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Entenda o projeto de lei federal sobre concessão de autorização ambiental

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Gado apreendido em operação do Ibama em área desmatada sem licença ambiental: projeto cria marco regulatório das licenças (Foto: Ibama/Divulgação)

Gado apreendido em operação do Ibama em área desmatada sem licença ambiental: projeto cria marco regulatório das licenças. Foto: Ibama/Divulgação

Da Agência Senado

BRASÍLIA – O projeto da Lei Geral do Licenciamento Ambiental (PL 2.159/2021) pretende simplificar e agilizar esses processos licenciatórios. Seus defensores afirmam que o objetivo é desburocratizar os procedimentos em todo o país, principalmente para empreendimentos e atividades de menor impacto ambiental. A previsão é que no dia 21 de maio o texto seja votado em dois colegiados do Senado: a Comissão de Meio Ambiente (CMA) e a Comissão de Agricultura (CRA).

Após análise e negociação, o senador Confúcio Moura (MDB-RO), relator da matéria na CMA, e a senadora Tereza Cristina (PP-MS), relatora na CRA, apresentaram um texto comum na última quarta-feira (7).

Essa proposta teve origem na Câmara dos Deputados, onde tramitou por 17 anos. No Senado, onde tramita há quatro anos, a matéria recebeu 93 emendas — e, além da votação na CMA e na CRA, ainda deverá ser apreciado em Plenário. Se as mudanças feitas pelos senadores forem confirmadas, o projeto terá de retornar à Câmara para novo exame.

Desburocratizar

Para Joaquim Maia Neto, consultor legislativo do Senado na área de meio ambiente, o texto apresentado pelos dois relatores mantém a ideia de simplificar e desburocratizar o processo licenciatório.

“De acordo com o relatório, boa parte do licenciamento deixa de ser pelo procedimento trifásico, prevendo outras modalidades que não seguem o rito de três licenças: prévia, de instalação e de operação. De fato, há a necessidade de ter uma lei geral, que estabeleça regras mais claras e que simplifique especialmente para os pequenos empreendimentos”, disse ele.

Segundo o consultor, não há, nem mesmo entre os ambientalistas, quem não reconheça a necessidade de uma lei geral e a necessidade de se tratar os empreendimentos mais simples de uma forma mais ágil.

“Até para possibilitar que os órgãos ambientais tenham condições de se dedicar mais, com as estruturas pequenas que têm, aos empreendimentos de maior potencial poluidor e de grande porte”, argumenta ele.

Divergências

O tema, no entanto, é cercado de controvérsias. Confúcio Moura, por exemplo, reconhece que o assunto sempre foi marcado pela polarização, e que é preciso conciliar conservação do meio ambiente e produção.

“Por alguns foi-lhe imputado [ao licenciamento ambiental] a responsabilidade pela paralisação das grandes obras de infraestrutura nacionais, ao passo que os defensores do licenciamento celebram os ganhos ambientais resultantes da concretização da avaliação prévia de impactos ambientais e da imposição de condicionantes aos empreendimentos poluidores, além da garantia da participação popular das populações atingidas e impactadas pelos empreendimentos”, ressaltou o senador em seu relatório.

Senador Confúcio Moura defende conciliar conservação do meio ambiente e produção. Foto: José Cruz/Agência Brasil

O senador Beto Faro (PT-PA), ao comentar o relatório de Tereza Cristina e Confúcio Moura, também se referiu a essas discordâncias. “Há divergências ainda claras quanto ao projeto que a gente precisa aprofundar”, declarou ele na última reunião da CMA, na quarta-feira (7).

Emaranhado de leis

É por meio do licenciamento ambiental que o poder público concede autorizações para instalação, ampliação e operação de empreendimentos e atividades que envolvem recursos ambientais. Mas, diante da diversidade de regulamentações nas esferas federativas, há muitos litígios relacionados ao licenciamento. Por isso, a expectativa é que uma lei geral proporcione mais segurança jurídica.

De acordo com a proposta em discussão no Senado, essa lei será aplicada por todos os órgãos integrantes do Sistema Nacional do Meio Ambiente (Sisnama), entre eles o Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), que tem papel consultivo e deliberativo.

