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Artigo: “Adaptação do espaço urbano às mudanças climáticas: o caso de Porto Alegre”
Atualmente, muito se fala sobre a catástrofe ocorrida no Sul do País . A sensação de tristeza e desolação diante do que temos visto é inevitável – são imagens fortes que nos atingem como seres humanos e profissionais.
As dimensões imensas e complexas dos danos na capital, Porto Alegre, e nas cidades do interior ainda são incertas do ponto de vista material, mas equivalem a desastres de proporções incalculáveis, como a devastação causada por grandes guerras em zonas urbanas. Neste momento pós-desastre, entram em cena personagens essenciais para pensar o problema, como profissionais voltados para a recuperação da infraestrutura urbana, engenheiros, gestores públicos, profissionais da saúde, urbanistas, pensadores e acadêmicos, refletindo em conjunto e agindo como equipe para tentar minimizar as possibilidades de ocorrência deste tipo de desastre no futuro em nossas cidades.
Porto Alegre é uma cidade simpática, de gente alegre e comunicativa – agradável para se andar, é uma cidade grande que não parece grande. A capital surgiu em meados do século XIX, entre o Lago Guaíba e uma topografia acentuada, concentrada inicialmente em sua margem norte. Posteriormente, alguns trechos foram aterrados para abrigar a expansão urbana e as atividades portuárias, importantes para a economia da área. A configuração do assentamento da cidade é uma malha xadrez, modelo adotado na implantação das cidades espanholas, embora tenha se adaptado à topografia e se moldado a ela, assim como fizeram as cidades portuguesas em seu início.
Para proteger o então povoado, foi construída uma muralha, demolida posteriormente ao fim da Guerra dos Farrapos, ocasião em que deu-se início à segunda etapa de expansão do núcleo urbano. Neste momento, a cidade ultrapassou as barreiras iniciais, com a população se espalhando por áreas mais distantes dos centros – os arraiais – sendo então construído o primeiro aterro para abrigar a ampliação do Porto. A cidade começou a prosperar, resultando em várias novas construções representativas que até hoje são importantes na cidade, como o Mercado Público e o Teatro São Pedro.
O terceiro período de expansão, após a Proclamação da República em 1889, é marcado pela intenção dos gestores públicos de investir na modernização da cidade, embasado pelas teorias de reforma urbana aplicadas em Paris pelo Plano Haussmann e pelas ideias positivistas – que pregavam o progresso por meio da ordem, inclusive urbana.
Em 1914, o primeiro Plano Diretor da Cidade, o Plano Geral de Melhoramentos, pregou, como era característico dos planos da época, que os espaços públicos da cidade deviam ser ordenados a partir de grandes intervenções e novas obras viárias. Desta época é a construção do Viaduto Otávio Rocha, o edifício do MARGS, Memorial do Rio Grande do Sul, Paço Municipal e Palácio Piratini. O Cais Mauá, da mesma época, foi implantado em um segundo aterro, desta vez de proporção maior.
Enfim, em 1943, um novo plano diretor foi elaborado, ainda sob impacto da grande enchente de 1941. Amplamente influenciado pelos ideais modernistas, este plano criou um zoneamento na cidade, definiu usos, regulamentou alturas e instituiu taxas de ocupação dos lotes privados. Este plano teve grande impacto na economia da cidade, pois não permitia a adaptação de antigos prédios a novos usos; e na vida do cidadão comum, pois restringia a caminhabilidade na cidade, através da criação de avenidas expressas e grandes viadutos. Desta época também são a execução de novos aterros, prevendo a expansão do tecido urbano rumo a um novo eixo, a zona oeste da cidade.
