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Comício da Candelária, 40 anos: o legado sociopolítico das Diretas Já

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Ali, no meio de uma multidão que se espremia nas avenidas Rio Branco e Presidente Vargas, no centro do Rio, uma adolescente de 16 anos olhava impressionada para a movimentação ao redor. Era a primeira vez que participava de uma manifestação política, mas já sabia que se tratava de um momento histórico. O Comício da Candelária, segundo jornais da época, reuniu cerca de 1,2 milhão de pessoas. Foi um dos principais atos do movimento das Diretas Já, que fez o povo voltar às ruas depois de 20 anos de repressão violenta da ditadura militar.

Para alguns, o momento era de recuperar a voz de protesto represada durante anos. No caso de Adriana Ramos, que tinha acabado de entrar para a faculdade, era um despertar político.

“Eu não tinha consciência política. Vinha de uma família bem conservadora, de direita. Na escola, praticamente todos os colegas eram filhos de militares. Na época, vi toda a mobilização e os colegas de faculdade se organizando para ir ao comício. Lembro da minha mãe e da minha avó ficarem apreensivas. Mas, até pela ignorância de não saber muito o que significava aquela manifestação, fui na onda”, lembra Adriana. “Foi algo que marcou muito minha relação com a política dali para a frente”.

Lívia de Sá Baião também era estudante universitária na época. Estudava economia na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC Rio). Tinha 19 anos e trabalhava como estagiária em um banco próximo à Candelária, quando se encontrou com amigos para assistir ao comício.

“Aquele momento foi um marco na minha vida. Lembro muito da emoção de estar lá, de participar daquele momento, ouvir aqueles líderes falando” disse Lívia. “Ouvi o Brizola, o Tancredo Neves. A gente estava ali em um momento crucial”.

O jornalista Alceste Pinheiro também esteve no Comício da Candelária, mas como manifestante. Ele lembra que ficou na Avenida Rio Branco, onde ouvia os discursos, mas não tinha uma visão tão completa como a das pessoas que ficaram de frente para o palanque.

“Mas lembro dos ônibus superlotados, da cidade toda se movimentando naquela direção. Lembro do êxtase e da confiança das pessoas, do sentido dos discursos, muito bem preparados, bem armazenados na memória, do que se cantou. Lembro do que se gritou: Diretas Já! O Povo quer votar!”.

Cobertura jornalística

O fotógrafo Rogério Reis trabalhava na revista Veja em 1984. Às vésperas do comício, a revista percebeu que o evento prometia ser grandioso, por causa do número de doações espontâneas feitas para os organizadores em uma conta do Banco do Estado do Rio de Janeiro (Banerj).

“Esse foi o primeiro sinal que a gente teve, uma semana antes, de que o público estava disposto a colaborar para um grande evento, com produção de faixas e todo o material que envolve um grande comício”, disse o fotógrafo.

Outro sinal era o fato de o governador fluminense à época ser o gaúcho Leonel Brizola, afinado com a proposta das Diretas Já. Ele se dispôs a interditar toda a Avenida Presidente Vargas para que o evento pudesse ocorrer. Foram colocados balões iluminados com gás hélio.

A revista escalou três fotógrafos para acompanhar o evento: um faria fotos aéreas de um helicóptero alugado, outro ficaria em frente ao palanque e o terceiro, que era Rogério Reis, circularia mais solto entre a multidão, para fazer aspectos de comportamento.

“Eu classifico como uma das coberturas que raramente você, como jornalista, está acostumado a vivenciar. A gente tem certo distanciamento das cenas. Mas, nesse processo de abertura, vi muito profissional trabalhando emocionado. Como ocorreu também na chegada dos exilados. Lembro que na chegada do (Miguel) Arraes (deposto do cargo de governador de Pernambuco em 1964) no (aeroporto do) Galeão, tinha muito repórter e fotógrafo trabalhando chorando”.

Comício

Por volta das 16h do dia 10 de abril, começou o Comício da Candelária. Os manifestantes gritavam palavras de ordem, agitavam bandeiras, faixas e cartazes, vibravam com os discursos de diferentes líderes da oposição ao regime militar, e cantavam em coro músicas dos artistas presentes.

Fafá de Belém conduziu o Hino Nacional e a música Menestrel das Alagoas, que virou um dos hinos da Diretas Já. Em seguida, foi libertada uma pomba branca, que saiu voando, assustada com a multidão. Milton Nascimento levou o público às lágrimas ao interpretar Nos bailes da vida. O advogado Sobral Pinto, aos 90 anos de idade, leu o que se tornaria o artigo 1º da Constituição Brasileira: “Todo poder emana do povo”.

