Brasil
A Persistência na falta
“O problema do governo não é a falta de persistência”, dizia nos anos 1940 o humorista Aparício Torelly, o Barão de Itararé. “É a persistência na falta”. O aforismo, que surgiu como uma crítica ao governo de Eurico Gaspar Dutra, serve agora, quase 80 anos depois, para pontuar as ações de política internacional do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. É difícil encontrar entre as escolhas recentes do Itamaraty uma, apenas uma ação, que não seja manchada por algum equívoco de natureza ideológica. E mesmo aquelas que, no primeiro momento, parecem orientadas pelo pragmatismo que sempre marcou a diplomacia brasileira, logo expõem a nódoa das escolhas malfeitas.
Na sexta-feira passada, em entrevista à rádio Gaúcha, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva acrescentou mais uma pérola ao extenso colar de impropriedades que tem cometido no campo internacional. O tema, claro, foi a Venezuela. Ao se referir ao país vizinho, Lula disse que “a Venezuela vive um regime muito desagradável. (…) É um governo com viés autoritário, mas não é uma ditadura como a gente conhece tantas ditaduras nesse mundo”. Bem… se a Venezuela não vive uma ditadura, esse conceito merece uma revisão profunda por parte da ciência política.
Palavras como essas incomodam, mas não surpreendem aos que acompanham o caminho do governo em matéria de política internacional. As maiores fontes de preocupação do mundo neste momento — pela insistência em criar confusão e pela mania de não assumir a responsabilidade pelos problemas que criam — são justamente as três ditaduras (ou, se preferir, “regimes desagradáveis”) que o governo trata como aliados preferenciais. Onde há bafafá, pode ter certeza: ou a Rússia, ou o Irã, ou a Venezuela ou os três juntos estão mergulhados até o pescoço. Isso pôde ser visto com clareza na semana passada, quando “los tres amigos” voltaram com destaque ao noticiário.
A diplomacia da cerveja
Não custa recordar algumas declarações feitas no passado para perceber o estrago que esse comportamento tem causado aos interesses do Brasil. Quando Lula voltou ao poder, em janeiro de 2023, fazia quase um ano que Vladimir Putin tinha açulado seus exércitos contra uma Ucrânia que, à primeira vista, seria presa fácil. A impressão era a de que a horda de cossacos do ditador não enfrentaria resistência em suja marcha sobre a capital Kiev. Não foi o que aconteceu.
O conflito chegou a um momento de impasse — sem que Putin manifestasse a intenção de recuar nem Zelensky mostrasse disposição para capitular. A diplomacia brasileira, então, passou a agir como se a responsabilidade pela guerra tivesse que ser compartilhada entre o agredido e o agressor. “Essa guerra, por tudo que eu compreendo, leio e escuto, seria resolvida aqui no Brasil numa mesa tomando cerveja. Se não na primeira, na segunda, se não, na terceira. Se não desse na terceira, ia até acabar as garrafas para um acordo de paz”, disse Lula diante de uma plateia de estudantes em uma de suas mais conhecidas manifestações sobre o conflito.
As palavras do presidente podem até ser tomadas como anedota. De mau gosto, mas, de qualquer forma, anedota. Mas as declarações de seu assessor para assuntos internacionais, Celso Amorim, devem ser levadas a sério pelo perigo que representam para a posição do Brasil no mundo. Desde que voltou a falar em nome da diplomacia brasileira e, na prática, a mandar no Itamaraty, Amorim não tem medido esforços para alinhar o Brasil com as ditaduras mais abjetas do mundo — e isso, é claro, gera uma conta que será cobrada do país mais adiante.
No caso do conflito na Ucrânia, as posições defendidas por Amorim não passam da tradução para o português daquilo que o ditador Putin diz sobre a guerra no idioma de Dostoiévski. Entre as declarações do assessor sobre o conflito, uma, em especial, chama a atenção. Segundo ele, usando palavras de Putin como se fossem suas, qualquer solução para a guerra deveria levar em conta o direito da Rússia se defender de agressões. Sem jamais mencionar, é claro, que as agressões tinham ordenadas justamente por Moscou.
