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‘Pare de perguntar se a filha é minha porque sou negra e ela é branca’
Quando Ena Miller teve um bebê no ano passado, ela não estava preparada para comentários constantes sobre a aparência de sua filha. E seu caso está longe de ser uma exceção.
Por Ena Miller, BBC
Desde o dia em que nasceu, minha filha Bonnie foi julgada pela cor de sua pele.
Depois de ela passar algumas horas na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) após o parto, finalmente eu pude ficar com meu bebê por alguns momentos.
Mas uma mulher enfiou a cabeça pela porta do quarto do hospital para me perguntar o que eu gostaria de tomar no café da manhã. Antes que eu pudesse responder, ela questionou: “Esse é o seu bebê?”
Eu imaginei que a próxima fala seria um elogio. Algo na linha: “Ele é adorável!” ou “As bochechas são tão rechonchudas!”
Em vez disso, a mulher repetiu: “Esse realmente é seu bebê?”
Seu tom era de surpresa, com uma leve consternação. O uso da palavra “realmente” me preocupou.
“Ela parece tão branca. Olhe para o cabelo, é tão liso. É tão branco…”, continuou a funcionária.
E foi aí que tudo começou: as pessoas que não me conheciam se sentiam à vontade para perguntar se eu era a mãe de Bonnie ou para comentar sobre a cor da pele dela.
Aconteceu no local onde eu acabara de dar à luz. Aconteceria novamente mais tarde, enquanto estivesse fazendo compras, sentada em restaurantes ou visitando amigos.
Eu tenho a pele morena. Meu parceiro é branco. Bonnie é mestiça.
‘Ela é muito branca’
Direto da maternidade, enviei fotos de Bonnie para as pessoas que eu amava e algumas responderam com frases de uma linha, sem nenhum entusiasmo.
Uma pessoa me escreveu: “Ela é muito branca.”
Outra enviou: “Prefiro a foto que ela parece mais africana.”
“Ela está muito pálida, não é?”, perguntou uma terceira.
Teve um contato que sentiu a necessidade de usar caixa alta: “Ela AINDA é branca.”
Vale explicar que um bebê pode nascer com a pele um ou dois tons mais clara e isso se modifica com o passar do tempo.
Essas frases me machucaram.
Bonnie e eu passamos cinco dias sozinhas no hospital. O parto aconteceu durante a primeira onda da covid-19 e as visitas não eram permitidas. Meu parceiro só conseguia nos ver através das chamadas vídeo do WhatsApp, e isso significava que ele tinha muito tempo para pesquisar na internet e se preocupar com os comentários das pessoas.
Será que elas presumiram que eu não era a mãe de Bonnie? Será que minha filha teria que explicar quem eu era o tempo todo? Todos sempre pensariam que eu era a babá?
Eu não estava preparada para lidar com isso.
‘Por que ela é tão branca?’
Cinco semanas depois de deixarmos o hospital, até uma simples caminhada se tornou desagradável. Um homem apareceu gritando agressivamente: “Por que seu bebê é tão branco?”
Ele nos cercou, muito furioso.
“Por que ela é tão branca? Você arranjou um homem branco? É o que acontece quando você fica com um branco! Olhe para ela, olhe para ela, olhe para ela. Por que ela é tão branca?”
Fiquei chocada, assustada e envergonhada. Eu não conseguia entender porque esse homem, que tinha a mesma cor da minha pele, estava se sentindo tão ofendido.
Na verdade, todos os comentários negativos sobre a cor da pele do meu bebê foram feitos por pessoas que possuem a mesma tonalidade da minha pele. Eu não entendia. Nunca imaginei que famílias mestiças tivessem que passar por isso.
Meu maior arrependimento foi não ter defendido minha família naquele momento. Nunca disse nada. Afastei-me desse estranho furioso, contendo minhas lágrimas até chegar à segurança de minha própria casa.
Nunca falei sobre o impacto que isso teve em mim, até conhecer Wendy.
Wendy Lopez tem 60 anos, mora no sul de Londres, no Reino Unido, e tenta não levar a vida muito a sério.
Há 28 anos, ela teve Olívia. Uma amiga chegou a ligar para a maternidade onde Wendy acabara de dar à luz, na Guiana, para verificar se o bebê era negro ou branco.
Wendy ri enquanto conta essa história. É assim que ela lida com as coisas.
Olívia tinha cabelos castanhos, mas com “grandes cachos loiros” na frente.