A história de Porto Alegre é importante. Assim como tantas cidades brasileiras, nasceu híbrida e sofreu com limitações de crescimento, problemas sociais, espraiamento, legislações incoerentes, falta de planejamento, desrespeito ao meio ambiente e crescimento desordenado. Agora, diante do sofrimento do povo gaúcho, testemunhamos a incrível capacidade de solidariedade e apoio que apenas os brasileiros sabem oferecer, tanto individualmente quanto coletivamente. Nesse momento de união, compreendemos o verdadeiro papel dos centros urbanos: facilitar soluções e assistência de forma eficiente e concentrada em áreas densamente povoadas. Como bem destacou Jaime Lerner, “a cidade é o último refúgio da solidariedade”. Os centros urbanos, com sua alta densidade populacional, podem ampliar o impacto dos desastres, mas também são fundamentais para a logística de fornecer ajuda de forma rápida e abrangente.
Infelizmente, Porto Alegre tem uma situação geográfica que acentuou o desastre: O Guaíba é o local de encontro de águas continentais de várias origens, que desaguam no rio Guaíba. Um “corredor azul” de pequenos afluentes fluviais, riachos, córregos e rios desaguam ali e receberam, excepcionalmente, um volume absurdo de águas pluviais, funcionando como afluentes que aumentaram, em série, o volume da água. Porto Alegre recebeu tanto as águas pluviais em um volume extraordinário quanto um corredor de águas fluviais acentuado, todos concentrados no Lago Guaíba.
Em termos de desafios, a reconstrução será penosa. A estimativa é que a conta chegará no mínimo a 90 bilhões de reais, segundo especialistas, e deve-se pensar prioritariamente em reconstruir estradas e vias para todos os modais de transporte, além da infraestrutura elétrica e de saneamento. Esta conta não incluitoda a infraestrutura urbana e exclui itens importantes como pavimentação de ruas, execução e recuperação de moradias e reconstrução de parques fabris, por exemplo. Considera-se que metade da infraestrutura do Estado está danificada e deverá ser reconstruída. Claro que o planejamento agora possui uma variável importantíssima que há tempos já deveria ter sido levada em conta: a resiliência às mudanças climáticas. Estabelecer prioridades será primordial, assim como organizar as ligações físicas entre as áreas que ficaram inundadas, isso como ação emergencial. Em seguida, União, Estados e Municípios, empresários e sociedade civil, todos devem determinar a destinação dos recursos alocados para a reconstrução. É uma tarefa monumental.
Teorias e diferentes técnicas dentro da ciência do desenho urbano para conter inundações existem há tempos. O conceito das “cidades-esponja”, por exemplo, vem sendo implantado como ferramenta para distribuir e drenar água, controlando áreas alagadiças das grandes cidades.
Trata-se de uma técnica desenvolvida por cientistas e urbanistas chineses, que virou política nacional na China em 2013, e é aplicada com sucesso, sendo aprimorada ao longo dos anos. Um dos principais responsáveis pelo conceito é o Arquiteto Paisagista Kongjian Yu, que é internacionalmente reconhecido por projetos voltados para enfrentar e prevenir inundações urbanas no contexto de mudanças climáticas aceleradas.
Kongjian Yu produziu um livro didático para milhares de prefeitos da China, que aplicam e defendem esta abordagem.
Para ele, a paisagem urbana deve ser um local onde cada gota de água deve ser coletada e reutilizada – pontualmente. Portanto, ao invés de desviar a água da chuva através de sistemas de drenagem, o recurso deve ser absorvido e reaproveitado – como uma esponja. Isso significa aplicar a gestão de águas pluviais de maneira sustentável e correta através da utilização de algumas infraestruturas e ferramentas para ajudar a absorver água, quebrando a dependência da rede de escoamento urbano. A água pode ser reutilizada em época de seca ou em momentos de alguma necessidade de um maior volume de água no sistema de reuso de águas da cidade. Ou seja, a cidade trabalha todo ciclo hidrográfico: a precipitação, a captação, a gestão da água na superfície do solo, a infiltração e a recarga do lençol freático.