Na mesma moeda
As posições de Amorim sobre a guerra iniciada pela Rússia contribuíam para empalidecer a imagem do Brasil diante das grandes democracias. Na medida em que as potências ocidentais se uniam em torno da Ucrânia, mais o Brasil se afastava de seus aliados tradicionais. Ou melhor, mais os aliados tradicionais viravam as costas e dificultavam os acordos que beneficiassem o Brasil.
A guerra prosseguiu, com um saldo assustador de vidas perdidas desde a invasão, sem que Putin alcançasse seu objetivo de subjugar Zelensky nem Zelensky demonstrasse a intenção de ceder. E tudo parecia prosseguir sem novidades até que, na segunda-feira da semana passada, houve um fato surpreendente: cerca de mil combatentes ucranianos invadiram o território russo e tomaram algumas povoações menores na região de Kursk. Ou seja, o agressor passou a ser agredido em seu próprio quintal.
Putin, é claro, reproduziu o roteiro seguido por qualquer ditador contrariado: ficou furioso, enfezado, colérico, descontrolado! Prometeu retaliar e é bem provável que nos próximos dias empurre o inimigo de volta para o território ucraniano. Mas, por menor que tenha sido a incursão, a devolução na mesma moeda da agressão sofrida há dois anos e meio já foi suficiente para que o mundo passasse a enxergar o ditador com olhos diferentes do que enxergava nos dias seguintes à invasão da Ucrânia.
O tirano ainda tem poder e é capaz de causar muito sofrimento não só à população dos territórios sob o jugo de seus exércitos, mas também a seu próprio povo. Mas, cada dia a mais na duração de um conflito que deveria ter se revolvido antes de completar um mês significa um ponto a menos na imagem de líder indestrutível que Putin sempre fez questão de ostentar. E ter se posicionado desde o início do lado errado do conflito (numa postura que, por sinal, era a mesma do governo de Jair Bolsonaro) em nada contribui para melhorar a imagem do Brasil perante o mundo.
Apoio a estupradores
Outra fonte permanente de preocupações para o mundo é o Irã. Na terça-feira passada, os aiatolás que conduzem o país com mão de ferro desde a revolução islâmica de 1979, apedrejam gays e açoitam mulheres que não se cobrem direito com o véu muçulmano, responderam com um sonoro não a um aceno de paz feito na véspera pelos governos dos Estados Unidos, França, Itália, Alemanha e Reino Unido. As potências ocidentais queriam que o país persa abandonasse a ideia de atacar Israel como retaliação ao ataque que, semanas atrás, eliminou o chefe terrorista Ismail Haniyeh — um dos chefes da facção Hamas.
O Brasil é um dos poucos países do mundo que se relaciona com o Irã como se ali reinasse a mais perfeita normalidade democrática. O país foi, por exemplo, o fiador da inclusão do país persa nos Brics. O anúncio do ingresso desse e de outros novos integrantes no bloco dos países que procuram medir forças comerciais e geopolíticas com os Estados Unidos e a União Europeia foi feito em agosto do ano passado, poucas semanas antes do ataque dos terroristas do Hamas contra Israel, no dia 7 de outubro de 2023.
O que tem o ataque do Hamas a ver com a amizade entre o Brasil e o Irã? Aparentemente, nada. Mas, quem reparar direito notará que esse tipo de companhia tem contribuído para afastar cada vez mais o Brasil de parceiros que podem ser muito mais úteis no futuro. Financiado e acobertado pelo Irã, o grupo terrorista foi responsável pela ação dos criminosos que cruzaram a fronteira e se puseram a degolar crianças, estuprar mulheres, pisotear idosos e sequestrar os civis que encontrassem pelo caminho. Deixar aquela agressão cruel sem uma resposta à altura seria uma atitude inaceitável. Israel reagiu. Deu início à guerra que dura até hoje e parece não ter hora para acabar.