“Era como se ela fosse ao salão e alguém tivesse enrolado seu cabelo”, descreve Wendy.
Um médico perguntou a Wendy se havia “brancos na família” e ela explicou que o pai de Olívia era branco.
Mas o especialista rebateu: “Há brancos em sua família e é por isso que Olivia é tão pálida.”
“Eu pensei: ‘Por que você está me falando tudo isso?'”, lembra Wendy.
“Em todas as consultas você fica falando para as outras mães sobre a cor de pele dos filhos? Aposto que não.”
‘Repudiei minha filha por medo’
Wendy admite que sua mãe não aprovava a cor da pele da neta e ocasionalmente se referia a ela como “a garota branca”, mas ela sentiu que poderia lidar com isso. Era mais difícil quando os comentários vinham de estranhos.
Ela se lembra de um incidente que foi particularmente perturbador. Wendy estava com Olivia no carrinho de bebê e iria fazer as compras semanais em Deptford, um distrito no sul de Londres, quando passou por três homens negros parados do lado de fora de um pub.
“Um deles veio até mim. Ele olhou para Olívia e perguntou: ‘Essa é sua filha?'”
“E eu disse não.”
“Basicamente, eu repudiei minha filha, mas acho que faria o mesmo de novo.”
“Não me arrependo. Me senti ameaçada. Fiquei com medo. Senti pelo cheiro que aquele homem tinha bebido. Pensei que ele poderia nos espancar”, diz Wendy.
“Naquela época, não parecia bom mulheres negras ficarem com homens brancos.”
Hoje em dia, as pessoas tendem a mostrar desaprovação de outras maneiras. E Wendy não fica mais quieta, até porque Olivia tem um distúrbio de aprendizagem e não consegue se defender.
“Fui tomar a vacina contra a covid-19 há alguns meses e a enfermeira me perguntou se eu cuidava de Olivia. Quando eu disse que era mãe dela, a profissional perguntou se eu realmente tinha dado à luz”, disse Wendy.
“Não posso deixar as pessoas me falarem esse tipo de coisas.”
Ela considera comentários como esse um ataque a quem Olívia é, e que, se sua filha pudesse, “ela estaria dizendo às pessoas para deixá-la em paz”.
“Meu pai é branco e minha mãe é negra, ponto final.”, poderia responder a menina, segundo o raciocínio e as expectativas de minha amiga.
Eu disse a Wendy algo que tem me incomodado por um tempo. Será que somos muito sensíveis a esse tipo de comentário e não deveríamos nos afetar tanto?
“É isso que todo mundo que não está nesta situação vai dizer. ‘Você é muito sensível. Vamos lá, não foi isso que quiseram te dizer'”, diz, apertando as mãos.
Mas, depois de 14 meses, eu estou cansada de ter que confirmar constantemente que esse lindo ser que tenho nos meus braços é minha filha.
“Estamos no século 21. Você poderia pensar que as pessoas avançaram um pouco, mas não parece”, diz Fariba Soetan, que possui um blog sobre a criação de filhos mestiços.
Fariba tem 41 anos e é metade iraniana, metade inglesa. O marido dela é nigeriano e eles têm três filhas de 6, 8 e 10 anos.
“Fiquei realmente apavorada com os comentários que nos fizeram sobre ter três meninas com tons de pele diferentes”, diz.
“Já posso antecipar as experiências que minhas filhas terão, dependendo de como são percebidas na sociedade.”
Um incidente no ano passado realmente a incomodou. Fariba estava pegando uma de suas filhas após uma aula no norte de Londres.
“Dei um abraço nela e uma das garotas da turma disse: ‘Essa é sua filha?'”
“Eu disse que sim’. E ela respondeu: ‘Você ainda a ama, embora ela seja dessa cor?'”
“Minha filha teve que escutar uma frase dessas”, lamenta Fariba, tentando não chorar.
Mas escrever sobre esse tema no blog ajuda. “Sinto que causo um impacto. Não estou apenas sofrendo, mas fazendo algo a respeito.”
Como mãe de primeira viagem, quero que Fariba me garanta que tudo isso é apenas uma fase e que a curiosidade das pessoas vai passar.
Infelizmente, a realidade não é bem essa…
“Muitas vezes, os comentários acontecem depois das férias, principalmente com a minha filha mais velha, que é a mais morena”, responde Fariba.
