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Cem anos do rádio no Brasil: das emissoras pioneiras até a Era de Ouro

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Emissoras pioneiras ajudam a contar a história do rádio no Brasil

 Por Edgard Matsuki – Repórter da Agência Brasil – Brasília

Com o surgimento das primeiras transmissões de rádio no Brasil (como a da Rádio Clube de Pernambuco e a do dia 7 de setembro de 1922), apaixonados pelo novo veículo começaram a trabalhar em iniciativas que resultaram nas primeiras emissoras do país. De lá para cá, a trajetória do próprio meio de comunicação se confunde com a de algumas emissoras pioneiras. Uma delas é Rádio Sociedade (hoje Rádio MEC).

Estação da Rádio Sociedade do Rio de Janeiro

Estação da Rádio Sociedade do Rio de Janeiro – Acervo EBC/Direitos reservados

Os pioneiros da Rádio Sociedade em 1924: à direita do relógio, Roquette Pinto, e, à esquerda, Henrique Morize (mais alto, de óculos).

Os pioneiros da Rádio Sociedade em 1924: à direita do relógio, Roquette-Pinto, e, à esquerda, Henrique Morize (mais alto, de óculos) – Acervo EBC/Direitos reservados

Emissora da histórica transmissão do centenário da Independência, a Rádio Sociedade foi criada oficialmente no ano de 1923 no Rio de Janeiro. Exatos 365 dias separaram a transmissão e a entrada no ar da emissora. No meio deste período, foi feita uma transmissão experimental em 1º de maio, e uma lei que derrubava a proibição da compra de aparelhos de rádio foi criada no dia 11 do mesmo mês.

Conheça mais sobre a Rádio Sociedade/MEC

A Rádio Sociedade surgiu de um sonho de Edgard Roquette-Pinto. Ligada à ABC (Academia Brasileira de Ciências, a Sociedade recebeu figuras ilustres nos primeiros anos como, por exemplo, de Albert Einstein e Madame Curie. Em 1936, Roquette-Pinto doou a emissora ao MEC. Mesmo assim, ele continuou à frente da emissora até 1943. Com o passar dos anos, a MEC encampou iniciativas como o Projeto Minerva e hoje é uma das emissoras da Empresa Brasil de Comunicação e privilegia conteúdos de cultura, educação, infantis, entre outros.

 

A Sociedade se destacou como pioneira, mas a criação de maior sucesso no final da década de 1920 é a da Rádio Mayrink Veiga, também do Rio de Janeiro. Enquanto a Rádio Sociedade focava no caráter educativo com, inclusive, aulas de disciplinas escolares na programação, a Mayrink Veiga se dedicava ao chamado rádio espetáculo e mudou paradigmas na forma de se administrar uma emissora e entregar conteúdo.

A emissora foi criada por Alfredo Mayrink Veiga, dono de um dos maiores estabelecimentos de importação e exportação do país. “A emissora foi fundada como um balcão para que quem comprasse aparelhos de rádio na Casa Mayrink Veiga tivesse mais essa opção para sintonizar”, conta a jornalista e pesquisadora Paloma da Silveira Fleck em entrevista à Rádio MEC.

A partir dos anos 1930, com a regulamentação da publicidade do Brasil, a rádio, graças ao processo de profissionalização, cresceu ainda mais. “Na época, a Mayrink Veiga se estrutura como um negócio comunicacional. É quando ela vive seu período hegemônico e é destaque no rádio brasileiro”, completa Paloma.

Conheça mais sobre a Rádio Mayrink Veiga

Fundada em 1926, a Mayrink Veiga foi a primeira grande rádio comercial do país. Grandes nomes da época como Lamartine Babo e César Ladeira passaram pela rádio como contratados fixos. Mesmo quando perdeu o primeiro lugar para a Nacional e, posteriormente, com a concorrência da TV, a rádio manteve sua relevância com programas de humor como o PRK-30. No início de 1960, a rádio, com um novo dono, passou a ter caráter político. A Mayrink Veiga foi fechada no início da ditadura militar no Brasil em 1964. “Houve processo de destruição total dos acervos da Mayrink Veiga, de maneira que hoje já não há muitos registros dessa que foi uma das principais emissoras do país”, conta a pesquisadora Paloma da Silveira Fleck.