O Irã, claro, nunca escondeu seu apoio ao Hamas, com quem compartilha o objetivo de aniquilar Israel e eliminar os judeus da face da terra. O governo brasileiro, embora tenha sido levado a condenar o atentado diante crueldade extrema praticada pelo Hamas, não demorou a mudar de posição — e logo passou a acusar Israel por estar reagindo com rigor excessivo contra os civis que os terroristas utilizaram como escudos humanos desde o início.
Ataque cirúrgico
Assim como o conflito na Ucrânia, a cobertura da guerra no Oriente Médio andava meio escondida no noticiário brasileiro até dias atrás. Desde o 7 de Outubro, Israel se manteve à caça de seus inimigos e um dos nomes que estava em sua mira era o de Ismail Haniyeh — um dos chefes do grupo terrorista. Considerado o chefe das articulações “políticas” do grupo, ele vivia protegido e cercado de luxo no Catar. E embora não fosse representante de um Estado reconhecido pela comunidade internacional, foi recebido com honras quando chegou a Teerã para acompanhar a posse de Masoud Pezeshkian na presidência da República.
Haniyeh foi tratado, na ocasião, com mais deferência do que o vice-presidente do Brasil, Geraldo Alckmin — que participou da cerimônia como representante do presidente Lula. Ao final do evento, Alckmin retornou ao Brasil e Haniyeh, que permaneceu em Teerã, se refugiou num bunker utilizado como abrigo de terroristas. Foi ali que foi alcançado pelo ataque que o matou.
O governo de Israel jamais assumiu a autoria da operação que eliminou o terrorista. Nos bastidores da comunidade internacional de inteligência circula a desconfiança de que, diante da precisão de um ataque em que, além de Haniyeh, apenas um guarda-costas perdeu a vida, a ordem pode não ter partido do governo de Jerusalém. Ataques como esse costumam ser mais destrutivos e ter menos precisão — e uma das hipóteses seria a de que havia dentro do próprio Irã rivais interessados em se livrar de Haniyeh.
Seja como for, o aiatolá Ali Khamenei — que comanda o esforço destinado a arrastar o Irã de volta à Idade Média — se mostrou tão irritado com o ataque quanto Putin ficou diante da invasão da Rússia pela Ucrânia. Chegou, logo nos dias seguintes, a ordenar despachar contra Israel drones rechaçados com facilidade pela defesa aérea. Mas manteve a ameaça de retaliar e não recuou nem diante do pedido das potências ocidentais para que não levasse a ideia adiante.
Colapso Definitivo
A ameaça de Putin e Khamenei de reagir às agressões de seus adversários com uma força muito maior do que a que foi lançada contra eles não surpreende. Ditadores, de um modo geral, têm o hábito de transferir para os inimigos a responsabilidade pelos desastres que eles mesmos provocam. Outro exemplo nesse sentido vem justamente da terceira maior fonte de preocupação que a humanidade tem nesse momento. E o responsável por ela é o caudilho Nicolas Maduro, o homem que não mede esforços para concluir o trabalho iniciado por Hugo Chavez e enterrar na miséria de uma vez por todas aquele que um dia foi um dos países mais prósperos da América Latina.
Cada vez mais indefeso diante das atrocidades de uma ditadura que se aferra ao poder com unhas e dentes, o povo da Venezuela continua sofrendo sob o tacão do verdugo. Sonhando em se legitimar no poder por mais seis anos (como se a Venezuela ainda tivesse forças para resistir por tanto tempo sem sofrer um colapso definitivo), Maduro resolveu convocar eleições. Se cercou de todas as precauções antes de chamar os eleitores às urnas. Afastou do caminho os adversários com mais chances de derrotá-lo, mandou prender opositores que ousaram desafiá-lo e escreveu ele mesmo as regras que pareciam feitas sob medida para assegurar uma vitória esmagadora. Só que não.
