Projeto do MP criado na pandemia que atendeu mais 50 mulheres vítimas de violência no AC ganha selo nacional

Com isolamento, as vítimas tinham mais dificuldade de acessar os órgãos de controle e proteção e o MP criou ferramentas para denúncias. Iniciativa do Ministério Público do Acre foi escolhida entre 58.

Garantir celeridade para resguardar o direito de mulheres e meninas vítimas da violência doméstica dentro de um contexto complicado como foi a pandemia, que obrigou as pessoas a se isolarem. Foi assim que nasceu o projeto “Medidas Protetivas Já”, desenvolvido pelo Centro de Atendimento à Vítima (CAV) do Ministério Público do Acre (MP-AC).

Iniciado em junho de 2020, a equipe do CAV percebeu que o isolamento imposto pela pandemia afetaria também a procura das vítimas de violência aos órgãos públicos. Então, passou a disponibilizar ferramentas, como página on-line e até aplicativo para que essas mulheres pudessem sinalizar a violência sofrida dentro de casa.

Para facilitar as denúncias de violência contra a mulher durante o período de pandemia da Covid-19, o MP-AC lançou, em maio de 2020, um aplicativo para ajudar as vítimas de violência doméstica a denunciarem os agressores.

Com apenas um clique, a vítima pode entrar em contato com o CAV e sinalizar o interesse quanto à solicitação de medidas protetivas e de representar criminalmente contra o agressor pela violência que sofre. A equipe, então, elabora um relatório e remete à promotoria.

Em uma média de 48 horas, as medidas protetivas eram deferidas. Além disso, por meio da parceria com a Secretaria Municipal de Saúde, a vítima é encaminhada para atendimento clínico psicológico virtual ou presencial.

O resultado desse projeto, que ainda segue até o final deste ano, foi o acolhimento e atendimento psicossocial de 54 vítimas, com elaboração de relatórios encaminhados às promotorias, com solicitação de medidas protetivas de urgência para vítimas que estavam convivendo com o agressor e que não tinham como sair de casa para ir à delegacia.

Reconhecimento nacional

 

Além disso, essa iniciativa do Ministério Público no Acre também ganhou o selo de práticas inovadoras de enfrentamento à violência contra meninas e mulheres, que é um reconhecimento dado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

Foram 58 projetos inscritos e apenas oito receberam o selo. A coordenadora geral do CAV, a procuradora Patrícia Rêgo, explica que a estratégia foi justamente fazer com que o MP chegasse até às vítimas, que, geralmente, estavam isoladas e trancadas dentro de casa com seus agressores.

“Foi uma estratégia que o Ministério Público criou no período de pandemia, quando as pessoas tiveram que se trancar dentro de suas casas para garantir sua saúde, sua vida. E a violência doméstica ali, todos nós sabíamos que haveria uma tendência de aumento em razão das próprias circunstâncias; as famílias trancadas dentro de casa, um nível de pressão muito grande, porque as pessoas perderam o emprego, estavam com medo, as pessoas estavam bebendo mais e estavam com acesso dificultado aos órgãos de Segurança Pública, às delegacias de polícia, ao poder judiciário e ao próprio MP. Então, a gente teve que se organizar enquanto instituição. O MP não parou na pandemia para poder prestar serviço a essas mulheres e garantir que elas não sofressem violência e que tivessem as medidas protetivas deferidas em tempo real, então criamos essa estratégia de atendimento on-line”, explica.

Dados do Tribunal de Justiça do Acre relacionados à movimentação e medidas protetivas mostram que esse tipo de recurso aumentou consideravelmente entre os anos de 2019 e 2020, estes dois últimos já em períodos de pandemia e isolamento.

Entre todos os tipos de movimentação, que incluem os diferentes modelos de medidas protetivas, em 2019 foram 1.563 movimentações, já em 2020 percebe-se o aumento para 2.107 e em 2021 chegou a 2.712. Ou seja, um aumento de 74% nos últimos três anos.

Procuradora Patrícia Rêgo acompanha indicadores de violência contra a mulher e coordena o CAV em Rio Branco — Foto: Asscom/MP-AC

Estado inseguro para mulheres

 

O Acre voltou a ser um dos estados com a maior taxa de feminicídio – crime de ódio motivado pela condição de gênero – do país. Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, no ano passado, o estado acreano registrou taxa de 2,7 feminicídios por 100 mil mulheres.

Este ano, o Ministério Público do Acre também lançou dados consolidados do Anuário de Indicadores de Violência no Acre referente ao período de 2012 a 2021. A publicação foi produzida pelo Observatório de Análise Criminal, setor que integra o Núcleo de Apoio Técnico (NAT).

O objetivo é justamente quantificar, analisar e levantar dados para que sejam a base de tomada de decisões do poder público, além de garantir transparência.

“Isso carrega um simbolismo muito grande, pois vivemos em um estado que ostenta uma marca muito triste. O Fórum Brasileiro de Segurança Pública, que é quem outorga esse selo de prática inovadora, que reconhece as instituições que fazem diferença no enfrentamento à violência no Brasil, é quem faz a análise dos dados de violência pública no país, é a organização que tem mais credibilidade, inclusive, internacionalmente em razão do compilamento e da análise e divulgação desses dados, dando transparência para que a população brasileira tome conhecimento desses números de violência. E mostra para a população que há instituições no estado, que é o caso do Ministério Público, que tem buscado fazer sua parte, que tem lutado, para que essas mulheres possam ter uma vida digna e viver sem violência”, destaca.

Com a pandemia, vítimas tiveram que, muitas vezes, ficar isoladas com seus agressores — Foto: MP-AC

Além disso, a procuradora destacou ainda que esse selo também serve para reconhecer o trabalho da instituição e de toda uma equipe que luta incansavelmente para um dia ver esses números de violência zerados.

“E esse reconhecimento é preciso dizer que não é só para o MP, mas para todas as instituições, inclusive, o Poder Judiciário, a Vara de Violência Doméstica e no interior também, que participaram, que tiveram uma participação proativa no enfrentamento à essa violência”.

O trabalho do CAV já rendeu dois prêmios: o Selo FBSP de Práticas Inovadoras de Enfrentamento à Violência Contra as Mulheres em 2018 e também o 1º lugar na categoria “Defesa de direitos fundamentais” do Prêmio CNMP em 2019. O primeiro é um reconhecimento do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, um dos parceiros do g1 no Monitor da Violência; e o segundo, do Conselho Nacional do Ministério Público.

Comentários

Compartilhar
Publicado por
Jonys David (Ceara)