 

Fora da então capital do Brasil, outras emissoras também começavam a se destacar. Em São Paulo, a iniciativa de maior relevância no final dos 1920 e início de 1930 é a da Rádio Record. Assim como a Mayrink Veiga, a emissora foi fundada por um proprietário de um comércio. Álvaro de Macedo era proprietário da Casa Record, especializada na venda de aparelhos de rádio e discos.

É no ano de 1931 que a história da Record muda para sempre. Na época, Paulo Machado de Carvalho adquire a emissora e garante uma periodicidade mais regular na programação. No ano seguinte, o movimento que deu início a chamada Revolução Constitucionalista (que aconteceria no ano seguinte) foi abraçado pela rádio.

“A Sociedade Rádio Record iniciou sua atuação em prol da Revolução Constitucionalista antes mesmo de ela ser deflagrada. A cidade de São Paulo vinha assistindo a manifestações contra a ditadura de Getúlio Vargas e pró-constituição já há algum tempo. Numa dessas manifestações, em confronto com a polícia, quatro estudantes morreram. Isso aconteceu em 23 de maio de 1932. Outros estudantes, então, ‘invadem’ a Rádio Record e leem o seu manifesto”, conta a professora e pesquisadora Maria Elisa Pasqualini.

Dois meses depois, a mensagem de renúncia do então interventor de São Paulo era enviada diretamente para a Rádio Record e lida no ar. Neste período, a emissora ganhou a alcunha de “Voz da Revolução”. Foi justamente neste período que surgiu uma inovação: o primeiro jornal falado da história do rádio no Brasil.

Também em 1932, com a liberação da inserção de publicidade em veículos radiofônicos, a Record segue o mesmo processo de profissionalização da Mayrink Veiga em áreas como o entretenimento (com programas de auditório) e esportivas (em que a emissora foi pioneira ao transmitir a primeira partida de futebol da história do Brasil, entre as seleções paulista e carioca).

Conheça mais sobre a Rádio Record

Assim como no caso da Mayrink Veiga, a Record de São Paulo foi fundada por um dono de um comércio. Após ser conhecida como a “Rádio da Revolução”, a rádio foi responsável pelo surgimento de nomes como Adoniran Barbosa, Otávio Gabus Mendes e Blota Júnior. Na década de 1960, o grupo de Paulo Machado de Carvalho ganha a Record TV. Nos anos 1990, todo o grupo é vendido para Edir Macedo, da Igreja Universal do Reino de Deus. Até hoje a Rádio Record de São Paulo está no ar. A programação mistura entretenimento, informação e conteúdo religioso.

No Rio Grande do Sul, era a Rádio Gaúcha que começava a fazer história ao reforçar a identidade cultural da região. Em 1931, a Rádio Gaúcha transmitiu o primeiro jogo de futebol na Região Sul (entre Grêmio e a seleção do Paraná).

Integrantes que participavam do programa “Trovadores do Rio Grande” da Rádio Sociedade Gaúcha.

Integrantes que participavam do programa “Trovadores do Rio Grande” da Rádio Sociedade Gaúcha – Autor: Ed Keffel. Fonte: número 463 da Revista do Globo, de julho de 1948

No ano seguinte, a Gaúcha fez a transmissão da Festa da Uva em Caxias do Sul e se colocou como voz de contraponto à Rádio Record na campanha pela Revolução Constitucionalista. Com o passar dos anos, a Gaúcha passou a reforçar o foco na programação regional e em ouvintes do Rio Grande do Sul.

Conheça mais sobre a Rádio Gaúcha

A rádio Gaúcha foi fundada em 1927 e, como assim como outras rádios, nasceu por meio de sócios (sendo uma rádio sociedade). A rádio revelou nomes como de Vitor Mateus Teixeira, o Teixeirinha, um dos maiores da história da música tradicionalista gaúcha e, posteriormente, passou a focar no jornalismo e esporte. “A Rádio Gaúcha é a primeira emissora de rádio do Brasil a conseguir fazer, efetivamente, jornalismo 24 horas. A rádio faz uma espécie de breaking news constante, sendo uma rádio talking news, conversa e notícia”, conta o professor Luiz Artur Ferraretto. A rádio está no ar até hoje e é a de maior audiência em jornalismo e esporte na capital do Rio Grande do Sul.

