Começou, nesta terça-feira (17), o julgamento de Ícaro José da Silva Pinto e Alan Araujo de Lima, os dois acusados de participação na morte de Jonhliane Paiva Sousa em um acidente de trânsito ocorrido em agosto de 2020. Logo no início da manhã, alguns amigos e familiares chegaram a ficar na entrada da Cidade da Justiça com cartazes pedindo a condenação da dupla.
Última testemunha a ser ouvida no primeiro dia de julgamento da morte da filha, Jonhliane Paiva, a mãe da jovem, Raimunda de Paiva, estava muito emocionada e passou mal várias vezes durante o julgamento. O júri terminou às 20h05 e foram ouvidas nove pessoas.
Em seu relato comovente, Raimunda clamou por justiça e disse que nada vai trazer a filha de volta. Além disso, ela falou da indignação em relação à forma como o corpo da filha foi deixado pelos acusados após o acidente. “Eu acho assim, nem um animal que a gente vê na rua a gente trata assim, tem que ajudar, a gente não deixa daquele jeito.”
Ela reforçou ainda a tese de que os acusados, Ícaro e Alan, se conheciam e que estavam fazendo um racha no momento em que a filha foi morta.
“Peço justiça, esse negócio de dizer que ele não estava fazendo racha é impossível por causa daquela velocidade em um ligar que era 40 quilômetros e uma pessoa andar a 150 quilômetros, eu queria uma resposta”, pediu.
O promotor que acompanha o caso, Efrain Mendoza, perguntou como Jonhliane era no seu dia a dia e sobre a falta que a filha faz para a mãe. “Minha filha começou a trabalhar cedo na drogaria da minha irmã. Ela estudava inglês porque tinha o sonho de ser aeromoça”, falou dona Raimunda aos prantos.
Ao exclamar por justiça mais uma vez, Raimunda falo que não quer que aconteça com outras pessoas o que aconteceu com a filha.
“Para outras pessoas não fazerem isso e ficarem impunes. Beber e sair dirigindo carro, porque não pega um familiar? Um amigo? Pense nisso porque os parentes ficam chorando depois. Agora eu só posso ir no cemitério, só vou lá levar flores para ela. Só o que tenho é uma gaveta cheia de roupas dela que vão amarelar, o mais perto que chego dela é no cemitério.”
Ao ser questionada pela assistente de acusação do MP sobre a falta que a filha faz, a mãe de Jonhliane disse que a filha trabalhava, ajudava com as contas da casa e ainda pagava a própria faculdade.
“A gente pode ter dez filhos, mas nunca nenhum vai substituir o outro. Ela sempre dizia que eu era o pai e a mãe dela. Ela pagou uma pós-graduação para mim, me ajudava em tudo.”
Raimunda afirmou também que até esta terça (17) não recebeu nenhuma pensão das famílias dos acusados. A defesa de Ícaro informou ao juiz que já foram feitos 11 depósitos, mas que o valor, que seria de meio salário mínimo cada, ainda não foi liberado pela justiça.
A mãe da vítima contou ainda que a filha tinha medo de conduzir a moto, por causa de acidentes. “Ela tinha medo de acidente, ela usava apenas para ir trabalhar. Em dia de chuva ia de Uber para o trabalho”, relembrou.
Questionadas se queriam fazer alguma pergunta para dona Raimunda, as defesas de Alan Lima e Ícaro Pinto não quiseram fazer fazer perguntas. Os jurados também não fizeram nenhum questionamento.
Ao g1, o irmão da vítima, Jhonata Paiva, falou da preocupação com a saúde da mãe após a morte da irmã. “Minha mãe é hipertensa, toma alguns medicamentos controlados e precisa de repouso, está abalada, não consegue ficar muito tempo, então, a gente está preservando ela.”
Ele falou ainda que acredita que a justiça vai ser feita. “Amanhã os jurados vão ser a voz do povo, da sociedade, vão fazer justiça para ela porque, no fim de tudo, ela morreu e o que nós temos é um julgamento, eles têm que pagar pela morte com a pena.”