Nos últimos dias, o governo brasileiro, com Amorim encarregado pela condução das iniciativas, vem se esforçando para manter o apoio incondicional que sempre deu à ditadura de Maduro. Cada vez mais isolado na condição de fiador da tirania, o Itamaraty fez bem ao não reconhecer de imediato o resultado das eleições em que Maduro se declarou vencedor antes mesmo da conclusão da contagem dos votos.
O papel mais ridículo, nesse episódio, coube ao Partido dos Trabalhadores — que emitiu nota de apoio tão logo Maduro se autoproclamou vencedor de um pleito que, como todas as evidências indicavam, foi vencido pelo oposicionista Edmundo Gonzáles. O governo brasileiro preferiu esperar. E condicionou o reconhecimento do resultado à apresentação das atas elaboradas pelas seções eleitorais. E continua insistindo nesse ponto mesmo sabendo que, se Maduro quisesse ou tivesse o que mostrar para comprovar a lisura do resultado, teria feito isso desde o início.
Anão diplomático
O que Maduro faz ou deixa de fazer para defender um resultado em que nem ele mesmo acredita, é problema dele e de seu governo. Mas, em busca de uma saída para um problema criado pela insistência em tratar a Venezuela como uma democracia mesmo quando o mundo inteiro sambe que aquilo não passa de uma tirania da pior espécie, Amorim lançou uma dessas ideias que têm contribuído para alimentar a fama de anão diplomático que tem cercado o Brasil no cenário mundial.
O chanceler de facto do Brasil foi o primeiro a sugerir que o resultado das eleições de 28 de julho fosse esquecido e um novo pleito fosse convocado para decidir quem governará a Venezuela a partir de 10 de janeiro de 2025, quando se encerrar o mandato do ditador. A líder oposicionista Maria Corina Machado reagiu. Cobrou respeito ao povo venezuelano, lembrou que a oposição se submeteu às regras criadas pela ditadura e mesmo assim venceu as eleições — como comprovam os dados já reconhecidos como verdadeiros pelos Estados Unidos e pela Europa.
O governo brasileiro — sabendo que a sujeira de Maduro respinga cada vez mais sobre sua imagem — vem procurando se afastar da Venezuela. Mas o buraco que cavou para si mesmo com essa insistência em apoiar o ditador é tão profundo que já não é mais possível simplesmente lavar as mãoes e fingir que está tudo normal no país vizinho, como Lula tentou fazer no primeiro momento.
Amorim não consegue esconder que procura dar ao caudilho que o chama de “meu amigo” a chance de permanecer no poder. E Lula vai pelo mesmo caminho. Em entrevista a uma emissora de rádio do Paraná, o presidente disse que “ainda” não reconhece a vitória de Maduro nas eleições. “Eu não quero me comportar de forma apaixonada ou precipitada. Eu quero o resultado”, disse o presidente brasileiro.
O fato é que, assim como não reconhece o Hamas como grupo terrorista, o governo brasileiro insiste em tapar o sol com a peneira e não considerar a Venezuela uma ditadura. Em nome de levar adiante essa ideia, o Brasil liderou a formação de um bloco também integrado pelo México e pela Colômbia que se comprometeu com a procura de uma saída negociada para um impasse que só se encerrará no dia em que Maduro admitir sua derrota e deixar o poder.
Lula, porém, acredita que um “governo de coalizão” sob a liderança do ditador seja capaz de conduzir a Venezuela à normalidade. A ideia é tão absurda que, no país vizinho, foi rechaçada tanto pela oposição quanto pela situação.
O governo do México, por mais esquerdista que se declare, achou prudente não contrariar a posição dos Estados Unidos e se retirou do bloco que defende a tal “solução negociada” que o Brasil ainda imagina ser possível com Maduro. Os interesses comerciais com a maior potência do mundo falaram mais alto e o México resolveu não contrariar a posição norte-americana de reconhecimento à vitória de Gonzáles. A Colômbia, que também não quer comprometer suas boas relações econômicas com os Estados Unidos, também já deu sinais de cansaço e indicou que deve abandonar o bloco criado por Lula e deixar o Brasil sozinho em sua insistência de encontrar uma saída honrosa para o ditador.