 

A chegada da Rádio Nacional e o início da Era de Ouro no Brasil

A segunda metade da década de 1930 foi de consolidação do rádio como veículo de comunicação em massa. Tanto que, em 1936, a Rádio Sociedade, que não resistiu às transformações do período, deixa de ser de Edgard Roquette-Pinto, passa para as mãos do Ministério da Educação e muda de nome: se torna a Rádio MEC. No sentido contrário da MEC, outra emissora é criada para se tornar hegemônica na época: a Rádio Nacional.

No dia 12 de setembro de 1936, a Rádio Nacional entrou no ar. Sediada no imponente edifício do jornal A Noite, a Nacional entrava no ar ao som da canção Luar do Sertão, de João Pernambuco e Catulo da Paixão Cearense. Inicialmente, a Rádio Nacional segue a trajetória das outras emissoras da época.

Foi em 1940 que a história da emissora muda. Em meio à ditadura do Estado Novo de Getúlio Vargas, a Nacional é estatizada pelo governo. De um lado, foram feitos investimentos pesados em tecnologia (para aumentar o alcance da emissora) e em novos produtos. De outro, a rádio passava a servir a um projeto de governo e de valorização de uma cultura brasileira.

Getúlio Vargas com o diretor da Rádio Mec, Celso Brant.

Getúlio Vargas com o diretor da Rádio MEC, Celso Brant. – Acervo EBC/Direitos reservados

“Todos os investimentos que foram feitos na emissora foram para servir a um projeto político que ficava um pouco disfarçado ali em meio a uma programação de uma emissora comercial. Por trás, o que valia mesmo era o projeto político e a ênfase muito grande em Brasil e em cultura brasileira, que também era uma maneira de reforçar esse projeto político do Vargas para o rádio”, ressalta a pesquisadora Sonia Virgínia Moreira.

Ator Paulo Gracindo comanda show no aniversário da Rádio Nacional em 1956.

Ator Paulo Gracindo comanda show no aniversário da Rádio Nacional em 1956. – Acervo EBC/Direitos reservados

O resultado foi a contratação de artistas que eram de outras rádios, a criação de produtos inovadores como as radionovelas (com destaque de sucesso a O Direito de Nascer) e o Repórter Esso, principal rádio jornal do país por ano, e a liderança de audiência na Era de Ouro do rádio.

Conheça mais sobre a Rádio Nacional

Depois do período dominante, na década de 1940 e início de 1950, a Rádio Nacional passou a sofrer com a concorrência da televisão, que atraia anunciantes e casting artístico. Mesmo sem o domínio de outrora, a Nacional segue no ar. Desde 2008, ela integra a Empresa Brasil de Comunicação e mantém, em sua programação, jornalismo, esporte e conteúdos culturais.

Enquanto a Nacional, com a ajuda do governo federal, se consolidava no cenário radiofônico da época, outras emissoras surgiam e, ao seu modo, contribuíam com inovações. Uma delas é a Rádio Inconfidência de Minas Gerais. Criada em 3 de setembro de 1936, a rádio, já na fundação, tinha um equipamento de ponta financiado pelo governador do estado Benedito Valladares.

Na Rádio Inconfidência, ministro Rubens Terrazas da Bolívia, Lucas Lopes, Luís de Bessa e outros na década de 30.

Na Rádio Inconfidência, ministro Rubens Terrazas da Bolívia, Lucas Lopes, Luís de Bessa e outros na década de 30. – Jornal Folha de Minas / Arquivo Público Mineiro

“A programação seguia, em parte (assim como outras emissoras), o que a Nacional fazia. A popularização da Rádio Inconfidência veio com o sucesso da Rádio Nacional”, relata a pesquisadora Nair Prata. Em termos de inovação, além da possibilidade de fortalecer o conteúdo voltado aos mineiros, o programa A Hora do Fazendeiro se destaca.

Criado apenas cinco dias após a fundação da emissora, o programa é o primeiro voltado às atividades agrícolas no mundo. No ar até hoje, o A Hora do Fazendeiro é, de acordo com Nair Prata, o programa que está há mais tempo no ar sem qualquer interrupção no país. Por anos, a emissora foi mais ouvida em Minas Gerais.

Conheça mais sobre a Rádio Inconfidência

Quando entrou no ar, Inconfidência assumiu o slogan “Um Gigante no Ar” em referência ao poder de alcance dos transmissores. Foi a primeira grande emissora do estado de Minas Gerais. O casting artístico chegou a ter 500 integrantes. A Inconfidência foi responsável por lançar, por exemplo, Clara Nunes e o Clube da Esquina no cenário nacional. A rádio, que pertence ao governo de Minas Gerais, está no ar até hoje com programação cultural e informativa (incluindo o A Hora do Fazendeiro).