A cidade esponja tem dimensão chamada “multi-escalar” – ou seja, o projeto é pensado em escalas, que vão desde a grande bacia hidrográfica – o rio – até as sub-bacias e “micro bacias”, terminando em unidades menores de drenagem que abarcam o detalhe do escoamento no segmento da rua e na escala individual, representado pelos lotes e casas.
O projeto deste tipo de sistema prevê a criação de parques alagáveis, praças-piscinas, hortas comunitárias, jardins de chuva, paredes e coberturas verdes, zonas úmidas, vias verdes, bio valas e grandes bolsões de vegetação instalados ao longo de rios e lagoas – é um projeto integrado. A pavimentação da cidade deve ser feita com materiais permeáveis que permitam que a água alcance os lençóis freáticos; áreas verdes são projetadas em locais estratégicos, de maneira a absorver a água das chuvas.
Além destas ações pontuais, todos esses elementos podem ser aliados ao sistema viário das cidades e a edifícios já construídos, formando uma grande malha que funciona de maneira complementar e assim cumprindo uma agenda coletiva social, pensada para que o fluxo natural da água siga um curso já planejado e previsto, no caso de um volume de chuva acima do esperado.
Até agora, 16 cidades-piloto foram selecionadas para fazer parte de um programa nacional na China, que prevê a implantação do sistema, o acompanhamento da performance e análises constantes de resultados. As cidades chinesas hoje são obrigadas a manter 30% da cidade como espaço verde. Outros 30% são dedicados ao espaço comunitário.
Outros locais no mundo já adotam estas ações: Nova Iorque criou um parque alagável, o Hunter Point South Park para acomodar volumes provenientes de grandes chuvas; Bangcoc criou o Parque Centenário da Universidade de Chulalongkorn, dotado de infraestrutura verde para mitigar questões ecológicas prejudiciais; a China implementou o Parque Qunli para alimentar com água captada das chuvas as fontes de água da região, que estavam secando; Medellin, na Colômbia, criou um sistema de corredores verdes para diminuir as consequências das ilhas de calor que castigavam a população – foram implantados, ao longo de 18 estradas e 12 hidrovias, parques verdes lineares que reduziram o excesso de concreto e asfalto.
A cidade dinamarquesa de Frederiksberg utiliza em suas praças um tipo de concreto permeável; Roterdã, na Holanda, construiu em 2013 a praça Benthemplein para capacitar a zona urbana com um sistema de armazenamento da água de chuva – este complexo, desenvolvido pelo escritório de arquitetura De Urbanisten, é composto por três bacias: duas delas são subterrâneas e armazenam a água sempre que chove. A terceira é uma quadra de esportes abaixo do nível da rua que enche quando a chuva persiste.
Qualquer iniciativa voltada para a revitalização da cidade de Porto Alegre inevitavelmente requer uma compreensão mais aprofundada de uma abordagem específica para o planejamento urbano. O planejamento tradicional tem sido predominantemente impulsionado pelo crescimento populacional e focado no desenvolvimento econômico. No entanto, é chegada a hora de assimilarmos uma importante lição: é a paisagem que deve guiar nossos passos. Isso implica em compreender, incentivar e valorizar as infraestruturas ecológógicas como a espinha dorsal do desenvolvimento urbano. Este conceito deve servir como a base, o ponto de partida para uma reconstrução significativa. Em um mundo onde a sustentabilidade ambiental não pode mais ser negligenciada, é imperativo abandonar visões urbanas que não integram essa questão de forma central.
Salvaguardar o processo ecológico integrando a rede de águas pluviais, pensando em áreas de inundação, conservação e biodiversidade é hoje um dos pilares mais importantes para se pensar o futuro das nossas cidades.