Denúncia
O Ministério Público denunciou os dois, inicialmente por homicídio qualificado, porém, um habeas corpus derrubou a qualificadora e os dois agora respondem por homicídio simples. Além disso, Ícaro responde ainda por omissão de socorro e embriaguez ao volante.
Quinta testemunha a ser ouvida, Hatsue Said Tanaka, apresentada como ex-namorada de Ícaro Pinto na época, negou que eles eram namorados e disse que ainda estavam se conhecendo. Ao ser indagada sobre ter viajado com Ícaro, mesmo eles não estando juntos, Hatsue disse que foi, pois viu que ele estava sendo verdadeiro e que não teve a intenção de matar Jonhliane.
“Ele sentiu arrependimento, sentiu dor por tirar a vida de uma pessoa. Foi um acidente, uma fatalidade, não foi intencional. Ele teve a intenção de voltar para prestar socorro.”
As defesas trabalham em linhas diferentes. Para os advogados de Ícaro, o tempo em que ele está preso está acima do esperado e alega erros na condução das investigações. Já para a defesa de Alan, o desafio é mostrar que não houve racha e que ele estava apenas no local e na hora errados.
O promotor do caso, Efrain Enrique Filho, disse que vai pedir a condenação dos dois e espera convencer os jurados de que houve dolo eventual.
“A gente denunciou como crime qualificado, todavia o entendimento jurisprudencial no sentido que domina é que esses homicídios no trânsito são homicídios simples, infelizmente. Por mais que a gente encontre na doutrina a possibilidade de incluir qualificadoras, como assim fez o MP, de tentar dar uma definição um pouco mais pesada, proporcional, acabou que o STJ [Superior Tribunal de Justiça], começou pelo Tribunal de Justiça, não acatou então a nossa qualificadora, portanto, hoje respondem por homicídio simples na modalidade dolo eventual. E, é claro, que vou pedir a condenação dos dois, sem sombra de dúvida. É assim que a gente vai insistir, é assim que a gente acha mais justo”, disse.
O irmão da vítima, Johnata Paiva, que acompanhava o júri disse que espera a condenação dos acusados e que ainda não conseguiu perdoá-los.
“O que a gente espera em uma palavra é justiça. Nós esperamos que os réus que cometeram esse crime, esse homicídio, sejam de fato condenados, que esse júri popular possa representar a sociedade, a voz do povo. Não perdoamos eles, foram irresponsáveis, inconsequentes e merecem a pena que o júri popular vai conceder. A gente espera justiça por ela, que está morta”, disse.
Serão ouvidos na 2ª Vara do Tribunal o Júri e Auditoria Militar da Comarca de Rio Branco testemunhas e acusados. Nas seguintes ordens:
- Testemunhas de acusação;
- Testemunhas de defesa;
- Réus;
- Debates entre acusação e defesa, réplica e tréplica;
- Votação
Vítima foi arremessada a mais de 70 metros
O primeiro a ser ouvido foi o perito João Tiago Marinheiro, responsável pelo laudo do acidente, que explicou detalhadamente os pontos que foram analisados no documento.
Pela análise das primeiras imagens, em frente ao Horto Florestal, segundo ele, a moto estava a 23,54km/h, a BMW em 46,44 km/h e o fusca em 30,74 km/h. Já em frente ao Damásio, cerca de 11 metros antes da colisão, a moto estava a 46,12km/h, já a BMW estava a 151,77 km/h e o fusca em 87,91km/h.
No momento da colisão foi calculada somente a velocidade da BMW, porque o fusca não teve interação com a motocicleta, conforme explicou o perito. Já com relação à motocicleta, não foi possível calcular, porque foi absorvida pela velocidade da BMW, que, no momento em que bateu na jovem, estava a 155,23 km/h, segundo o documento. A velocidade máxima da via é 40km/h.
A vítima, segundo o perito, foi arremessada a mais de 70 metros e a moto arrastada por mais de 100 metros.