Um pouco antes, em 1934, foi criada a rádio Kosmos. Fundada por Alberto Byington Jr. como uma emissora de elite e que promovia grandes saraus para pessoas da alta sociedade de São Paulo (sempre transmitidos ao vivo), a Kosmos entrou para a história em 1938 ao, em rede com as rádios Cruzeiro do Sul de São Paulo e Rio de Janeiro e rádios Clube de Niterói (RJ) e Curitiba, transmitir a primeira Copa do Mundo em rádio diretamente da França.

A iniciativa da chamada rede Verde e Amarela no esporte suscitou uma guinada na programação da Kosmos que, em 1939, passa a se dedicar a transmissão de partidas de futebol. No ano seguinte, a Kosmos vira Rádio América e também se dedica à transmissão de eventos como o carnaval de rua na década de 1940.

Conheça mais sobre a Rádio Kosmos

A emissora fundada em 1934 teve Ary Barroso como um dos primeiros diretores, contava com orquestra própria e até começar a focar no esporte e virar, anos depois, a Rádio América. Em 2006, a emissora foi adquirida pela rede católica Canção Nova. Atualmente, a emissora tem quase 100% de programação religiosa (a exceção é a Voz do Brasil).

Quando começou a chamada Era de Ouro do rádio no Brasil (algo que ocorreu depois, por exemplo, do que nos Estados Unidos), outras tantas rádios também se destacaram. Muitas delas acabaram criando inovações posteriormente como, por exemplo, a Rádio Bandeirantes (fundada em 1937) que, na década de 1950, passou a dedicar 100% da programação a notícias/esporte ou a Tupi que, por meio da visão de seu fundador, Assis Chateaubriand, abriu as portas para a chegada da TV ao Brasil. Mas aí já é outra história.

Faltam 90 dias para a comemoração dos 100 anos do rádio no Brasil

Em comemoração aos cem anos do rádio no Brasil, completados em 7 de setembro de 2022, a Agência Brasil  publica uma série de dez reportagens sobre as principais curiosidades históricas do rádio brasileiro.

100 anos rádio no Brasil

O centenário do rádio no país também será celebrado com ações multiplataforma em outros veículos da EBC, como a Radioagência e a Rádio MEC  que transmitirá, diariamente, interprogramas com entrevistas e pesquisas de acervo para abordar diversos aspectos históricos relacionados ao veículo. A ideia é resgatar personalidades, programas e emissoras marcantes presentes na memória afetiva dos ouvintes.

Edição: Alessandra Esteves

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Caso Master: sigilo alimenta especulação sobre envolvidos, diz especialista

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Em entrevista ao CNN Prime Time, Cristiano Noronha detalha que o tema já está sendo politizado no âmbito local em Brasília

• Imagem gerada por IA

O caso do Banco Master, que teve sua liquidação extrajudicial decretada pelo BC (Banco Central), entrou no debate político brasileiro e está sendo explorado por diferentes campos ideológicos.

Em entrevista ao Agora CNN, o cientista político Cristiano Noronha, vice-presidente da Arko Advice, avalia que o sigilo imposto ao caso pelo ministro Dias Toffoli, do STF (Supremo Tribunal Federal), e a acareação por ele imposta alimentam especulações sobre quem poderia estar envolvido.

“Essa questão da determinação do sigilo, essa decisão de investigar, fazer essa acareação que foi decidida à revelia do que defendia a Polícia Federal, tudo isso acaba alimentando muito essas especulações de quem efetivamente estaria envolvido”, explica.

O especialista também comenta sobre a politização do tema: “O assunto já está sendo politizado no âmbito local em Brasília, porque a gente viu também personalidades políticas defendendo a compra do Banco Master pelo BRB, que é um banco público”, detalha.

Noronha destaca que a revelação do contrato que o escritório de advocacia de Viviane Barci de Moraes, esposa de Alexandre de Moraes, mantinha com o Banco Master serve como munição para a oposição e relembra os diversos pedidos de impeachment do ministro.

Distância estratégica do governo

Questionado sobre a postura do governo de evitar o confronto direto e manter o discurso de autonomia do Banco Central, o vice-presidente da Arko Advice avalia que essa é uma estratégia acertada.

