Por Tácita Muniz, g1 AC
Testemunha ocular do maior conflito da humanidade, Joatan Conegundes de Araújo, de 100 anos, hoje vive na cidade de Assis Brasil, no interior do Acre, ao lado da família e, claro, é o morador mais ilustre da cidade da fronteira, que tem pouco mais de 7,6 mil habitantes.
O morador centenário é ex-combatente da Segunda Guerra Mundial, que ocorreu de 1939 a 1945, em diferentes locais da Oceania, Ásia, África e Europa. Esse conflito foi travado entre Aliados (Reino Unido, França, EUA, URSS) e Eixo (Itália, Alemanha, Japão etc.) e teve como consequências a morte de, aproximadamente, 60 milhões de pessoas e uma destruição material significativa.
Lúcido, ele conta que não chegou a lutar na linha de frente, mas esteve em um navio na Itália junto com mais de 5 mil soldados que podiam ser chamados a qualquer hora para o combate direto.
Este ano, ao comemorar seus 100 anos, no dia 22 de fevereiro, a prefeitura da cidade fez um vídeo em homenagem a ele, já que, registrado, é o morador mais velho da cidade.
No vídeo, ele conta que servia ao Exército no Rio Grande do Norte e no dia do seu aniversário foi convocado para ir para a Itália.
“Fui escalado para ir para a Itália, no quarto escalão, fomos no navio, cerca de 5 mil soldados. Foram 14 dias, 14 noites sem o navio parar. Fomos para a Itália, só não fomos para a linha de frente. Muitos tinham deixado mulher e as noivas”, conta no vídeo.
Em 2019, na portaria 1.713 publicada no Diário Oficial pelo Ministério da Defesa, concedeu medalha da vitória para os ex-combatentes da Segunda Guerra Mundial e o nome do idoso consta nela.
Mais velho que a cidade onde mora
No fim de semana, a cidade de Assis Brasil comemorou 45 anos desde sua emancipação política e administrativa e virou cidade. Localizada em um dos pontos extremos do país, situada no ponto exato de encontro das fronteiras do Brasil, Peru e Bolívia, Assis Brasil foi fundada por três irmãos maranhenses, em 1908, e se chamava Seringal Paraguaçu.
Só em 1958 passou a se chamar Vila Assis Brasil. Com a constituição Acreana em 1963, teve o território desmembrado do município de Brasileia, mas só teve um governo municipal em 14 de maio de 1976, data em que se comemora o aniversário da cidade.
Marilene Lourdes de Araújo, de 53 anos, é filha do ex-combatente e mora com ele no município. Ela conta que meses após terminar a Segunda Guerra Mundial, o pai retornou para o estado dele, que era o Rio Grande do Norte, quando conheceu sua mulher.
“Casou, teve filhos e aí tinha um primo da gente, que trazia pessoas para o Acre para trabalhar no Seringal. Esse nosso primo chamava-se Benedito Batista e, como meu pai tinha muito medo da seca no Nordeste, veio pensando que era muito bom, porque na época, alguns serviam ao Exército e outros eram soldados da borracha. E esse seringalista ia até o nordeste e trazia navios cheios de seus familiares”, disse.
Ele chegou ao Acre em 1952, casado e com três filhos e deu continuidade à família até a mulher dele morrer aos 46 anos vítima de câncer. Ele então optou por nunca mais casar. Ao todo, ele teve, junto com sua companheira nove filhos, seis estão vivos, 15 netos e sete bisnetos.
‘A melhor coisa foi conhecer minha mulher’
Durante entrevista, ao ser perguntado de tudo que já viveu o que mais marcou sua vida, ele disse que a melhor coisa foi conhecer sua mulher. Emocionado, ele lembra com carinho de Maria Lourdes de Araújo, a única companheira que escolheu ter na vida.
“De tudo, o que nunca vou esquecer é minha mulher. A melhor coisa da minha foi conhecer ela e formar minha família”, diz com a voz embargada.
Ao ouvir o pai emocionado, Marilene diz que ele nunca quis ter outra esposa e cuidou sozinho dos filhos. “Minha mãe morreu aos 46 anos vítima de câncer no útero e ele ficou viúvo muito novo. Quando ela morreu eu tinha 4 anos e oito meses e ele não casou nunca mais. E ele sempre diz que a coisa mais importante na vida dele foi conhecer e se casar com ela. Com a ajuda dos mais velhos, ele criou a gente sozinho, trabalhava no roçado, mas ele resolvia coisas como matrícula da escola, vacinas, tudo isso”, conta a filha.
Só depois, ele conseguiu um emprego na delegacia da cidade, onde trabalhou como servente e porteiro.
‘A volta da Asa Branca’
Passados 100 anos com uma memória impecável que o faz lembrar dos horrores da guerra e a perda de um grande amor, a música é o alento para os dias e durante a entrevista, ele pede para cantar um trecho da música preferida; “A volta da asa branca”, de Luiz Gonzaga.
Ele começa cantarolando a canção que se confunde até que com sua vida, no trecho que diz:
“Seca fez eu desertar da minha terra
Mas felizmente Deus agora se alembrou
De mandar chuva pra esse sertão sofredor
Sertão das muié’ séria, dos home’ trabalhador
De mandar chuva pra esse sertão sofredor
Sertão das muié’ séria, dos homens trabalhador”
O que o faz lembrar a fuga do Nordeste, por medo da seca, em busca de uma vida melhor no Acre – onde criou os filhos e hoje recebe inúmeras homenagens, já que é o morador mais velho que se tem registro na cidade.
Ele diz que adora viver, comer de tudo e ama cantar. “Sou bom de prato, como de tudo. Só não gosto muito de mingau, mas como mesmo assim. Mas, adoro um pirão, uma carne, feijão. Como de tudo e adoro cantar”, finaliza.
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