* Duda Almeida é arquiteta e urbanista especializada em Desenho de Arquitetura Assistido por Computador pela UnB, com curso em Gestão de Projetos pela FGV e Mestre na área de concentração Urbanismo – Cidade e Habitação. Atualmente é sócia-proprietária do escritório Reis Arquitetura aqui na capital, mas já atuou como docente nas áreas de Teoria e História e Projeto de Arquitetura e Urbanismo e está se aventurando como autora de livros, tendo lançado recentemente a obra Desenho Urbano e Envelhecimento Populacional
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Fonte: Nacional
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Pesquisa revela que rios do Acre passaram a ser alternativas do tráfico internacional de drogas
Juruá e Acre, além de outros 12 rios da Amazônia, passaram a ser utilizados com mais frequência por causa da lei do abate de aeronaves. A ação do tráfico fez explodir a violência na Amazônia, incluindo o Acre
Tião Maia, ContilNet
O aumento na taxa de homicídios em Cruzeiro do Sul, no Vale do Juruá, o segundo maior município do Estado do Acre, no período de 2005 a 2020, foi como uma explosão em termos de violência: 595% em 15 anos.
A taxa saiu de 4,3, de 1996 a 2004, para 30, no período de 2005 a 2020, o segundo maior índice da região Norte do país. O primeiro ficou com Eirunepé, município do Amazonas, que tem uma população estimada em 33 mil habitantes. Entre 1996 e 2004, a média da taxa de homicídios de pessoas acima de 1 ano era de 3,7 por 100 mil habitantes. Mas, entre 2005 e 2020, esse número explodiu: 34 homicídios a cada 100 mil habitantes – um aumento vertiginoso de 819%.
Além de terem em comum a situação geográfica, Cruzeiro do Sul e Eirunepé, embora estejam em estados diferentes, são banhadas pelo mesmo rio, o Juruá, um dos afluentes do Rio Amazonas. Assim como esses dois, existem outros quatorze rios identificados por pesquisadores brasileiros como os “rios de cocaína”, por servirem de rota para o tráfico que envolve Brasil, Peru, Colômbia e Bolívia. São eles: Abunã, Acre, Amazonas, Caquetá, Envira, Içá, Japurá, Javari, Juruá, Madeira, Mamoré, Negro, Purus, Tarauacá, Uaupés e Xié.
O resultado da pesquisa está publicado na revista Piauí deste mês, com base em estudos sobre Interdição Aérea, Tráfico de Drogas e Violência na Amazônia Brasileira, produzido por pesquisadores do Insper e da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA-USP), com a participação do IZA (Institute of Labor Economics), da Alemanha.
Uma versão resumida em português foi divulgada nesta quinta-feira (30) pelo Amazônia 2030, iniciativa de pesquisadores brasileiros para desenvolver um plano sustentável para a Amazônia.
Cerco ao transporte de droga pelo ar fez aumentar uso dos rios, mostra pesquisa
De acordo com a publicação, a hipótese para o aumento da violência que atinge pequenos municípios na região amazônica banhados por essas águas tem uma explicação: com o cerco aos aviões, intensificou-se o uso de barcos no escoamento da droga.
A mudança no transporte do entorpecente aconteceu depois de 2004, ano em que o governo brasileiro colocou em prática uma política de interdição aérea, aprovada ainda em 1998. Com a nova lei, a Força Aérea Brasileira (FAB) foi autorizada a abater aeronaves suspeitas de transportar drogas vindas dos países vizinhos. Assim, a migração para os rios foi uma estratégia dos criminosos para fugir da fiscalização policial.
O escoamento pela água, um meio de deslocamento mais demorado, exige uma dinâmica própria e influencia as comunidades atingidas, argumentam os estudiosos. Os longos trajetos, por exemplo, levam os criminosos a empregarem diferentes barqueiros, contratarem pessoas para fazer a segurança do carregamento, fornecer equipamentos, estocar a droga, entre outras funções. “Isso acaba trazendo a atividade ilegal para uma proximidade muito maior com a população local”, diz Rodrigo R. Soares, professor titular da cátedra Fundação Lemann no Insper e líder da pesquisa.