“Faz todo sentido o governo fazer isso, primeiro porque se distancia do problema, insiste em uma decisão absolutamente técnica que o Banco Central tomou e eventualmente não politiza ainda mais esse assunto.”

Com esse distanciamento, Noronha explica que o governo evita ser acusado pela oposição de tentar blindar atores importantes caso venha à tona o envolvimento de figuras relevantes do cenário político e jurídico.

Fonte: CNN

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Zelensky quer mais do que os 15 anos de segurança oferecidos por Trump

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Zelesnky afirmou, nesta segunda-feira (29), ter pedido aos Estados Unidos garantias de segurança “sólidas” contra a Rússia

Após a reunião deste domingo (28/12) entre o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, e Donald Trump, nos EUA, a questão territorial continua sendo um dos principais pontos de bloqueio para a obtenção de um consenso.

A Rússia segue exigindo concessões da Ucrânia e a incorporação de Donbass, no leste. Zelesnky afirmou, nesta segunda-feira (29), ter pedido aos Estados Unidos garantias de segurança “sólidas”, com prazos mais longos do que 15 anos contra os russos.

Apesar dos pontos de atrito que parecem inviabilizar um compromisso duradouro a curto prazo, o presidente americano Donald Trump disse neste domingo estar “muito próximo” de um acordo de paz com a Ucrânia, após um encontro com o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky em sua residência em Mar-a-Lago, em Palm Beach, na Flórida.

Embora Trump demonstre otimismo, nenhum prazo foi estipulado para colocar em prática os pontos citados no plano de paz anunciado pelos EUA em 28 de novembro e modificado diversas vezes. Na conversa com jornalistas após a reunião, que teve a participação, por telefone, de líderes europeus, Trump e Zelensky admitiram que ainda há várias divergências pendentes entre russos e ucranianos — principalmente em relação às questões territoriais.

A principal dificuldade envolve o Donbass, formado pelas regiões de Donetsk e Lugansk, que continua sem solução. A área é reivindicada pelo presidente russo Vladimir Putin, que alega laços históricos e herança soviética. Mas, de acordo com a Constituição ucraniana, o território pertence à Ucrânia.

Antes da reunião, Zelensky esperava convencer o presidente americano a flexibilizar uma das principais propostas do plano de paz, que inclui a retirada completa das tropas ucranianas da região de Donbass, o que significaria ceder a Moscou áreas ainda controladas por Kiev.

Desde o início da guerra, em fevereiro de 2022, a Rússia tomou cerca de 12% do território ucraniano, após ter anexado a península da Crimeia em 2014. Trump e Zelensky admitiram neste domingo que o futuro do Donbass ainda é incerto. “Não está resolvido, mas estamos chegando perto”, disse Trump. “É uma questão muito difícil”, acrescentou, após afirmar que restam “um ou dois pontos delicados”.

Os Estados Unidos propuseram criar uma zona econômica franca caso a Ucrânia deixasse a região, mas seu funcionamento, na prática, não foi esclarecido. Apesar das dificuldades, “o desfecho das negociações entre a Rússia e a Ucrânia deve ocorrer nas próximas semanas”, afirmou o presidente americano, que também conversou por telefone com Vladimir Putin antes de receber Zelensky e disse que voltará a ligar para o presidente russo.

Garantias de segurança

Em uma mensagem publicada nas redes sociais, Zelensky disse que houve “progressos significativos” nas últimas semanas nas discussões conduzidas por equipes americanas e ucranianas. Segundo ele, os encontros definiram quais seriam as próximas etapas que viabilizariam o plano de 20 pontos, proposto por Trump.

Zelensky afirma que obteve um acordo sobre as garantias de segurança que seriam oferecidas à Ucrânia, mas Trump disse que a questão está resolvida em “95%” e espera que os europeus assumam “grande parte” dessas garantias, com apoio dos Estados Unidos.

Nesta segunda-feira, o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky disse que os Estados Unidos propuseram à Ucrânia garantias de segurança “sólidas” por um período de 15 anos que pode ser prorrogado. Ele disse que pediu a Washington um prazo maior durante sua reunião no domingo com Donald Trump.