“São frases do tipo: ‘Ela é bastante bronzeada’ ou ‘Ela parece bem morena’. É como se estivessem questionando se eu gostaria que minha filha não tivesse esse tom de pele.”
“Certamente, parte desses comentários a afetou. Ela não quer ficar muito escura porque há sempre algo negativo associado a isso.”
Nesse exato momento, Asha, de quem estamos falando, cruza o jardim e vem em nossa direção. Ela acabou de voltar da aula de ginástica e ainda está cheia de energia. A menina quer me mostrar seus livros favoritos, sobre cabelos cacheados e como ser uma bailarina negra famosa.
“Às vezes eu olho para as pessoas na rua e me pergunto se elas acham que eu e meus pais somos da mesma família”, diz Asha.
Ela então encontrou uma solução criativa.
“Eu descrevo minha família como se fossem sabores de sorvete. Eu sou caramelo. Mamãe é baunilha. Papai é chocolate. Minha irmã mais velha é doce de leite e minha irmãzinha é café com leite.”
“É melhor pensar neles dessa forma, em vez de dizer que alguém é mais claro ou muito mais escuro do que eu.”
“Quero nos comparar usando coisas deliciosas. Coisas que as pessoas amam, como sorvete. Somos uma família e não devemos ser julgados.”
Enquanto Asha sai dançando, Fariba me diz que espera que figuras como Meghan Markle e Kamala Harris, a vice-presidente dos Estados Unidos, incentivem as pessoas a reexaminar preconceitos sobre a cor da pele.
“Espero que algo mude. Acho que devemos manter essa esperança.”
Algumas semanas depois de conhecer Wendy, ela me mandou uma mensagem para seguir com a nossa conversa.
“Espero que tudo corra bem”, escreveu. “Esqueci de dizer: seja feliz com sua filha, porque esses anos preciosos vão passar voando.”
Eis um conselho que pretendo seguir pelo resto da minha vida.
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Suspeito preso por levar 11 fuzis para a Penha foi liberado da prisão pela Justiça 12 dias antes
Leandro Rodrigues da Silva, de 38 anos, tinha sido preso pela Polícia Rodoviária Federal no dia 15 de janeiro com 30 kg de drogas, mas foi solto na audiência de custódia no dia 18.
Leandro Rodrigues da Silva, de 38 anos, foi preso pela Polícia Federal, na madrugada desta quinta-feira (30), dirigindo um carro que levava 11 fuzis, de calibres 5,56 e 7,62, para o Complexo da Penha, na Zona Norte do Rio.
A prisão de Leandro aconteceu 12 dias depois dele ser liberado em uma audiência de custódia, em Campos dos Goitacazes, no Norte Fluminense. Ele havia sido preso por tráfico de drogas.
Morador da Zona Oeste do Rio, com ensino médio completo e se apresentando como motorista de aplicativo, Leandro foi preso no dia 15 de janeiro por policiais rodoviários federais, quando dirigia um Ford Fiesta, no quilômetro 203, da BR-101, em Casimiro de Abreu, no Norte Fluminense.
No veículo, os policiais rodoviários encontraram:
- 31,5 kg de maconha distribuídos em 41 tabletes em um saco preto;
- 1.439 frascos de líquido de cheirinho de loló;
- Dois galões de líquido semelhante a cheirinho de loló;
- 2 pacotes com pinos transparentes vazios;
- R$ 1.874 em dinheiro.
Levado para a 121ª DP (Casimiro de Abreu), Leandro mudou a versão de que tinha pegado a droga em Casimiro de Abreu. Ele contou que o carro foi abastecido na Linha Vermelha e seguia para Macaé. Em nenhum momento, segundo o Ministério Público, alegou estar fazendo uma corrida de aplicativo ou falou em entregador ou destinatário.
Leandro ficou preso por dois dias e, às 10h09 do dia 18 de janeiro, foi levado para a audiência de custódia. Na ocasião, o juiz Iago Saúde Izoton decidiu pela soltura de Leandro contrariando o MP, que pediu a conversão da prisão em flagrante para preventiva.
Em suas alegações, o magistrado informou que “a prisão preventiva se revela excepcional”:
A partir daí, o magistrado determinou que Leandro se apresentasse diante do juiz todo dia 10 de cada mês. Após a decisão do juiz, a promotora Luíza Klöppel, do Ministério Público estadual recorreu.
O MP apontou a gravidade do caso envolvendo o transporte da droga e o risco de que Leandro voltasse a delinquir.