Mudanças na logística fizeram explodir a violência em cidades ribeirinhas
As estimativas do estudo indicam que a mudança na logística para movimentar a droga ocasionou, entre 2005 e 2020, 27% do total de 5.337 mortes em 67 cidades da região Oeste da Amazônia margeadas pelos dezesseis “rios de cocaína”. Elas têm menos de 100 mil habitantes, estão longe das grandes cidades e do cruzamento de rodovias, o que diminui as chances de as mortes estarem relacionadas a disputas fundiárias ou desmatamento ilegal. A prevalência de óbitos acontece entre homens de 20 a 49 anos, por uso de arma de fogo ou faca.
Os estudos mostram que o Brasil possui cerca de 8 mil km de fronteira com três países que concentram o plantio de coca na região, que está dividido da seguinte forma: Colômbia (61%), Peru (26%) e Bolívia (13%), segundo o relatório mundial do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC, na sigla em inglês). Até o começo dos anos 2000, as principais rotas de escoamento passavam pela América Central e Caribe ou iam diretamente para norte-americanos e europeus, onde estão os maiores compradores.
A Amazônia brasileira começou a aparecer nesse mapa em meados dos anos 2000. O Brasil, que até então figurava na décima posição em volume de cocaína apreendida, atualmente é o terceiro colocado, atrás de Estados Unidos e Colômbia, apontam dados da UNODC de 2021. Foi nessa mesma época que o governo brasileiro investiu para aumentar o controle das fronteiras e do espaço aéreo na Amazônia, que abriga a maior floresta tropical do planeta e tem baixa densidade populacional: cerca de 5,6 habitantes por km².
Uma das medidas para inibir o tráfico veio em 2004 com a chamada Lei do Abate. A medida foi sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva após uma longa discussão no Congresso e com as Forças Armadas. A lei sinalizava que o governo estava disposto a “combater, com as armas adequadas, a invasão de nossas fronteiras por quadrilhas internacionais de narcotraficantes”, afirmou o então ministro da Defesa, José Viegas Filho.
Àquela altura, o país montava uma infraestrutura própria para agir nesse campo – havia pouco controle sobre o espaço aéreo da Amazônia, o que facilitava voos carregados de drogas vindos de países andinos. Em 2002, o Sistema de Vigilância da Amazônia e o Sistema de Proteção da Amazônia (Sivam/Sipam) entraram em operação sob a justificativa de aumentar a vigilância e o controle do tráfego aéreo, das fronteiras, monitorar comunicações clandestinas, rotas de tráfico e contrabando, além de identificar pistas escondidas e garimpos ilegais. Anos mais tarde, em 2005, o Quarto Centro Integrado de Defesa Aérea e Controle de Tráfego Aéreo (Cindacta IV) iniciava suas atividades em Manaus.
Assim que a Lei do Abate passou a valer, a FAB diz ter registrado uma redução imediata de 32% no número de voos irregulares. O primeiro relato de interceptação de avião suspeito veio a público em 2009, quando uma aeronave vinda da Bolívia foi alvo de disparos de advertência pelos militares brasileiros após o piloto se negar a obedecer. Depois dos tiros, o avião, que carregava 176 kg de pasta base de cocaína, pousou numa estrada de terra em Rondônia.
O estudo liga a interdição aérea ao volume da droga apreendida. Com a migração de parte do comércio ilegal para os rios e estradas, o Brasil dobrou a quantidade de cocaína detida por mar, terra e ar entre 2004 e 2005: foi de 7,7 toneladas para 15,7 toneladas, segundo estatísticas divulgadas pela Organização das Nações Unidas (ONU) à época.
No entanto, a estratégia usada para dificultar o tráfico de drogas pelo ar pode ter estimulado um novo problema. Segundo o estudo dos pesquisadores brasileiros, a geografia da floresta favoreceu a rápida adaptação do narcotráfico. A análise indica que a violência nas cidades ao longo das vias acessadas mudou de padrão depois da Lei do Abate. O estudo também aponta o aumento de mortes por overdose, sinalizando maior presença de drogas em circulação. “Observamos que diversos municípios com zero casos de overdose antes de 2005 passaram a ter episódios esporádicos desde então”, afirmam os pesquisadores, alertando ainda para a provável subnotificação de casos.
