vital é oferecer às comunidades locais alternativas que gerem renda, preservem a floresta e o modo de vida tradicional, a fim de evitar o envolvimento dos moradores com o narcotráfico e impedir possível “entrincheiramento de algum grupo criminoso ali na região que consiga um monopólio”.

A disputa pelo monopólio do tráfico de drogas na Amazônia sugerida pela pesquisa foi diagnosticada pelo Fórum de Segurança Pública em um relatório de 2022, citado no estudo sobre os “rios de cocaína”. A análise do Fórum abordou o interesse de facções do Sudeste, como o Comando Vermelho, do Rio de Janeiro, e o Primeiro Comando da Capital, o PCC, de São Paulo, pelo controle da região entre 2015 e 2016. O relatório cita ainda que “algumas facções locais compreenderam melhor os mecanismos de funcionamento das redes ilegais através da Amazônia”.

Esse fenômeno suscitou o surgimento de organizações regionais, como a Família do Norte, no Amazonas. Cientes disso, os estudiosos do Insper e da USP compararam os homicídios ocorridos após 2015, tentando identificar algum aumento de óbitos a partir da interferência das facções. Os números mostram que a taxa de mortes se manteve similar durante todo o período a partir de 2004, quando a restrição aérea foi implementada.

Por fim, os pesquisadores ressaltam que, além dos esforços brasileiros para conter o crime organizado, é imprescindível uma cooperação internacional, “principalmente na região andina, para garantir uma abordagem coordenada ao tráfico de cocaína, com maior troca de informações e práticas de segurança transnacional”.

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Com repasses de R$ 32,5 milhões, Acre chegou a 98% de execução de recursos da Lei Paulo Gustavo, diz governo federal

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Rio Branco foi o grande protagonista, com R$ 3,15 milhões aplicados em projetos audiovisuais

Maior parte dos recursos foi destinada a projetos de audiovisual. Foto: Lucas Dutra/FEM

O Acre foi um dos estados que mais se destacou na execução dos recursos da Lei Paulo Gustavo, com mais de 98% do montante recebido sendo investido na cultura local. Ao todo, o estado e seus 22 municípios executaram R$ 32,5 milhões, sendo R$ 23,86 milhões direcionados ao setor audiovisual e R$ 8,68 milhões para diversas outras manifestações culturais, como música, dança, pintura e artes digitais.

Entre os municípios acreanos, Rio Branco foi o grande protagonista, com R$ 3,15 milhões aplicados em projetos audiovisuais e R$ 1,27 milhão em outras áreas culturais. As cidades de Cruzeiro do Sul, Sena Madureira, Tarauacá e Feijó também se destacaram na execução dos recursos, contribuindo para o fortalecimento da cultura no estado.

A Lei Paulo Gustavo, sancionada em 2022, foi criada para apoiar o setor cultural durante a pandemia de Covid-19. Inspirada no legado do humorista Paulo Gustavo, que faleceu em decorrência da doença, a lei destinou recursos a estados, municípios e ao Distrito Federal, com o objetivo de ajudar artistas e produtores culturais a manterem suas atividades durante a crise. Com uma execução recorde, a lei se consolidou como o maior investimento direto na cultura na história do Brasil, promovendo o fortalecimento da economia criativa e a valorização das expressões culturais locais.

A ministra da Cultura, Margareth Menezes, fez questão de ressaltar a importância da Lei Paulo Gustavo para o desenvolvimento cultural e social do Brasil. “A lei é responsável pelo desenvolvimento econômico, social e artístico ao injetar recursos financeiros nos municípios e estados, gerando emprego, renda e dignidade para o nosso povo. A cultura está diariamente na vida dos brasileiros, e por isso leis de incentivo, como a Paulo Gustavo, são fundamentais para fomentar e evidenciar a diversidade da nossa gente e as diferentes formas de se fazer cultura”, afirmou.

Em nível nacional, os recursos da Lei Paulo Gustavo somaram R$ 3,93 bilhões, o maior investimento na história do país para o setor cultural. Com uma execução recorde de 95% dos recursos, a lei se consolidou como um importante pilar de apoio à cultura, especialmente em um momento tão desafiador como a pandemia de Covid-19.

O Acre, ao lado de outros estados que também se destacaram, como o Espírito Santo e o Paraná, é exemplo de como a aplicação desses recursos tem gerado impacto positivo na economia e na vida das pessoas. A execução eficiente no estado mostra como é possível investir em cultura e fortalecer a identidade local, ao mesmo tempo em que se geram novas oportunidades para a população.

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Governo Federal propõe expansão do crédito consignado para trabalhadores do setor privado

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Para viabilizar essa nova modalidade de crédito, o governo deve editar uma Medida Provisória (MP) ainda em fevereiro, embora o prazo exato ainda não tenha sido definido. Existe também a possibilidade de enviar um projeto de lei para o Congresso Nacional

Modalidade oferece juros mais baixos em comparação com outros tipos de crédito, sendo amplamente utilizada por servidores públicos, aposentados e pensionistas do INSS. Foto: internet

O Governo Federal anunciou a criação de uma proposta legislativa que visa expandir o acesso ao crédito consignado para os cerca de 42 milhões de trabalhadores com carteira assinada (CLT) no Brasil, especialmente aqueles com dificuldades de acesso a este tipo de financiamento. A principal novidade da proposta é a criação de uma plataforma que permitirá aos bancos e instituições financeiras consultar diretamente o perfil de crédito dos trabalhadores por meio do eSocial, o sistema eletrônico obrigatório que reúne informações trabalhistas, previdenciárias e fiscais dos empregados de todo o país.

O crédito consignado, uma das modalidades de empréstimo mais populares no Brasil, tem as parcelas descontadas diretamente da folha de pagamento do devedor. Essa modalidade oferece juros mais baixos em comparação com outros tipos de crédito, sendo amplamente utilizada por servidores públicos, aposentados e pensionistas do INSS. Atualmente, a legislação permite que trabalhadores com carteira assinada acessem o crédito consignado, mas a exigência de convênios entre empresas e bancos dificulta a adesão de pequenas e médias empresas, limitando o acesso ao serviço.

O projeto foi discutido em uma reunião com o presidente Lula, os ministros Haddad e Luiz Marinho, além dos presidentes de cinco dos maiores bancos públicos e privados do país, incluindo Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, Bradesco, Itaú e Santander. Durante o encontro, ficou claro que a proposta busca eliminar a necessidade de convênios entre as empresas e os bancos, facilitando a oferta de crédito para trabalhadores de diversos setores, independentemente do porte da empresa em que trabalham.

Para viabilizar essa nova modalidade de crédito, o governo deve editar uma Medida Provisória (MP) ainda em fevereiro, embora o prazo exato ainda não tenha sido definido. Existe também a possibilidade de enviar um projeto de lei para o Congresso Nacional, conforme indicou o ministro do Trabalho, Luiz Marinho.

As regras sobre o limite do crédito consignado, como o teto de 30% da renda mensal do trabalhador comprometida com o empréstimo, deverão permanecer inalteradas. Além disso, os trabalhadores poderão utilizar até 10% do saldo do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) e a multa por demissão sem justa causa para o pagamento das parcelas, caso se desliguem da empresa.

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