Se passaram mais de 40 anos da instituição da Política Nacional do Meio Ambiente, que apresenta as hipóteses legais de exigência de licenciamento para a aprovação de empreendimentos considerados de alto impacto ao meio ambiente. Apesar disso, o assunto acaba sendo regido muitas vezes por resoluções do Conama – órgão instituído por essa mesma política – que estabelecem regras de procedimentos e situações nas quais o licenciamento é exigido, bem como as modalidades de licença, tudo por normativa infralegal.

Dessa forma, ressalta o consultor do Senado Joaquim Maia Neto, um empreendedor com iniciativas por todo o país precisa cumprir, atualmente, legislações diferentes em cada lugar onde atue.

“O grande problema que se tem hoje no licenciamento é o emaranhado de legislações, inclusive de normas infralegais, de todos os entes da federação. Hoje há várias resoluções do Conama e há a competência dos estados e dos municípios, com normas dos conselhos de meio ambiente e dos órgãos licenciadores. Os estados fazem aproximadamente 90% do licenciamento ambiental, a União fica com os de maior porte e os municípios ficam com o residual, local e mais simples”, explica.

Para a senadora Tereza Cristina, o projeto da Lei Geral do Licenciamento Ambiental é um efetivo avanço por ser aplicável em todo o país, especialmente no que se refere a conceitos, prazos, tipos de licença e critérios para sua emissão, procedimentos, regularização de empreendimentos, estudos ambientais, participação pública e regras para manifestação de entidades públicas envolvidas no processo.

“Isso é essencial para reduzir a burocracia e tornar mais ágil a autorização de empreendimentos, ao mesmo tempo em que garante a proteção do meio ambiente. A existência de uma lei geral de licenciamento ambiental proporcionará segurança jurídica tanto para empreendedores quanto para órgãos de controle ambiental, ajudando a evitar interpretações díspares das normas e litígios judiciais prolongados”, enfatiza ela em seu relatório.

Senadora Tereza Cristina defende que projeto é essencial para reduzir a burocracia pública (Foto: Marcelo Camargo/ABr)

Mineração

Uma das principais alterações feitas no Senado (em relação ao texto proveniente da Câmara) é o retorno das atividades ou de empreendimentos minerários de grande porte e/ou de alto risco ao âmbito da lei geral. O projeto original previa que, para a mineração, prevaleceriam as disposições do Conama.

Essa alteração foi promovida pelos relatores da matéria, Tereza Cristina e Confúcio Moura, ao acatarem emenda apresentada em Plenário. Para eles, isso foi necessário para que a lei seja “geral”.

“Evita-se [com o retorno], justamente, o que ocorre atualmente: o “cipoal” normativo no âmbito do licenciamento ambiental, eis que aceitar que um determinado setor ou parcela não seja abrangida pela lei geral do licenciamento possibilitaria que tal exceção viesse a ser estabelecida ou pleiteada por uma série de outros setores ou tipos específicos de empreendimentos”, argumenta Tereza em seu relatório.

O consultor Joaquim Maia Neto concorda com os relatores. Para ele, não se pode retirar um segmento importante de um marco regulatório.

“A Câmara dos Deputados fez isso porque estava sob o impacto dos dois grandes acidentes: o de Mariana e o de Brumadinho. Há de fato uma preocupação com os empreendimentos impactantes, como a grande mineração. Mas o certo, se há uma lei geral, é ter tudo, senão cada segmento vai querer uma lei específica”, explicou.

Ele lembra que, para o licenciamento de grandes empreendimentos, sujeitos ao Estudo Prévio de Impacto Ambiental e seu relatório correspondente (EIA/RIMA), a proposta mantém o procedimento trifásico. E que também não há para esses empreendimentos algumas flexibilizações, como a licença ambiental por adesão e compromisso (LAC) ou a renovação automática.

Isenção

Outro ponto importante do projeto é a dispensa de licenciamento ambiental para algumas atividades e empreendimentos. Confúcio Moura e Tereza Cristina reduziram o rol de atividades isentas (em relação ao texto proveniente da Câmara dos Deputados). A proposta deles é limitar isso aos empreendimentos que “de fato são passíveis de não terem controle do Estado”.

Os relatores mantiveram a dispensa de licença para atividades e empreendimentos com menor potencial de risco ambiental. Também mantiveram a dispensa para obras e intervenções emergenciais ou em casos de calamidade pública, além daquelas urgentes que tenham como finalidade prevenir a ocorrência de danos ambientais. Nesses casos, a dispensa está condicionada à apresentação de relatório ao órgão ambiental competente.