12 dias depois da liberdade, os fuzis
Na noite de quarta-feira (29), os policiais federais da Delegacia de Repressão à Entorpecentes (DRE) iniciaram uma vigilância na serra, na altura do município de Paulo de Frontin em busca de uma moto que transportava material ilícito.
Ao encontrarem a BMW, presenciaram o momento em que o ocupante repassou duas malas ao motorista de um Nissan preto. O veículo foi seguido pelos policiais até um posto de gasolina onde foi feita a abordagem.
O motorista do carro era Leandro Rodrigues da Silva. O da moto, Gutenberg Samuel de Oliveira. Ambos foram presos e os veículos apreendidos.
O carregamento tinha 8 fuzis, de calibre 5.56 e 3 fuzis calibre 7.62, além dos veículos utilizados no transporte das armas. Todas as armas com a marca de uma caveira semelhante ao personagem Justiceiro, da Marvel.
De acordo com as investigações preliminares, o arsenal teria como destino os complexos da Penha e do Alemão, onde está baseada a chefia da facção Comando Vermelho.
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Argentina corta taxas e Brasil volta a ter maior juro real do mundo
País comandado por Javier Milei caiu da primeira para a terceira posição, após seu Banco Central reduzir suas taxas de juros em 3 pontos percentuais. Topo agora está com Brasil e Rússia.
O Brasil passou a ter o maior juro real do mundo. Na noite de quinta-feira (30), o Banco Central da Argentina, antiga líder do ranking, promoveu um novo corte em sua taxa básica de juros e tirou o país da primeira posição.
A autoridade monetária reduziu suas taxas de 32% para 29% ao ano. Segundo a instituição, essa redução é consequência da “consolidação observada nas expectativas de menor inflação.”
A Argentina encerrou 2024 com uma inflação anual de 117,8%. Apesar de ainda estar bastante alta, houve uma forte desaceleração em relação aos 211,4% registrados em 2023.
Com a taxa de juro real é calculada, entre outros pontos, pela taxa de juros nominal do país descontada a inflação prevista para os próximos 12 meses, o juro real argentino caiu para 6,14%. O país passou, então, para a terceira colocação no ranking.
Quem assume a ponta é antigo vice-líder, o Brasil. Nesta semana, o Comitê de Política Monetária (Copom) decidiu aumentar mais uma vez a Selic em 1 ponto percentual, levando o juro nominal a 13,25% ao ano, e o juro real a 9,18%.
Na segunda posição vem a Rússia, com uma taxa de juros real de 8,91%.
Veja abaixo os principais resultados da lista de 40 países.
Ranking de juros reais
Taxas de juros atuais descontadas a inflação projetada para os próximos 12 meses
Alta da Selic
Na última quarta-feira (29), o Copom anunciou sua decisão de elevar a taxa básica de juros em 1 ponto percentual, para a casa de 13,25% ao ano.
Na decisão anterior, em dezembro, a autoridade monetária já havia elevado a taxa básica em 1 ponto percentual, para a casa de 12,25% ao ano. A decisão marca a quarta alta seguida da Selic.
Juros nominais
Considerando os juros nominais (sem descontar a inflação), a taxa brasileira permaneceu na 4ª posição.
Veja abaixo:
- Turquia: 45,00%
- Argentina: 29,00%
- Rússia: 21,00%
- Brasil: 13,25%
- México: 10,00%
- Colômbia: 9,50%
- África do Sul: 7,75%
- Hungria: 6,50%
- Índia: 6,50%
- Filipinas: 5,75%
- Indonésia: 5,75%
- Polônia: 5,75%
- Chile: 5,00%
- Hong Kong: 4,75%
- Reino Unido: 4,75%
- Estados Unidos: 4,50%
- Israel: 4,50%
- Austrália: 4,35%
- Nova Zelândia: 4,25%
- República Checa: 4,00%
- Canadá: 3,25%
- Alemanha: 3,15%
- Áustria: 3,15%
- Espanha: 3,15%
- Grécia: 3,15%
- Holanda: 3,15%
- Portugal: 3,15%
- Bélgica: 3,15%
- França: 3,15%
- Itália: 3,15%
- China: 3,10%
- Coreia do Sul: 3,00%
- Malásia: 3,00%
- Cingapura: 2,98%
- Dinamarca: 2,60%
- Suécia: 2,50%
- Tailândia: 2,25%
- Taiwan: 2,00%
- Suíça: 0,50%
- Japão: 0,50%
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De volta à planície: ex-presidentes da Câmara contam como é deixar o poder e analisam desafios do novo comando
Deputados que já comandaram a Casa analisam desafios do próximo presidente. Próxima eleição da cúpula da Câmara está marcada para 1º de fevereiro.