“Eu realmente queria que essas garantias fossem mais longas e que consideramos a possibilidade de 30, 40, 50 anos”, afirmou Zelensky em uma coletiva de imprensa online. Segundo ele, o presidente americano vai analisar essa possibilidade. Ele também disse que terá uma nova reunião na Ucrânia “nos próximos dias” com líderes americanos e europeus.

Após a reunião entre Trump e Zelensky, o presidente francês, Emmanuel Macron, reconheceu no X avanços nas garantias de segurança e anunciou uma reunião da “coalizão dos voluntários” no início de janeiro, em Paris, “para finalizar as contribuições concretas de cada um”.

Zelensky e Trump também não deram detalhes sobre os acordos que envolvem a segurança da Ucrânia após o fim do conflito. Nesta segunda, o presidente ucraniano afirmou que só suspenderá a lei marcial, que proíbe, principalmente, que homens ucranianos elegíveis para o serviço militar deixem o país, após o fim da guerra com a Rússia e a obtenção de garantias de segurança.

Moscou insiste que qualquer envio de tropas estrangeiras para a Ucrânia seria inaceitável. De acordo com o líder ucraniano, qualquer acordo de paz deverá ser aprovado pelo Parlamento do país ou por referendo, e Trump disse estar disposto a se dirigir ao Parlamento em Kiev.

Zelensky anunciou que uma reunião entre representantes ucranianos e americanos ocorrerá na próxima semana, além de outro encontro em janeiro, em Washington, com Trump e líderes europeus. A reunião entre Trump e o presidente ucraniano ocorreu após várias semanas de esforços diplomáticos, especialmente por parte dos europeus, às vezes excluídos do processo liderado por Washington.

A Europa busca garantias de segurança para Kiev que tenham o apoio dos Estados Unidos. “A Europa está pronta para continuar sua colaboração com a Ucrânia e seus parceiros americanos a fim de consolidar os progressos rumo a um acordo de paz”, declarou na noite de domingo para segunda a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen.

Conversa com Putin

Pouco antes da chegada da delegação ucraniana à Flórida, Trump conversou por telefone com o presidente russo Vladimir Putin. O chefe de Estado americano descreveu a conversa como “muito produtiva”, e um conselheiro do Kremlin afirmou que o tom entre os dois líderes foi “cordial”. A discussão durou uma hora e quinze minutos.

Durante a ligação, Putin disse que a proposta de uma trégua de 60 dias, formulada pela Ucrânia e pela União Europeia, apenas prolongaria a guerra, segundo Yuri Uchakov. Kiev precisa tomar rapidamente uma “decisão corajosa” sobre o Donbass, acrescentou o conselheiro de política externa da presidência russa.

Durante o fim de semana, o Exército russo intensificou seus ataques aéreos contra a Ucrânia e atingiu neste domingo a capital e outras regiões do país com centenas de mísseis e drones. O aquecimento e a eletricidade foram cortados em alguns bairros de Kiev.

Zelensky descreveu os ataques russos como uma resposta de Moscou às negociações de paz lideradas por Washington. Trump, no entanto, disse acreditar que Putin é “sincero” em suas intenções de obter a paz.

Novos territórios

Quanto à usina nuclear de Zaporíjia, a maior da Europa, a administração americana propôs que Rússia e Ucrânia compartilhem seu controle.

No local, os trabalhos de reparação das linhas elétricas começaram após um novo cessar-fogo local negociado pela Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), informou a agência neste domingo.

Segundo Trump, os negociadores avançaram nas negociações sobre a usina, que pode “retomar operações quase imediatamente”, disse ele. Putin alertou no sábado que a Rússia continuará sua ofensiva militar na Ucrânia se Kiev não quiser chegar a uma paz rápida. O Exército russo, que avançou nas linhas de frente nos últimos meses, reivindicou neste domingo a tomada de novas regiões ucranianas.

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INSS: empresa que movimentou milhões funcionava em endereço fantasma

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Empresa apontou endereço em condomínio residencial no Jardim Botânico (DF). CNPJ movimentou quase R$ 4 milhões para ONGs investigadas

Uma empresa cujo endereço consta na Receita Federal como sendo no Jardim Botânico, Distrito Federal, movimentou, em apenas dois meses, quase R$ 4 milhões pertencentes a entidades investigadas no caso que ficou conhecido como a Farra do INSS.

A empresa em questão é a Prime Assessoria e Consultoria Financeira LTDA., também registrada como TI Assessoria Financeira. Cadastrada como microempresa – classificação dada a empreendimentos com faturamento anual de até R$ 360 mil, a companhia foi aberta em 2 de janeiro de 2025, no interior de um condomínio.