Além disso, os relatores acataram a sugestão de dispensar a necessidade de licenciamento para serviços e obras de manutenção e melhoria da infraestrutura em instalações preexistentes ou em faixas de domínio e de servidão.

O relatório também dispensa do licenciamento os empreendimentos militares.

Atividades agropecuárias

A dispensa de licenciamento ambiental para quatro atividades agropecuárias é um dos itens da proposta que gera mais discordâncias.

O relatório de Confúcio Moura e Tereza Cristina mantém o entendimento da Câmara de que deve haver dispensa para o cultivo de espécies de interesse agrícola, temporárias, semiperenes e perenes; a pecuária extensiva e semi-intensiva; a pecuária de pequeno porte; e pesquisas de natureza agropecuária sem risco biológico.

O texto destaca que isso só poderá ser aplicado às propriedades e às posses rurais que estejam regulares ou em regularização.

Tanto nas dispensas para empreendimentos como nas atividades agropecuárias, os empreendedores não se eximem de obter, quando exigível, autorização de supressão de vegetação nativa, outorga dos direitos de recursos hídricos ou outras exigências legais.

Infraestrutura

Os relatores alteraram o dispositivo que trata da licença de instalação (LI) em empreendimentos lineares destinados ao transporte ferroviário e rodoviário, às linhas de transmissão e de distribuição e aos cabos de fibra ótica, bem como a subestações e a outras infraestruturas associadas.

Eles acrescentaram ao texto um trecho determinando que a LI poderá contemplar, quando requerido pelo empreendedor, condicionantes que viabilizem o início da operação logo após o término da instalação (mas isso só poderá ser feito mediante apresentação de termo de cumprimento das condicionantes exigidas nas etapas anteriores à operação, assinado por responsável técnico – exigência que não existia no texto original).

Licença por adesão e compromisso (LAC)

Autodeclaratória, a licença por adesão e compromisso (LAC) já existe no ordenamento ambiental brasileiro, em âmbito estadual, sendo definida pela primeira vez (no projeto em análise no Senado) em norma federal.

O texto do projeto foi modificado para definir que a LAC, que é uma licença simplificada, caberá apenas nas atividades ou nos empreendimentos qualificados e de pequeno ou médio porte e baixo ou médio potencial poluidor. Há previsão de que a autoridade licenciadora realize, anualmente, vistorias por amostragem para aferir a regularidade de atividades ou empreendimentos licenciados por LAC.

“Pretendemos avançar na desburocratização, mas de modo coerente e harmônico ao que já vem sendo normatizado pelos estados. Sob essas premissas, entendemos que há espaço, por exemplo, para o aperfeiçoamento da licença por adesão e compromisso (LAC)”, destacou Tereza.

Um dispositivo do projeto autoriza o licenciamento, pela emissão de LAC, de serviços e obras direcionados à ampliação de capacidade e à pavimentação em instalações preexistentes ou em faixas de domínio e de servidão. Os relatores também incluíram nesse rol a dragagem de manutenção.

Licença ambiental única (LAU)

A licença ambiental única (LAU) é uma inovação na normativa federal. A LAU atesta em uma única etapa a viabilidade da instalação, da ampliação e da operação de atividade ou de empreendimento, aprova as ações de controle e monitoramento ambiental e estabelece condicionantes ambientais para a sua instalação e operação – e, quando necessário, para a sua desativação.

No procedimento simplificado pode ocorrer a modalidade bifásica (com duas licenças aglutinadas em uma única) e a LAU.

Renovação automática

Enquanto o texto proveniente da Câmara possibilitava a renovação automática das licenças ambientais para qualquer tipo de empreendimento, no Senado essa renovação ficou restrita (na redação dada pelos relatores).

De acordo com o texto proposto por Tereza Cristina e Confúcio Moura, a renovação só ocorrerá em atividades consideradas pelo ente federativo como de baixo ou médio potencial poluidor e pequeno ou médio porte, e que apresentem relatórios de cumprimento das condicionantes contratadas.

Confúcio Moura salientou que “a renovação automática é um importante instrumento desburocratizante do licenciamento ambiental, o que é almejado por toda a sociedade. Contudo, compreendemos que ela não pode ser aplicada a empreendimentos de maior complexidade e de grande impacto ambiental”.