Durante seis horas, diferentes personalidades alternaram-se no palco. Entre os políticos estavam Leonel Brizola (PDT-RJ), Franco Montoro (PMDB-SP), Tancredo Neves (PMDB-MG), Ulisses Guimarães (PMDB-SP), Luís Inácio Lula da Silva (PT-SP) e Fernando Henrique Cardoso (PMDB-SP), que dividiram o mesmo palanque.

Entre os artistas, Chico Buarque, Maria Bethânia, Lucélia Santos, Cidinha Campos, Chacrinha, Cristiane Torloni, Erasmo Carlos, Ney Matogrosso, Paulinho da Viola, Bruna Lombardi, Maitê Proença, Walmor Chagas. Também havia famosos como o jogador de futebol Reinaldo, o cartunista Henfil, a apresentadora Xuxa e a atleta de vôlei Isabel. E na apresentação principal, a voz do “locutor das diretas”, o radialista esportivo Osmar Santos.

Luta por democracia

O evento na Candelária era parte de uma série de manifestações de rua que tomaram conta do país em 1983 e 1984. Os governos militares começam a enfrentar crises econômicas mais agudas na década de 70, com endividamento externo e inflação alta. Na gestão de Ernesto Geisel (74-79) fala-se pela primeira vez em abertura política, mesmo que “lenta e gradual”. Na gestão de João Batista Figueiredo (79-85) são restabelecidas as eleições diretas para os governos estaduais. Em 1982, a oposição conquista o governo de nove estados, com destaque para São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro.

Em 2 de março de 1983, o deputado federal Dante de Oliveira (PMDB-MT) apresenta emenda à Constituição, assinada por 199 congressistas, para restaurar a eleição direta para presidente a partir de 1985. Nos meses seguintes, muitos atos públicos foram feitos em defesa da pauta. O primeiro comício com articulação centralizada ocorreu em Goiânia, com 5 mil pessoas, em 15 de junho.

Cidades de todas as regiões do país passam a ter manifestações. O destaque é para a chamada Caravana das Diretas, em fevereiro de 1984, que percorre cidades do Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Em 24 de fevereiro, Belo Horizonte registra até ali o maior público de um comício, cerca de 400 mil pessoas. Esse número só seria superado pelo comício do Rio de Janeiro, na Candelária, e pela passeata de São Paulo, que saiu da Praça da Sé até o Vale do Anhangabaú. Ambos, ocorridos em abril, ultrapassaram a marca de 1 milhão de pessoas.

Apesar de toda essa mobilização popular, semanas depois, em 25 de abril, é votada a Emenda Dante de Oliveira no Congresso. A derrota vem por diferença de 22 votos. O primeiro presidente da República depois da ditadura militar, Tancredo Neves, seria escolhido por eleição indireta no Colégio Eleitoral.

Frustração

Já naquela época, o jornalista Alceste Pinheiro acreditava que a emenda constitucional não passaria, por todas as circunstâncias e pressões que existiam de vários lados. Havia os que não queriam a aprovação e os que preferiam adiar para uma situação que, politicamente, fosse mais favorável.

“Eu achava isso e falava para algumas pessoas. Mas, entre as pessoas da minha relação, todas tinham esperança muito grande de que a emenda passaria. Eu desconfiava. Mesmo assim, fui à Cinelândia quando se votou a emenda, que foi derrotada. Foi absolutamente distinto do que ocorreu na Candelária”, disse Alceste.

Para quem alimentou por meses a esperança de que poderia escolher finalmente o ocupante do cargo mais alto do país, a euforia deu lugar à frustração.

“Foi uma grande decepção quando a Emenda Dante Oliveira foi rejeitada na Câmara, poucos dias depois do comício. Fiquei arrasada. E aí deu no que deu. Só tivemos eleições em 1989”, disse Lívia de Sá.

“Uma mobilização daquele tamanho e, no final, a emenda não foi aprovada? Foi um balde de água fria, de mostrar um limite da mobilização da sociedade. Mas, sem dúvida, tinha esse entendimento de que a gente estava entrando em nova época. Com mais demandas e mais possibilidades de participação da sociedade”, afirmou Adriana Ramos, que hoje é ambientalista.

Legado democrático

Para o historiador Charleston Assis, da Universidade Federal Fluminense (UFF), é importante olhar além dos objetivos imediatos do movimento das Diretas Já e entender o significado mais amplo dele no contexto de redemocratização do país.