Disputa pelo monopólio do tráfico na região entre facções criminosas
Os pesquisadores alertam que é praticamente impossível enfrentar o problema numa região do tamanho da Amazônia, maior que a União Europeia, apostando só na presença ostensiva da polícia ou das Forças Armadas. “Tem que pensar em algum uso de tecnologia que seja capaz de acompanhar isso e gerar alertas que acionem uma reação”, sugere a pesquisa, citando drones, radares móveis e melhor coordenação entre os órgãos de fiscalização e autoridades dos países vizinhos. Outra ação vital é oferecer às comunidades locais alternativas que gerem renda, preservem a floresta e o modo de vida tradicional, a fim de evitar o envolvimento dos moradores com o narcotráfico e impedir possível “entrincheiramento de algum grupo criminoso ali na região que consiga um monopólio”.
A disputa pelo monopólio do tráfico de drogas na Amazônia sugerida pela pesquisa foi diagnosticada pelo Fórum de Segurança Pública em um relatório de 2022, citado no estudo sobre os “rios de cocaína”. A análise do Fórum abordou o interesse de facções do Sudeste, como o Comando Vermelho, do Rio de Janeiro, e o Primeiro Comando da Capital, o PCC, de São Paulo, pelo controle da região entre 2015 e 2016. O relatório cita ainda que “algumas facções locais compreenderam melhor os mecanismos de funcionamento das redes ilegais através da Amazônia”.
Esse fenômeno suscitou o surgimento de organizações regionais, como a Família do Norte, no Amazonas. Cientes disso, os estudiosos do Insper e da USP compararam os homicídios ocorridos após 2015, tentando identificar algum aumento de óbitos a partir da interferência das facções. Os números mostram que a taxa de mortes se manteve similar durante todo o período a partir de 2004, quando a restrição aérea foi implementada.
Por fim, os pesquisadores ressaltam que, além dos esforços brasileiros para conter o crime organizado, é imprescindível uma cooperação internacional, “principalmente na região andina, para garantir uma abordagem coordenada ao tráfico de cocaína, com maior troca de informações e práticas de segurança transnacional”.
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Com repasses de R$ 32,5 milhões, Acre chegou a 98% de execução de recursos da Lei Paulo Gustavo, diz governo federal
Rio Branco foi o grande protagonista, com R$ 3,15 milhões aplicados em projetos audiovisuais
O Acre foi um dos estados que mais se destacou na execução dos recursos da Lei Paulo Gustavo, com mais de 98% do montante recebido sendo investido na cultura local. Ao todo, o estado e seus 22 municípios executaram R$ 32,5 milhões, sendo R$ 23,86 milhões direcionados ao setor audiovisual e R$ 8,68 milhões para diversas outras manifestações culturais, como música, dança, pintura e artes digitais.
Entre os municípios acreanos, Rio Branco foi o grande protagonista, com R$ 3,15 milhões aplicados em projetos audiovisuais e R$ 1,27 milhão em outras áreas culturais. As cidades de Cruzeiro do Sul, Sena Madureira, Tarauacá e Feijó também se destacaram na execução dos recursos, contribuindo para o fortalecimento da cultura no estado.
A Lei Paulo Gustavo, sancionada em 2022, foi criada para apoiar o setor cultural durante a pandemia de Covid-19. Inspirada no legado do humorista Paulo Gustavo, que faleceu em decorrência da doença, a lei destinou recursos a estados, municípios e ao Distrito Federal, com o objetivo de ajudar artistas e produtores culturais a manterem suas atividades durante a crise. Com uma execução recorde, a lei se consolidou como o maior investimento direto na cultura na história do Brasil, promovendo o fortalecimento da economia criativa e a valorização das expressões culturais locais.