Autoridades envolvidas

No Senado, foi suprimido o parágrafo do projeto que previa que a autoridade envolvida definirá as tipologias do procedimento de licenciamento ambiental.  Confúcio Moura ressaltou que “a definição dessas tipologias deve ser da autoridade licenciadora”.

De acordo com o texto dos relatores, as autoridades envolvidas terão prazo de 30 dias para se manifestarem sobre o termo de referência (emitido por órgãos ambientais), a partir do recebimento de solicitação da autoridade licenciadora. No texto proveniente da Câmara, esse prazo poderia ser prorrogado por 10 dias, mas agora a prorrogação foi estendida a 15 dias, com a exigência de que seja devidamente justificada.

O termo de referência deverá tratar dos impactos da atividade ou do empreendimento sobre terras indígenas com demarcação homologada, área que tenha sido objeto de portaria de interdição em razão da localização de indígenas isolados e áreas tituladas de remanescentes das comunidades dos quilombos.

Pena

O texto em análise no Senado aumenta a pena prevista na Lei de Crimes Ambientais para quem construir, reformar, ampliar, instalar ou fazer funcionar estabelecimentos, obras ou serviços potencialmente poluidores, sem licença ou autorização dos órgãos ambientais competentes, ou contrariando as normas legais e regulamentares pertinentes.

A pena prevista no texto proveniente da Câmara era de detenção de dois meses a um ano, ou multa. O texto proposto pelos relatores no Senado aumenta essa pena para seis meses a dois anos ou multa, ou ambas cumulativamente — e a pena é aumentada até o dobro se o licenciamento da atividade ou do empreendimento for sujeito ao Estudo Prévio de Impacto Ambiental.

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Cardiologistas apontam os melhores tratamentos para pressão alta

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A pressão alta ocorre devido a combinação de fatores genéticos e estilo de vida pouco saudável. Doença afeta 1 bilhão de pessoas no mundo

Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), a pressão alta é uma condição que afeta mais de 1 bilhão de pessoas no mundo. Ela ocorre quando o sangue circula nas artérias com força exagerada de forma constante. Se não tratada, a evolução da hipertensão pode levar a quadros de acidente vascular cerebral (AVC), infarto e insuficiência renal.

Os casos acontecem devido a fatores genéticos e estilo de vida: obesidade, dietas alimentares inadequadas, sedentarismo, excesso de álcool e estresse são a “combinação perfeita” para a pressão alta.

Segundo especialistas entrevistados pelo Metrópoles, o tratamento pode ser feito com medicamentos. Eles ajudam a controlar a pressão arterial, relaxando vasos sanguíneos e diminuindo o volume de líquidos nas artérias.

No entanto, em casos mais leves, mudanças no estilo de vida são suficientes para reduzir a hipertensão ou conjugadas à medicação.

Além do medicamento

Alterações na rotina são imprescindíveis para diminuir a pressão alta, e a alimentação tem papel fundamental. A inclusão de comidas mais saudáveis, como frutas, vegetais, grãos integrais e laticínios com baixo teor de gordura, é uma boa alternativa. Também é recomendado reduzir o consumo de sódio e álcool.

“Diante do quadro de pressão alta, a alimentação pode influenciar e ajudar bastante no controle pressórico. O primeiro passo é diminuir o consumo de sal. Ele é o grande vilão quando se trata de hipertensão”, afirma a cardiologista Érica Renata, da Clínica Cardiosenior, em Brasília.

A prática de exercícios físicos com regularidade é importante para o funcionamento adequado do organismo, já que ajuda a reduzir o sedentarismo e controlar o peso. Evitar o tabagismo e gerenciamento do estresse são outras táticas naturais essenciais.

Crianças e adolescentes

Apesar de ocorrer principalmente após os 50 anos, um estudo recente mostrou que a ocorrência de crianças e adolescentes com pressão alta tem aumentado. Dados estimam que cerca de 114 milhões de jovens têm a condição no mundo. A pesquisa foi publicada na revista científica The Lancet Child & Adolescent Health em novembro.

A alta dos casos nesse público tem ligação com o estilo de vida inadequado, com uma rotina alimentar repleta de alimentos ultraprocessados e pouca atividade física. O ciclo iniciado na infância tem se refletido cada vez mais cedo, aumentando as chances de crianças hipertensas se tornarem adultos com a doença.