É triste ver a diplomacia brasileira, que já foi considerada uma das mais eficientes do mundo, ter seu nome manchado pela condução ideológica que vem recebendo nos últimos anos. É triste ver os interesses do país — que tem muito a lucrar caso consiga manter desimpedidos os canais de diálogo com as grandes democracias — cada vez mais subordinados a dogmas terceiro-mundistas que já eram velhos no final do século passado. A esperança de que o país mude a condução de sua diplomacia e retorne ao tempo em que os interesses do país eram postos à frente da ideologia do governo está cada vez mais distante. E o problema do Brasil, para lembrar a frase citada no primeiro parágrafo deste texto, continuará não sendo a falta de persistência. Mas a persistência na falta.
Fonte: Nacional
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Governo devolve mais de R$ 17,9 milhões a aposentados do Acre com descontos não autorizados do INSS
23.813 segurados acreanos foram ressarcidos; acordo nacional já repassou R$ 2,74 bilhões a 4 milhões de brasileiros. Adesão ainda está aberta e é gratuita

Os depósitos são realizados diretamente na conta onde o beneficiário recebe o benefício previdenciário, corrigidos pela inflação (IPCA) e sem necessidade de processo judicial. Foto: ilustrativa
O Governo Federal já devolveu R$ 17,97 milhões a 23.813 aposentados e pensionistas do Acre que tiveram descontos associativos não autorizados em seus benefícios do INSS. No país, o acordo já beneficiou 4 milhões de brasileiros, com um total de R$ 2,74 bilhõesdevolvidos até esta semana.
O ressarcimento é feito diretamente na conta do beneficiário, com correção pelo IPCA, sem necessidade de processo judicial. Os valores referem-se a descontos realizados entre março de 2020 e março de 2025 por entidades que não comprovaram autorização formal.
Quem pode aderir:
-
Beneficiários que contestaram descontos e não receberam resposta em 15 dias úteis.
-
Quem obteve respostas irregulares, como assinaturas falsas ou gravações de áudio como “comprovação”.
-
Segurados com ações judiciais em andamento (é necessário desistir do processo para entrar no acordo).
O procedimento é gratuito, rápido e totalmente online, sem exigência de envio de documentos. Além do valor descontado, o INSS também pagará honorários advocatícios de 5% em ações individuais que forem encerradas para aderir ao acordo.
O governo reforça que os segurados verifiquem extratos e descontos recorrentes e busquem o ressarcimento caso identifiquem cobranças indevidas. O prazo para adesão segue aberto.
Critérios de elegibilidade
- Descontos indevidos entre março de 2020 e março de 2025
- Contestação sem resposta da entidade em 15 dias úteis
- Respostas irregulares (assinaturas falsificadas, gravações como comprovante)
- Ações judiciais em andamento (necessário desistir para aderir)
Processo de adesão
- Gratuito e rápido
- Sem envio de documentos
- Honorários advocatícios: 5% para ações individuais encerradas
Recomendação oficial
- Verificação: Segurados devem checar origem de descontos recorrentes
O acordo representa esforço do governo para resolver em massa uma questão que sobrecarregava a Justiça com milhares de ações individuais. No Acre, onde a população idosa depende fortemente dos benefícios previdenciários, o ressarcimento traz alívio financeiro significativo para milhares de famílias.
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Construção de casas populares no Acre tem novo atraso e entrega só em janeiro de 2026
Governo rescindiu contratos com empreiteiras por descumprimento de prazos; obras da Cidade do Povo, em Rio Branco, são as mais afetadas

A Sehurb informou que, em razão da necessidade de recontratação das empresas, a entrega das unidades da Cidade do Povo deverá ocorrer apenas na segunda quinzena de janeiro de 2026, sem possibilidade de antecipação. Foto: captada
A entrega de casas populares no Acre sofreu novos atrasos em 2025, e a previsão de conclusão das primeiras unidades, principalmente no bairro Cidade do Povo, em Rio Branco, só deve ocorrer na segunda quinzena de janeiro de 2026. A Secretaria Estadual de Habitação e Urbanismo (Sehurb) atribui o problema ao descumprimento contratual pelas empreiteirasresponsáveis, o que levou à rescisão dos contratos e à abertura de nova licitação.