A ministra da Cultura, Margareth Menezes, fez questão de ressaltar a importância da Lei Paulo Gustavo para o desenvolvimento cultural e social do Brasil. “A lei é responsável pelo desenvolvimento econômico, social e artístico ao injetar recursos financeiros nos municípios e estados, gerando emprego, renda e dignidade para o nosso povo. A cultura está diariamente na vida dos brasileiros, e por isso leis de incentivo, como a Paulo Gustavo, são fundamentais para fomentar e evidenciar a diversidade da nossa gente e as diferentes formas de se fazer cultura”, afirmou.
Em nível nacional, os recursos da Lei Paulo Gustavo somaram R$ 3,93 bilhões, o maior investimento na história do país para o setor cultural. Com uma execução recorde de 95% dos recursos, a lei se consolidou como um importante pilar de apoio à cultura, especialmente em um momento tão desafiador como a pandemia de Covid-19.
O Acre, ao lado de outros estados que também se destacaram, como o Espírito Santo e o Paraná, é exemplo de como a aplicação desses recursos tem gerado impacto positivo na economia e na vida das pessoas. A execução eficiente no estado mostra como é possível investir em cultura e fortalecer a identidade local, ao mesmo tempo em que se geram novas oportunidades para a população.
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Governo Federal propõe expansão do crédito consignado para trabalhadores do setor privado
Para viabilizar essa nova modalidade de crédito, o governo deve editar uma Medida Provisória (MP) ainda em fevereiro, embora o prazo exato ainda não tenha sido definido. Existe também a possibilidade de enviar um projeto de lei para o Congresso Nacional
O Governo Federal anunciou a criação de uma proposta legislativa que visa expandir o acesso ao crédito consignado para os cerca de 42 milhões de trabalhadores com carteira assinada (CLT) no Brasil, especialmente aqueles com dificuldades de acesso a este tipo de financiamento. A principal novidade da proposta é a criação de uma plataforma que permitirá aos bancos e instituições financeiras consultar diretamente o perfil de crédito dos trabalhadores por meio do eSocial, o sistema eletrônico obrigatório que reúne informações trabalhistas, previdenciárias e fiscais dos empregados de todo o país.
O crédito consignado, uma das modalidades de empréstimo mais populares no Brasil, tem as parcelas descontadas diretamente da folha de pagamento do devedor. Essa modalidade oferece juros mais baixos em comparação com outros tipos de crédito, sendo amplamente utilizada por servidores públicos, aposentados e pensionistas do INSS. Atualmente, a legislação permite que trabalhadores com carteira assinada acessem o crédito consignado, mas a exigência de convênios entre empresas e bancos dificulta a adesão de pequenas e médias empresas, limitando o acesso ao serviço.
O projeto foi discutido em uma reunião com o presidente Lula, os ministros Haddad e Luiz Marinho, além dos presidentes de cinco dos maiores bancos públicos e privados do país, incluindo Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, Bradesco, Itaú e Santander. Durante o encontro, ficou claro que a proposta busca eliminar a necessidade de convênios entre as empresas e os bancos, facilitando a oferta de crédito para trabalhadores de diversos setores, independentemente do porte da empresa em que trabalham.
Para viabilizar essa nova modalidade de crédito, o governo deve editar uma Medida Provisória (MP) ainda em fevereiro, embora o prazo exato ainda não tenha sido definido. Existe também a possibilidade de enviar um projeto de lei para o Congresso Nacional, conforme indicou o ministro do Trabalho, Luiz Marinho.
As regras sobre o limite do crédito consignado, como o teto de 30% da renda mensal do trabalhador comprometida com o empréstimo, deverão permanecer inalteradas. Além disso, os trabalhadores poderão utilizar até 10% do saldo do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) e a multa por demissão sem justa causa para o pagamento das parcelas, caso se desliguem da empresa.
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