De acordo com o cardiologista Renault Ribeiro Júnior, hábitos saudáveis devem ser introduzidos desde cedo para evitar uma geração hipertensa no futuro.

“Devemos procurar ser o maior exemplo para nossos filhos de como evitar um quadro de hipertensão. Se quisermos ter uma geração saudável, isso deve começar dentro de nossas casas”, sugere o coordenador de cardiologia do Hospital Santa Lúcia, em Brasília.

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Farra do INSS: presidente de ONG investigada foi condenado por caixa 2

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Abraão Lincoln, presidente da CBPA, teria utilizado conta bancária de uma trabalhadora vinculada a ele para receber valores não declarados

Abraão Lincoln Ferreira da Cruz, presidente da Confederação Brasileira dos Trabalhadores de Pesca e Aquicultura (CBPA) – uma das associações sediadas em Brasília e investigadas por embolsar R$ 221,8 milhões na Farra do INSS, foi condenado em agosto deste ano por “caixa 2” nas eleições de 2014.

Naquele ano, Abraão se candidatou a uma vaga no Congresso Nacional pelo estado do Rio Grande do Norte. À época, ele teria utilizado a conta bancária de uma auxiliar de secretaria subordinada a ele para receber valores não declarados à Justiça Eleitoral.

Segundo o Ministério Público, na conta da mulher, usada como laranja, “vultuosos” valores circulavam. Conforme apurado pelo órgão, um filho de Abraão era responsável por sacar o dinheiro, quando o montante não era encaminhado para outras contas, como a da esposa do aposentado.

A investigação eleitoral teve início após desdobramento da Operação Enredados. Inicialmente voltada para apurar crimes ambientais e de lavagem de capitais no setor pesqueiro, a ação também acabou revelando elementos que apontavam para a prática de ilícitos eleitorais a partir da quebra de sigilo do celular de um suspeito.

Durante as fases do processo, o Ministério Público Eleitoral identificou um repasse de um policial militar no valor de R$ 86 mil para a conta laranja. Ao MP o homem disse que prestou serviços ao réu, mas não conseguiu explicar a transferência. Além do PM, a esposa de Abraão também teria depositado R$ 46 mil na conta da trabalhadora.

Em depoimento, o presidente da CBPA disse que os valores depositados eram frutos de uma “vaquinha” arrecadada pela Confederação da Pesca para “fomentar os movimentos nacionais do setor”. No entanto, ao ser indagado sobre o motivo de o dinheiro não ter entrado na conta da própria entidade ou até mesmo na conta dele, Abraão desconversou.

Na ação, o aposentado negou ter feito caixa 2 e declarou, ainda, que os valores seriam utilizados para o evento “Gritos da Pesca”. O Ministério Público, porém, informou que em uma “simples pesquisa no Google” foi possível verificar que o encontro ocorreu em momento “totalmente diferente da movimentação bancária”.

Organização criminosa

Em 2015, Abraão Lincoln Ferreira da Cruz foi um dos 18 alvos da Operação Enredados, deflagrada pela Polícia Federal (PF). À época, a investigação revelou esquema de crimes ambientais e contra a administração pública com ramificações em diversos estados, cuja sede era em Brasília.

A prisão preventiva de Abraão foi decretada em 14 de outubro de 2015. No documento, ele é citado como líder da organização criminosa que atuava junto ao extinto Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA). As acusações formais imputadas a Abraão incluíam corrupção ativa, crimes contra o meio ambiente, emissão de autorização em desacordo com as normas ambientais e crimes praticados por particular contra a administração.

Segundo a operação, Abraão agia na liderança do grupo, juntamente a outros indivíduos, para obter atos administrativos ilícitos junto ao MPA. As ações incluíam emissão de licença para a venda de arraias com finalidade ornamental e ampliação da capacidade de estocagem desses animais por empresas laranjas.

Após solicitação da defesa, o presidente da CBPA foi solto em janeiro de 2016. O processo ainda tramita na Justiça.