Assis lembra que apenas três anos antes aconteceu o atentado do Riocentro, em que um grupo de militares tentou intimidar, ferir e matar jovens em um show para retardar a abertura política. A tentativa terminou em fracasso, mas mostrou os perigos que esse grupo representava. Assim, voltar às ruas e pedir eleições diretas para presidente era um ato de coragem e de resistência ao silêncio imposto pela ditadura.

“O movimento das Diretas Já tem inúmeros ganhos. Essa emergência popular vai fazer com que o povo se torne um ator político muito decisivo. A partir daquele momento, as demandas não podem mais ser ignoradas. O país vai ter conquistas como a ampliação da rede de proteção social, do acesso à casa própria, mais tarde do acesso à universidade pela juventude preta e indígena. Isso tudo estava ali nos anos 80, e a luta pelas Diretas trazia uma série de sonhos coletivos desse povo enquanto nação”, diz o historiador.

Charleston entende que, por causa das recentes tentativas de golpe de Estado e do fortalecimento de discursos retrógrados, lembrar da mobilização popular da década de 1980 é importante para valorizar as conquistas sociais das últimas décadas.

“É muito necessário que a gente rememore essa campanha por conta daquilo que ela traz de oposição ao autoritarismo e de defesa da democracia. A ditadura militar foi uma tragédia social, política e econômica. Basta lembrar que nossa dívida externa passou de R$ 3 bilhões em 1964 para R$ 100 bilhões no fim do governo militar. As Diretas Já mostraram que o povo brasileiro se colocou decididamente contra a ditadura e a rejeitou em bloco”.

Fonte: EBC Política Nacional

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Netflix compra Warner e HBO Max; confira o que pode mudar no serviço de streaming

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REUTERS/Francis Mascarenhas

A Netflix anunciou, nesta sexta-feira (5), a compra da Warner Bros. Discovery por US$ 72 bilhões.

A empresa afirma que a aquisição é uma estratégia valiosa para ampliar o domínio global e reforçar o catálogo com algumas das franquias mais valiosas do entretenimento.

Entre elas, estão as aclamadas sagas de Game Of Thrones (2011), Harry Potter (1998) e The Last Of Us (2023).

Essa operação promete mudar o mercado do streaming e a HBO Max pode passar por uma fusão ou ser incorporado a plataforma, isso pode afetar o preço dos planos no futuro ao integrar as plataformas Netflix e HBO.

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Homem de 79 anos procura noiva e divulga lista de requisitos absurdos

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Aristocrata abre campanha para encontrar noiva, oferecendo salário e benefícios. As exigências vão do signo até a nacionalidade

Para as pessoas que estão buscando um par romântico, umas das maneiras de se conectar com alguém é usar aplicativos de namoro. No caso deste aristocrata britânico, de 79 anos, essa foi uma das opções, mas não a última. Sir Benjamin Slade lançou uma campanha anunciando que está em busca de uma noiva e que possui certas exigências — até demais.

O homem falou sobre o assunto no programa “Millionaire Age Gap Love” do Channel 5 — rede de televisão britânica — e comentou que procura por uma noiva que seja uma “boa reprodutora” para lhe dar um herdeiro. Mas não para por aí: os requisitos se estendem até a idade e ao signo do zodíaco da “sortuda”.

Será que é fácil cumprir os requisitos?

As condições do barão descendente de Carlos II envolvem que a nova namorada seja, pelo menos, 20 anos mais jovem. Além disso, é preciso saber dançar dança de salão, jogar bridge e gamão e ainda fazer palavras cruzadas.

A lista possui 11 requisitos

De acordo com informações do jornal Daily Star, Benjamin mencionou algumas outras coisas que restringem ainda mais a lista. As mulheres não podem ser escorpianas e nem ter qualquer tipo de dependência química, seja em substâncias psicoativas ou álcool.

Ele também exige fatores relacionados à nacionalidade. Sua companheira não pode ser de países que comecem com a letra “I” ou que tenham a cor verdenas bandeiras. Escocesas também estão proibidas de se candidatarem a essa “oportunidade imperdível”.

“Não me importo com canadenses, americanas, alemãs e pessoas do norte da Europa, como gosto de chamar pessoas semelhantes. Acho que casar com uma esquimó não é para mim. O que eu preciso é de uma moça simples e simpática do interior, que saiba e entenda as coisas”, disse.