Metrópoles esteve no endereço e apurou que no local há apenas unidades habitacionais. De acordo com um funcionário do condomínio ouvido pela reportagem, nunca houve registro do empreendimento no residencial – configurando a suspeita de ser uma empresa fantasma.

Segundo o trabalhador, na casa apontada como sendo a sede da empresa mora um homem cujo nome não é mencionado em qualquer documento oficial da TI Assessoria. O portal tentou contato com o morador, mas não obteve sucesso.

Segundo o relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) enviado à CPMI do INSS, o dinheiro movimentado pela empresa é proveniente de depósitos e retiradas feitos pela Associação dos Aposentados do Brasil (AAB) e da Federação dos Agricultores Familiares e Empreendedores Rurais do Centro Sul e Sudeste, ligada a Conafer.

Tanto a AAB quanto a Conafer são investigadas por aplicar descontos ilegais nas aposentadorias e pensões do INSS.

Rendimento incompatível

Conforme os dados, a TI Assessoria recebeu, em dois meses, recursos de forma concentrada das associações investigadas e distribuiu esses valores para mais de 500 contrapartes. Do montante total movimentado na conta da empresa, R$ 1,97 milhão se refere a créditos e R$ 1,95 milhão, a débitos.

A movimentação milionária do empreendimento chamou atenção do sistema de monitoramento de Prevenção à Lavagem de Dinheiro (PLD), que classificou o rendimento da TI Assessoria como “incompatível” com “seu perfil, tempo de existência e porte”.

Segundo o sistema PLD, “não foram identificadas informações que explicassem a movimentação” dos valores da TI Assessoria Financeira. Além disso, na conta da empresa, “não houve manutenção de saldo em conta” devido a “rápida evasão dos recursos”. Após o fluxo milionário, o CNPJ foi encerrado em 5 de maio, quatro meses após ser aberto.

A reportagem apurou que uma das sócias da empresa é Thamyrez Maia de Oliveira, diretora financeira da Conafer. A mulher, segundo um depoimento concedido pelo presidente da associação, Carlos Roberto Ferreira Lopes, à CPMI do INSS, é esposa do presidente do Instituto Terra e Trabalho (ITT) Vinícius Ramos da Cruz – um dos presos no esquema de descontos ilegais. Vinícius é cunhado de Lopes.

Ainda conforme revelado por Lopes à CPMI, o instituto atua como “braço de execução” de várias entidades, incluindo a Conafer.

Sede no mesmo endereço

A Confederação Nacional dos Agricultores Familiares (Conafer) e a Associação dos Aposentados do Brasil (AAB) têm como sede o mesmo prédio empresarial, localizado no Setor Comercial Sul de Brasília, no Distrito Federal.

As informações, que divergem apenas no número da sala, constam no Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica das instituições e foram concedidas à União no momento da criação das empresas. Os CNPJs, inclusive, permanecem ativos, com os mesmos dados, perante a Receita Federal.

Tanto a Conafer quanto a AAB aparecem na lista de Processos Administrativos de Responsabilização (PAR) instaurados pela Controladoria-Geral em setembro deste ano.

A Conafer, por exemplo, teria desviado ao menos R$ 640 milhões de aposentadorias associadas à instituição. Em 17 de novembro, a Polícia Federal cumpriu mandado de prisão contra dirigentes da associação. O presidente, Carlos Roberto Ferreira Lopes, não foi localizado. Ele é apontado como chefe do esquema que contava com núcleos político, financeiro e de comando para cometer as fraudes.

A Associação dos Aposentados do Brasil, por sua vez, também seria responsável por desvios milionários. A AAB, segundo as investigações, teria solicitado descontos em benefícios de pessoas mortas há décadas. Um levantamento feito pela CGU identificou que a instituição solicitou indevidamente, em mais de 27 mil casos, a inclusão de descontos associativos de pessoas já falecidas.

Devido aos fatos, a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do INSS, que apura as fraudes, aprovou requerimento para convocar Dogival José dos Santos, presidente da AAB, para prestar depoimento no Senado Federal. Em 6 de novembro, parlamentares pediram quebra de sigilo bancário e fiscal do dirigente da instituição.