Prisão do presidente

Em 4 de novembro deste ano, Abraão foi preso novamente, dessa vez pela CPMI do INSS sob a acusação de falso testemunho. Na ocasião, o sindicalista teria mentido sobre conhecer o tesoureiro da CBPA, Gabriel Negreiros – que é padrinho de um neto dele. Ao longo da sessão, o deputado federal Duarte Jr. (PSB-MA) apresentou uma foto do batizado da criança e também afirmou que Abraão Lincoln depositou R$ 5 milhões em uma conta de Negreiros.

“Ele (Abraão Lincoln) chama de relação institucional depositar R$ 5 milhões na conta do Gabriel Negreiros, que nada mais é do que padrinho do neto dele. Ele ser padrinho do seu neto é relação institucional?”, questionou Duarte Jr.

Após ser pressionado pelo deputado, Abraão Lincoln disse que se confundiu ao responder o relator da CPMI, deputado Alfredo Gaspar, a respeito da relação com Negreiros. Segundo a comissão, Abraão também teria mentido em outros quatro momentos.

Na mesma data, o presidente da CBPA pagou fiança e foi liberado.

Careca do INSS e ligações políticas

Abraão Lincoln já comandou o Republicanos no Rio Grande do Norte e foi candidato a deputado federal pelo partido em 2018.

Ele mantém relação com políticos da legenda, tanto figuras regionais como nacionais. A influência se estende também ao próprio INSS.

Em 2024, o ex-diretor de benefícios André Fidelis pegou uma diária somente para ir a uma festa da entidade. Investigado pela PF, Fidelis foi exonerado do cargo em julho do ano passado, após reportagens da Farra do INSS.

A CBPA ainda aparece como uma das entidades que pagou o lobista Antonio Carlos Camilo Antunes, o Careca do INSS, um dos pivôs do escândalo revelado pelo Metrópoles.

Apenas uma funcionária

A reportagem esteve no local em que está localizada a sede da associação. Na pequenina sala comercial, apenas uma funcionária costuma aparecer. O horário da mulher, apontada como secretária, também chama a atenção. Conforme testemunhas, ela permanece no endereço por aproximadamente duas horas por dia.

Segundo um relatório da Controladoria-Geral da União (CGU), a CBPA “não possui infraestrutura para localização, captação, cadastramento e muito menos fornecimento de serviços” compatíveis com o registro de milhares de associados, espalhados por mais de 3,6 mil municípios. Mesmo assim, até 2025, a associação conseguiu 757 mil cadastrados.

De acordo com CPMI que apura as fraudes, dos 215 mil aposentados e pensionistas vinculados à confederação que reclamaram de descontos, 99% não teriam autorizado a entidade a aplicar as deduções de seus benefícios no INSS.

Crescimento exponencial

A CBPA foi criada em 2020. Dois anos depois, obteve o acordo de cooperação técnica com o INSS – que permite os descontos nos benefícios, mesmo sem ter nenhum associado.

Apesar da falta de empregados, em 2023 o número de pessoas ligadas à CBPA passou de quatro, em maio, para mais de 340 mil associados no fim do ano, resultando em arrecadação anual de R$ 57,8 milhões.

No primeiro trimestre de 2024, auge da farra dos descontos indevidos, o número de filiados saltou para 445 mil, e o faturamento bateu R$ 41,2 milhões no período.

Durante sessão na CPMI do INSS, o deputado Alfredo Gaspar (União-AL) classificou, em tom de crítica, o aumento no número de cadastros da associação como um “case” de sucesso. “Até 2025, eles conseguiram 757 mil cadastros, que correspondem a mais de R$ 221 milhões no período de dois anos”, disse o parlamentar.

De acordo com informações obtidas pela coluna Tácio Lohan, do Metrópoles, a CGU suspeita que a confederação tenha contratado uma empresa de telemarketing para buscar as filiações, o que é vedado, conforme os termos do acordo de cooperação técnica (ACT) com o INSS.

“Considerando o mês com 22 dias úteis e 8 horas de jornada de trabalho diário, a CBPA teria adicionado 8.524,86 descontos associativos por dia útil, isto é, 17,76 descontos por minuto”, pontuou o órgão.

“A CBPA não tem registro de nenhum funcionário junto à RAIS [Relação Anual de Informações Sociais], mas os quantitativos de descontos associativos adicionados são tão elevados que, mesmo que associação alegasse possuir 100 funcionários, os descontos associativos nessa quantidade ainda seriam improváveis de terem sido incluídos com observância de todas as formalidades legais e contratuais”, concluiu a CGU.