Há recompensas

Com esses inúmeros requisitos, é de se esperar que o aristocrata teria que oferecer algo. Segundo ele, a pretendente escolhida será recompensada com 50 mil libras esterlinas por ano, o que corresponde a mais de R$ 270 mil. O objetivo é que com o dinheiro a mulher administre sua propriedade em Somerset, na Inglaterra.

Essa é uma das propriedades da família Slade

Além disso, a namorada também terá direito a carro, casa, despesas pagas, alimentação e até férias. Não é como se fosse incomum que homens procurem por mulheres bem mais jovens para ter relacionamentos, mas Benjamin quis explicar o motivo.

“O imposto sobre herança é de 40% e a única maneira de eu transferir ela e a coleção de arte é deixá-la para minha esposa, livre de impostos, para que distribua aos meus parentes distantes. Ela também precisaria estar segurada, por isso precisamos de uma senhora pelo menos 20 anos mais jovem do que eu, pois não posso segurar uma esposa mais velha, então quanto mais jovem, melhor. Esta é a única maneira que resta para contornar o imposto sobre herança”, comentou.

O homem já colocou anúncios em jornais, criou perfis em aplicativos de relacionamento e até congelou seu esperma, mantendo a esperança de ter um filho homem

Aos 79 anos, o homem não está a procura somente do amor. Apesar de já ter uma filha com sua ex-esposa, Sahara Sunday Spain, o aristocrata britânico deixou claro que ainda quer ter um herdeiro do sexo masculino. Nesse caso, a exigência é que “tenha semelhança genética com um de seus ancestrais paternos”.

Confira a lista completa

  • Deve ser uma “boa reprodutora”
  • Pelo menos 20 anos mais jovem
  • Nenhuma mulher escocesa
  • Deve ser capaz de ter filhos homens (ele quer dois, “um herdeiro e um reserva”)
  • Nada de comunistas ou lésbicas
  • Nada de mulheres com dependência química
  • Nada de mulheres do signo de escorpião
  • Precisa ter licença para usar espingarda e para dirigir; licença de helicóptero é um bônus
  • Capaz de administrar uma propriedade de 1.300 acres (cerca de 5,2 milhões de m²) e 2 castelos
  • Mais de 1,68 m de altura
  • Nenhuma mulher de países que começam com a letra I ou que tenham verde na bandeira

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Papa Leão XIV divulga nova orientação para sexo no casamento

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Papa Leão na FAO em Roma • 16/10/2025 REUTERS/Remo Casilli

Em um novo decreto assinado pelo papa Leão XIV, o Vaticano divulgou orientações para fiéis sobre a prática sexual no casamento, reconhecendo que o sexo não se limita apenas à procriação, mas contribui para “enriquecer e fortalecer” a “união exclusiva do matrimônio”.

A questão está intimamente ligada à finalidade unitiva da sexualidade, que não se limita a assegurar a procriação, mas contribui para enriquecer e fortalecer a união única e exclusiva e o sentimento de pertencimento mútuo.

O documento assinado pelo Dicastério para a Doutrina da Fé cita o Código de Direito Canônico e diz que uma visão integral da caridade conjugal é aquela que “não nega sua fecundidade”, ainda que deva “naturalmente permanecer aberta à comunicação de vida”.

O texto também prevê o conceito de consentimento livre” e “pertencimento mútuo”, assegurando a mesma dignidade e direitos ao casal.

“Um cônjuge é suficiente”

No decreto publicano em italiano, o Vaticano orientou 1,4 bilhão de católicos do mundo a buscarem o casamento com uma única pessoa para a vida toda e a não manterem relações sexuais múltiplas, estabelecendo que o casamento é um vínculo perpétuo e “exclusivo”.

Criticando a prática da poligamia na África, inclusive entre membros da Igreja, o decreto reiterou a crença de que o casamento é um compromisso para toda a vida entre um homem e uma mulher.

“Sobre a unidade do matrimônio – o matrimônio entendido, isto é, como uma união única e exclusiva entre um homem e uma mulher – encontra-se, ao contrário, um desenvolvimento de reflexão menos extenso do que sobre o tema da indissolubilidade, tanto no Magistério quanto nos manuais dedicados ao assunto”, diz o documento.

“Embora cada união conjugal seja uma realidade única, encarnada dentro das limitações humanas, todo matrimônio autêntico é uma unidade composta por duas pessoas, que requer uma relação tão íntima e abrangente que não pode ser compartilhada com outros”, enfatizou a Santa Sé.

 

Fonte: CNN

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