Ao ser perguntado pela defesa de Alan se houve a disputa de velocidade entre os motoristas, o perito disse que pela parte técnica existiu que os dois saíram do mesmo ponto (do ponto a ou ponto b), a uma velocidade acima do permitido, o que, segundo ele, caracteriza uma competição.
‘Falha nas investigações’, diz defesa
Ícaro dirigia a BMW que atropelou e matou Jonhliane e Alan conduzia o outro veículo envolvido no suposto racha, segundo o que consta no processo. O acidente ocorreu no dia 6 de agosto de 2020 em Rio Branco.
Ao g1, o advogado de Ícaro, Luiz Carlos Neto, alega que o crime não pode ser tratado como homicídio doloso, já que, segundo a defesa, foi um acidente.
“Veja que foi tão absurdo inicialmente, que era um homicídio doloso com qualificadora, então tivemos que recorrer ao STJ para, pelo menos, corrigir esse aspecto, que não tinha qualificadora. Isso é uma coisa grave porque o crime pelo dolo eventual a pena mínima é de 6 anos, o crime qualificado a pena mínima seria 12 anos. Se tratarmos assim um acidente de trânsito o que vamos fazer com sequestradores, homicidas, traficantes, os crimes graves de estupro, extorsão mediante sequestro com morte”, questiona.
O advogado alega ainda que houve falhas graves nas investigações da Polícia Civil.
‘Não houve racha’, alega defesa de Alan
“Ele está preso esse tempo todo, o que acho isso um absurdo, em um acidente de trânsito que ceifou uma vida. Ele tem arrependimento, chora copiosamente todos os dias na prisão. Acho que toda a investigação teve erro. Até estranho o fato de o delegado não ter sido apontado como testemunha do MP, ele que devia estar aqui para ter responsabilidade, que são todos enviesados para uma investigação parcial”, destaca.
Já a advogada de Alan, Helane Christina Silva, alega que condená-lo pelo crime seria uma injustiça. Para ela, está mais do que claro que não houve racha.
“Na verdade, dentro dos autos, está mais do que provado, tanto pela perícia, como pelas próprias testemunhas que não houve racha em momento algum. Infelizmente, houve uma venda individual pelo delegado, pela acusação, de que o Alan era culpado e trabalhou isso colocando um racha. A população acreditou, hoje a defesa está trabalhando para que esses sete jurados que estão ali façam a verdadeira justiça não só pela Jonhliane , mas por um inocente que está preso há quase 2 anos. As próprias imagens estão a nossa favor, os carros estavam em lado opostos, os dois saíram da festa sem conversar, falam que o racha foi de forma tácita. Inclusive, existe uma quebra de sigilo telefônico que o promotor pediu e ele mesmo pediu para tirar, não há ligação para o Alan, não existe nenhuma amizade entre eles”, alega.
Carlos Venicius, que também faz a defesa de Alan, disse ainda que condenar o réu seria uma injustiça.
“Nos compadecemos da perda da família, mas esperamos que os jurados que sentam ali, de forma imparcial, analisem as provas do processo e não façam mais uma vítima dessa tragédia. Uma tragédia como essa não pode ter um filho chamado injustiça, que seria a condenação do Alan”, completa.
‘Esperamos condenação’
Uma das advogadas que representa a família de Jonhliane, Gicielle Rodrigues afirmou que acredita que a Justiça vai ser feita e que a sociedade vai dar uma resposta a altura do dano provocado.
“Não se pode comparar o caso Jonhliane Paiva aos casos que envolvem vítimas de trânsito, pois o diferencial consiste no fato de que as circunstâncias apontam para a presença do dolo eventual, situação que os tribunais superiores tratam como crime de homicídio doloso diante da realização de manobras arriscadas, emprego excessivo de velocidade em vias movimentadas e disputas ilegais como racha. É inadmissível que esse tipo de situação volte a acontecer, hoje perdemos a Jonhliane amanhã pode ser qualquer outro cidadão trabalhador de bem, temos fé na Justiça, temos fé que a sociedade dará uma resposta a altura do dano provocado, e esperamos pela condenação.”
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