Segundo a Controladoria-Geral da União, a CBPA também teria solicitado mais de 40 mil vezes a inclusão de descontos em benefícios de pessoas mortas.


Farra no INSS

  • O escândalo do INSS foi revelado pelo Metrópoles em uma série de reportagens publicadas a partir de dezembro de 2023.
  • Três meses depois, o portal mostrou que a arrecadação das entidades com descontos de mensalidade de aposentados havia disparado, chegando a R$ 2 bilhões em um ano, enquanto as associações respondiam a milhares de processos por fraude nas filiações de segurados.
  • As reportagens do Metrópoles levaram à abertura de inquérito pela Polícia Federal (PF) e abasteceram as apurações da Controladoria-Geral da União (CGU).
  • No total, 38 matérias do portal foram listadas pela PF na representação que deu origem à Operação Sem Desconto, deflagrada no dia 23/4 e que culminou nas demissões do presidente do INSS e do então ministro da Previdência, Carlos Lupi.

O outro lado

Ao Metrópoles a defesa de Abraão Lincoln disse que “recorreu e o TRE-RN ainda não julgou o recurso”. “O caixa 2 seria, segundo a denúncia, gastos na contabilizados que correspondem a uma fração irrisória do gasto total declarado”, disse Emanuel Grilo, advogado de Abraão.

“Naquele tempo não havia teto de gastos de campanha, e cada partido informava à justiça eleitoral quanto gastaria, de modo que não faria sentido sonegar documentos da prestação de contas deliberadamente”, finalizou.

 

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Mais de 80% das decisões do STF em 2025 foram monocráticas

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Fachada do edifício sede do STF (Supremo Tribunal Federal) • Marcello Casal Jr/Agência Brasil

Mais de 80% das decisões dos ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) em 2025 foram monocráticas (individuais). O dado foi divulgado pelo presidente da Corte, ministro Edson Fachin, durante a sessão de encerramento do ano judiciário na última sexta-feira (19).

Neste ano, o STF recebeu mais de 85 mil processos e proferiu cerca de 116 mil decisões, tanto em ações originárias quanto em recursos. Do total, 80,5% das decisões foram monocráticas e 19,5% colegiadas. Em relação a 2024, segundo Fachin, houve um aumento de 5,5% no número de decisões tomadas pelo conjunto dos ministros.

No STF, decisões monocráticas são aquelas dadas por apenas um ministro, geralmente em casos urgentes, quando há entendimento já consolidado do Tribunal ou para aplicar decisões anteriores da Corte.

Em alguns casos, esse tipo de decisão precisa ser levado ao colegiado em seguida para confirmação, modificação ou rejeição dela pelo plenário, ou por uma das turmas.

Quando o tema já foi decidido várias vezes pela Corte, o ministro pode apenas aplicar esse entendimento em decisões individuais, o que evita rediscutir a mesma matéria em sessões colegiadas, desafogando as sessões de deliberação.

No geral, é competência do relator decidir sozinho questões como negar seguimento a recursos, conceder ou negar liminares e aplicar precedentes.

Embora sejam comuns em todos os tribunais, as decisões monocráticas passaram a ser alvo de críticas nos últimos anos, principalmente por parte do Congresso Nacional, que vê nesse instrumento um excesso de poder individual dos ministros.

Desde 2023, parlamentares discutem medidas para limitar esse tipo de decisão.

Em novembro, após o ministro Gilmar Mendes decidir de forma monocrática restringir à PGR (Procuradoria-Geral da República) o poder de pedir o impeachment de ministros do Supremo, o Congresso reagiu e retomou a tramitação de uma proposta sobre o tema.

No mesmo dia da decisão de Gilmar, a CCJ (Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania) da Câmara aprovou, em caráter terminativo, um projeto de lei que limita decisões individuais de ministros contra leis aprovadas pelo Congresso Nacional.

A proposta também restringe o direito de partidos políticos recorrerem sozinhos ao STF para derrubar leis ou atos do Poder Executivo.

Segundo o projeto, de autoria do deputado federal e presidente nacional do Republicanos, Marcos Pereira (SP), o ministro que proferir uma decisão monocrática deverá submetê-la à análise do plenário do Supremo na sessão seguinte. Caso isso não ocorra, a decisão perde a validade. O texto ainda precisa passar pelo Senado.

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