Donos de igrejas no DF

Metrópoles apurou que, antes de comandar a associação, Dogival era motorista. Ele e Lucineide dos Santos Oliveira (outra sócia da AAB) são donos de igrejas evangélicas localizadas na capital da República.

Uma dessas igrejas, em nome da mulher, fica na região do Recanto das Emas (DF). Estranhamente, no mesmo endereço da instituição religiosa, está cadastrada uma empresa pertencente a Samuel Chrisostomo do Bomfim Junior, contador da Conafer.

Metrópoles esteve no local e encontrou apenas a instituição religiosa, erguida entre um centro catequético e um terreno baldio. Apesar disso, segundo dados da Receita Federal, a loja de Samuel está ativa no espaço, o que conduz à suspeita de ser uma empresa fantasma.

Reprodução/ Google Maps

Outros CNPJs distintos em nome de Samuel e de Lucineide operam em um sobrado na mesma região administrativa. Além dos empreendimentos da dupla, funcionam no endereço empresas pertencentes a Cícero Marcelino de Souza Santos, assessor do presidente da Conafer.

Cícero – que chegou a afirmar, durante a CPMI, que lucrava “uns trocos” com o dinheiro que deveria ser destinado aos beneficiários do INSS – foi preso em 17 de novembro, durante operação da PF.

Em 16 de outubro, durante depoimento, Cícero admitiu que abriu empresas para prestar serviços a pedido de Carlos Lopes. Ele disse que recebia planilhas de pagamentos para as entidades da Conafer e, posteriormente, fazia o repasse. Pontuou ainda que não conhece Samuel Chrisostomo, apesar de ter CNPJ de instituição sediada no mesmo local de empresas do homem.

Santos também negou saber de onde vinham os recursos recebidos pela Conafer. Ele e a esposa, no entanto, teriam movimentado R$ 300 milhões da instituição desde 2019.

Durante a CPMI, as empresas de Cícero foram apontadas como empreendimentos de natureza laranja. “A única coisa que estou vendo aqui nesta CPMI é que as pessoas que os sindicatos ajudam são os próprios dirigentes e seus familiares, as empresas dos dirigentes, dos familiares, ou dos laranjas e familiares dos laranjas. E você é um laranja, suas empresas são empresas laranjas”, disse a deputada Adriana Ventura (Novo-SP).

Operação

A Polícia Federal (PF) e a Controladoria-Geral da União (CGU) deflagraram, em 13 de novembro, nova fase da Operação Sem Desconto, investigação que mira esquema nacional de descontos associativos não autorizados em aposentadorias e pensões. A ação mobilizou equipes em 17 estados e no Distrito Federal.

Ao todo, foram cumpridos 63 mandados de busca e apreensão, 10 mandados de prisão preventiva e diversas medidas cautelares. Entre os presos estão:

  • Alessandro Stefanutto – ex-presidente do INSS;
  • Antônio Carlos Antunes Camilo, conhecido como Careca do INSS;
  • Vinícius Ramos da Cruz – presidente do Instituto Terra e Trabalho (ITT);
  • Tiago Abraão Ferreira Lopes – diretor da Conafer e irmão do presidente da entidade, Carlos Lopes;
  • Cícero Marcelino de Souza Santos – empresário ligado à Conafer; e
  • Samuel Chrisostomo do Bonfim Júnior – também integrante da Conafer.

Os alvos estão espalhados por Espírito Santo, Goiás, Maranhão, Minas Gerais, Paraíba, Paraná, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, São Paulo, Sergipe, Tocantins e Distrito Federal.

Como o esquema funcionava

Segundo as investigações, os suspeitos atuavam inserindo dados falsos em sistemas oficiais para incluir beneficiários em associações ou entidades fictícias. A partir disso, eram feitos descontos mensais indevidos diretamente nos pagamentos de aposentados e pensionistas, muitos deles sem qualquer conhecimento sobre as cobranças.

Os alvos são investigados por formar organização criminosa voltada à obtenção de vantagens financeiras por meio de estelionato previdenciário, além de corrupção ativa e passiva para facilitar o acesso fraudulento aos sistemas do INSS.

Também há apurações sobre ocultação de patrimônio, supostamente utilizado para dificultar o rastreamento dos valores desviados

O outro lado

Metrópoles tentou contatar as pessoas envolvidas nessa reportagem tanto por e-mail quanto por telefone, mas não obteve retorno. O espaço segue aberto para futuras manifestações.

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