O atraso acontece mesmo com recursos federais já liberados pelo Ministério das Cidades para a construção de 3.573 unidades habitacionais no estado, pelo Programa Minha Casa, Minha Vida. Além de Rio Branco, o programa prevê moradias em Plácido de Castro (25), Feijó (25) e Tarauacá (50), além de 383 novas casas na Cidade do Povo com recursos do Pró-Moradia.
A Sehurb informou que o pagamento às construtoras foi feito conforme medição da Caixa, descartando atrasos financeiros como causa. Agora, a recontratação das empresas é necessária para garantir qualidade e segurança nas obras.
Enquanto isso, o cadastro de interessados segue aberto pelo Sistema de Habitação (Sishabi), plataforma digital que já registra cerca de 26.716 inscrições só em Rio Branco. A secretaria reforça que as inscrições são apenas online e visam transparência e acesso simplificado aos programas habitacionais.
O Sindicato da Indústria da Construção Civil (Sinduscon) ainda não se posicionou sobre os atrasos. A situação expõe a dificuldade crônica na execução de obras públicas no estado, mesmo com verba federal garantida.

De acordo com a Secretaria Estadual de Habitação e Urbanismo (Sehurb), nenhuma das empresas contratadas conseguiu executar os serviços dentro dos prazos estabelecidos. Foto: captada
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Saúde pública foi tornada refém do uso político de emenda parlamentar
Até 2013, as emendas parlamentares representavam apenas 0,8% do orçamento do Ministério da Saúde. Hoje, esse índice saltou para 12%, um crescimento exponencial que desequilibra o planejamento nacional

Atendimento de paciente com Covid-19: saúde pública dependente de emenda parlamentar. Foto: Ingrid Anne/Semcom
O financiamento do SUS (Sistema Único de Saúde) vive um momento crítico de disputa política e orçamentária e as emendas parlamentares, que foram um mecanismo complementar de investimento, transformaram-se, na última década, em uma fatia gigantesca e decisiva do orçamento da saúde pública no Brasil.
Para avaliar como a dependência de emendas pode impactar no planejamento do SUS, conselheiras e conselheiros nacionais de saúde, juristas, economistas e especialistas se reuniram para o Seminário “Financiamento e impacto das emendas parlamentares no SUS”, realizado no dia 3 de dezembro, em Brasília, pela Comissão Intersetorial de Financiamento e Orçamento (Cofin/CNS).
Os participantes alertaram que a política de financiamento foi descontextualizada do planejamento sanitário, tornando-se refém de uma lógica de austeridade fiscal e de interesses políticos via emendas parlamentares. A discussão, longe de ser apenas contábil, refletiu sobre a disputa entre capital e trabalho em que o subfinanciamento atua como um mecanismo de fragilização do direito à vida.
Lenir Santos, especialista em direito sanitário e integrante da Cofin/CNS recordou que desde o lançamento da Declaração de Alma-Ata, em 1978, e a criação das Ações Integradas de Saúde (AIS), o Brasil luta para consolidar um orçamento condizente para as políticas públicas de saúde.
“A Constituição Federal de 1988 trouxe avanços, mas também frustrações. Originalmente, previa-se que 30% do orçamento da Seguridade Social fosse destinado à saúde, mas, na prática, recursos foram desviados para outras ações, como assistência social e educação, gerando crises de pagamento na rede contratada desde o início do sistema”, relembrou Lenir.