No dia 1º de fevereiro, a Câmara dos Deputados elegerá um novo presidente para comandar o colegiado pelos próximos dois anos.
Com isso, Arthur Lira (PP-AL) retornará à planície, termo comumente utilizado no Congresso para se referir aos deputados sem acesso aos cargos da mesa diretora, instalada no centro do plenário. Quem se senta à mesa, tem visão completa dos deputados que estão no plenário, abaixo, por isso o termo “planície”.
A reportagem ouviu cinco ex-presidentes da Câmara que responderam às mesmas perguntas sobre o que a saída desse cargo representou em suas trajetórias. João Paulo Cunha, Henrique Eduardo Alves e Rodrigo Maia não deram entrevistas.
Estranhamento
A experiência da maioria mostra que o dia seguinte após deixar o cargo pode ser seguido de estranhamento pelo poder perdido.
“Claro que a mudança é brusca e que você tem que passar por um período de adaptação, porque você não pode criar ilusão que o poder é seu”, diz Aldo Rebelo, que ocupou o posto entre 2005 e 2007 pelo PCdoB.
Uma saída é recorrer às antigas amizades, conta Arlindo Chinaglia, presidente da Câmara pelo PT entre 2007 e 2009.
Entre os políticos, há desconforto em retornar para os trabalhos da Casa sem ocupar um cargo decisório.
“Eu reconheço que, toda vez que um presidente sai e precisa voltar para o plenário, fica uma situação talvez um pouco desconfortável”, afirma Michel Temer, presidente da Casa em três ocasiões.
Segundo ele, seu processo foi mais simples por ter deixado o comando da Câmara pela primeira vez, em 2001, para assumir a presidência do MDB, e na segunda vez, em 2010, ser vice-presidente da República, na chapa de Dilma Rousseff.
Uma saída, segundo Marco Maia, presidente da Câmara pelo PT entre 2011 e 2013, é não entrar no cargo com expectativa de prolongação de poder.
A dificuldade de reposicionamento depois da saída do comando da Casa também aflige Arthur Lira. Ele é cotado para assumir um cargo na Esplanada dos Ministérios do presidente Lula, mas há impasse sobre sua adesão completa ao governo.
Papel como ex-presidente
O grupo é uníssono sobre a relevância de um ex-presidente da Câmara. Para Aécio Neves, presidente da Casa de 2001 a 2002 pelo PSDB, a experiência é útil para os sucessores.
Para ele, não estar à frente das decisões demanda, muitas vezes, maturidade. “[É importante] encontrar o seu espaço e não ficar disputando permanente holofotes. É um exercício de maturidade que todos os homens públicos devem buscar em determinado momento da sua trajetória.”
Chinaglia afirma que a forma como o presidente atua impacta no tamanho da influência após a saída do cargo. “Depende de como você chegou, de como você se elegeu e de como você saiu. Se o cara for respeitado pelo que ele pensa, se cumpre com a palavra, ele se mantém influente”, afirma.
Desafios
Os ex-presidentes da Casa destacam o novo protagonismo da Câmara em relação ao Orçamento, com influência cada vez maior do Poder Legislativo em detrimento do Executivo.
Para alguns, há excessos na nova atuação. “Eu acho que há um certo, digamos, exagero na volúpia do Congresso sobre nacos do Orçamento”, afirma Aécio.
Marco Maia afirma que a discussão sobre o orçamento tem tamanho maior que as outras pautas da Casa, e que por isso os deputados buscam atuar mais como “executores do que legisladores”.
O desgaste pelas quedas de braço do Legislativo com o Executivo e com o Judiciário é apontado pelos ex-presidentes como um desafio importante para o próximo ciclo da Câmara.
“Restabelecer os limites das atribuições de cada um dos poderes é o maior desafio do próximo presidente da Câmara. Sobretudo, garantir uma relação harmoniosa entre os poderes, definindo limites”, diz Aécio.
Para Chinaglia, o desafio do momento é defender a democracia, impondo respeito à Casa, mas viabilizando a construção de acordos. Já Temer destaca a importância da regulamentação total da reforma tributária, iniciada no ano passado.
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