Pacientes em busca de atendimento em hospital de Manaus: longas filas e espera. Foto: Divulgação
Essa fragilidade histórica, segundo o especialista, foi agravada pela própria estrutura tributária brasileira, segundo o economista e consultor do CNS, Francisco Funcia. Ele destacou que a Constituição Federal de 1988, embora tenha descentralizado a execução das políticas públicas, manteve a arrecadação centralizada.
De tudo que se arrecada de impostos no Brasil, 69% são relativos aos tributos federais (ex.: Imposto de Renda), 25% são tributos estaduais (ex.:ICMS) e 6% são tributos municipais (ex.:IPTU). Após as transferências intergovernamentais, chegamos ainda em uma centralização, ou seja, mesmo após a União repassar parte da arrecadação para estados e municípios, 57% da receita disponível ainda está no âmbito da União, 25% nos estados e 18% nos municípios.
Essa disparidade cria uma asfixia financeira nas prefeituras, que dependem visceralmente das transferências constitucionais e voluntárias. Para o economista, é neste vácuo de recursos que as emendas parlamentares ganharam força política: diante da escassez, prefeitos buscam parlamentares para garantir o funcionamento básico de seus sistemas locais, criando uma relação de dependência”, avaliou.
Os dados apresentados durante o Seminário revelam uma mudança drástica na composição do orçamento federal. Até 2013, as emendas parlamentares representavam apenas 0,8% do orçamento do Ministério da Saúde. Hoje, esse índice saltou para 12%, um crescimento exponencial que desequilibra o planejamento nacional.
A análise do período de 2014 a 2022 mostra que o orçamento geral da saúde cresceu 1,7 vezes, enquanto o valor das emendas aumentou 5,7 vezes. Em valores nominais, a execução de emendas no Ministério da Saúde saltou de R$15 bilhões em 2023 para quase R$25 bilhões em 2024, um crescimento de mais de 60% em apenas um ano.
O problema central, contudo, não é apenas o volume de recursos, mas a qualidade do gasto. As emendas parlamentares, especialmente as individuais, muitas vezes não dialogam com os instrumentos de gestão e planejamentos de saúde ou com as pactuações feitas nas Comissões Intergestores Tripartites (CIT), por exemplo. Elas atropelam o planejamento técnico, alocando verbas sem critérios epidemiológicos, o que resulta em ineficiência e desperdício.

Plenário da Câmara: políticos financiam a saúde pública com emendas. Foto: Kayo Magalhães/Agência Câmara
O SUS é desenhado para funcionar com base em planos municipais, estaduais e nacional, com critérios epidemiológicos e de necessidade. As emendas, contudo, muitas vezes ignoram essa lógica. Os recursos fluem para onde há aliados políticos, não necessariamente onde há mais doentes ou carência assistencial; os equipamentos são comprados sem previsão de equipe para operá-los, ou unidades são reformadas em locais sem prioridade sanitária. Dessa forma, o poder de decisão sobre onde investir sai do Ministério da Saúde (Executivo) e migra para o Congresso (Legislativo).
Além disso, a lógica da austeridade fiscal, consolidada pela Emenda Constitucional 95 (Teto de Gastos), retirou cerca de R$ 70 bilhões do SUS entre 2018 e 2022, transformando o piso constitucional da saúde em um teto de despesas e forçando uma competição predatória por recursos dentro do orçamento público. A nova realidade orçamentária trouxe também complexos desafios jurídicos. A Lei Complementar nº 141 foi um marco ao determinar critérios de rateio e fiscalização, mas a profusão de novas regras e emendas impositivas gerou um emaranhado legal.
A juíza Amanda Costa, auxiliar no Supremo Tribunal Federal (STF) do Ministro Flávio Dino, explica que o cenário atual exigiu a intervenção da corte através da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 854. “O Judiciário passou a tratar a questão como um “processo estrutural”, reconhecendo que o ajuste do sistema exige medidas graduais e testadas para garantir transparência e rastreabilidade do dinheiro público”, defendeu.
Ainda no conjunto de avanços de medidas estruturais previstas na ADPF 854, todas as transferências decorrentes de emendas de qualquer modalidade na área da saúde são acompanhadas previamente de um atestado de conformidade a ser dado pelo gestor federal do SUS. “Essa preocupação com a eficiência do gasto público, passa a constar expressamente em decisões do colegiado”, explica a juíza.
Mudança de Perfil
Um outro ponto de tensão recente entre os poderes envolve a destinação final das emendas, especialmente quando elas são usadas em pagamento de pessoal, por exemplo. Dácio Guedes, diretor do Fundo Nacional de Saúde (FNS) explica que uma mudança drástica ocorreu na destinação desse dinheiro. “Historicamente, emendas eram usadas para investimento (construção de unidades, compra de equipamentos). Hoje, cerca de 90% desses recursos são destinados a custeio (pagamento de despesas correntes), muitas vezes sem critérios técnicos claros”, afirma.
Historicamente, e por vedação constitucional, as emendas não poderiam ser usadas para despesas de custos recorrentes e pagamento de pessoal, pois estas configuram gastos contínuos incompatíveis com transferências pontuais. No entanto, o Tribunal de Contas da União (TCU) reformou recentemente seu entendimento, permitindo, com base em alteração em uma resolução do Congresso Nacional, que emendas coletivas (de bancada e comissão) financiem folhas de pagamento na saúde. Essa flexibilização preocupa especialistas, pois pode comprometer a sustentabilidade fiscal dos municípios a longo prazo, além de ferir a lógica de que emendas deveriam ter caráter estruturante.

Dinheiro de emendas é usado para pagar médicos, o que contraria finalidade do recurso político. Foto: Marcelo Camargo/ Agência Brasil
Mas segundo Dácio, existe uma janela de oportunidade para os gestores e conselheiros de saúde que zelam pela correta aplicação e precisam analisar e validar os relatórios anuais de gestão. A exigência de contas bancárias específicas para cada emenda e a auditoria determinada pelo DenaSUS (Departamento Nacional de Auditoria do Sistema Único de Saúde) sobre recursos sem identificação são passos importantes para recuperar o controle sobre o destino das verbas. O diretor do FNS lembra que gestores e conselheiros têm o dever de analisar e validar os relatórios anuais de gestão, garantindo que o dinheiro que chega via emendas seja aplicado corretamente.
O momento exige vigilância constante, pois, como destacou o assessor parlamentar Flávio Tonelli, é preciso debater o que foi naturalizado na política brasileira, mas que não é natural: a captura do orçamento público por interesses que não o bem comum. “A defesa do SUS passa, obrigatoriamente, por desatar o nó que transformou o financiamento da saúde em moeda de troca política”, destacou.
Para além das cifras e leis, o debate sobre o financiamento do SUS é, essencialmente, político e social. Maicon Nunes, conselheiro nacional de saúde representante do Movimento Negro Unificado (MNU), reforça que o desfinanciamento não é um descuido, mas um projeto político que atinge desproporcionalmente a população negra, que compõe a maioria dos usuários do sistema público. “Congelar investimentos em saúde significa, na prática, congelar o investimento na vida dessas pessoas”, declarou.
Ronald dos Santos, ex-presidente do Conselho Nacional de Saúde alertou que não se pode desvincular a luta pelo orçamento da disputa histórica entre capital e trabalho no Brasil. “O Conselho Nacional de Saúde tem se posicionado como uma trincheira de resistência contra esse desmonte, atuando não apenas no controle social, mas como um agente político na defesa da democracia”, defendeu.
A narrativa de que o SUS é ineficiente serve aos interesses de mercantilização da saúde, abrindo portas para a privatização e para a atuação predatória do mercado. O desafio para os próximos anos, conforme apontado por outros participantes do Seminário, é mobilizar a sociedade para a 18ª Conferência Nacional de Saúde e pautar um financiamento justo, que não seja corroído pelos juros da dívida pública ou pelas restrições do novo arcabouço fiscal.

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