Brasil
Cem anos do rádio no Brasil: das emissoras pioneiras até a Era de Ouro
Emissoras pioneiras ajudam a contar a história do rádio no Brasil
Por Edgard Matsuki – Repórter da Agência Brasil – Brasília
Com o surgimento das primeiras transmissões de rádio no Brasil (como a da Rádio Clube de Pernambuco e a do dia 7 de setembro de 1922), apaixonados pelo novo veículo começaram a trabalhar em iniciativas que resultaram nas primeiras emissoras do país. De lá para cá, a trajetória do próprio meio de comunicação se confunde com a de algumas emissoras pioneiras. Uma delas é Rádio Sociedade (hoje Rádio MEC).

Emissora da histórica transmissão do centenário da Independência, a Rádio Sociedade foi criada oficialmente no ano de 1923 no Rio de Janeiro. Exatos 365 dias separaram a transmissão e a entrada no ar da emissora. No meio deste período, foi feita uma transmissão experimental em 1º de maio, e uma lei que derrubava a proibição da compra de aparelhos de rádio foi criada no dia 11 do mesmo mês.
Conheça mais sobre a Rádio Sociedade/MEC
A Rádio Sociedade surgiu de um sonho de Edgard Roquette-Pinto. Ligada à ABC (Academia Brasileira de Ciências, a Sociedade recebeu figuras ilustres nos primeiros anos como, por exemplo, de Albert Einstein e Madame Curie. Em 1936, Roquette-Pinto doou a emissora ao MEC. Mesmo assim, ele continuou à frente da emissora até 1943. Com o passar dos anos, a MEC encampou iniciativas como o Projeto Minerva e hoje é uma das emissoras da Empresa Brasil de Comunicação e privilegia conteúdos de cultura, educação, infantis, entre outros.
A Sociedade se destacou como pioneira, mas a criação de maior sucesso no final da década de 1920 é a da Rádio Mayrink Veiga, também do Rio de Janeiro. Enquanto a Rádio Sociedade focava no caráter educativo com, inclusive, aulas de disciplinas escolares na programação, a Mayrink Veiga se dedicava ao chamado rádio espetáculo e mudou paradigmas na forma de se administrar uma emissora e entregar conteúdo.
A emissora foi criada por Alfredo Mayrink Veiga, dono de um dos maiores estabelecimentos de importação e exportação do país. “A emissora foi fundada como um balcão para que quem comprasse aparelhos de rádio na Casa Mayrink Veiga tivesse mais essa opção para sintonizar”, conta a jornalista e pesquisadora Paloma da Silveira Fleck em entrevista à Rádio MEC.
A partir dos anos 1930, com a regulamentação da publicidade do Brasil, a rádio, graças ao processo de profissionalização, cresceu ainda mais. “Na época, a Mayrink Veiga se estrutura como um negócio comunicacional. É quando ela vive seu período hegemônico e é destaque no rádio brasileiro”, completa Paloma.
Conheça mais sobre a Rádio Mayrink Veiga
Fundada em 1926, a Mayrink Veiga foi a primeira grande rádio comercial do país. Grandes nomes da época como Lamartine Babo e César Ladeira passaram pela rádio como contratados fixos. Mesmo quando perdeu o primeiro lugar para a Nacional e, posteriormente, com a concorrência da TV, a rádio manteve sua relevância com programas de humor como o PRK-30. No início de 1960, a rádio, com um novo dono, passou a ter caráter político. A Mayrink Veiga foi fechada no início da ditadura militar no Brasil em 1964. “Houve processo de destruição total dos acervos da Mayrink Veiga, de maneira que hoje já não há muitos registros dessa que foi uma das principais emissoras do país”, conta a pesquisadora Paloma da Silveira Fleck.
Fora da então capital do Brasil, outras emissoras também começavam a se destacar. Em São Paulo, a iniciativa de maior relevância no final dos 1920 e início de 1930 é a da Rádio Record. Assim como a Mayrink Veiga, a emissora foi fundada por um proprietário de um comércio. Álvaro de Macedo era proprietário da Casa Record, especializada na venda de aparelhos de rádio e discos.
É no ano de 1931 que a história da Record muda para sempre. Na época, Paulo Machado de Carvalho adquire a emissora e garante uma periodicidade mais regular na programação. No ano seguinte, o movimento que deu início a chamada Revolução Constitucionalista (que aconteceria no ano seguinte) foi abraçado pela rádio.
“A Sociedade Rádio Record iniciou sua atuação em prol da Revolução Constitucionalista antes mesmo de ela ser deflagrada. A cidade de São Paulo vinha assistindo a manifestações contra a ditadura de Getúlio Vargas e pró-constituição já há algum tempo. Numa dessas manifestações, em confronto com a polícia, quatro estudantes morreram. Isso aconteceu em 23 de maio de 1932. Outros estudantes, então, ‘invadem’ a Rádio Record e leem o seu manifesto”, conta a professora e pesquisadora Maria Elisa Pasqualini.
Dois meses depois, a mensagem de renúncia do então interventor de São Paulo era enviada diretamente para a Rádio Record e lida no ar. Neste período, a emissora ganhou a alcunha de “Voz da Revolução”. Foi justamente neste período que surgiu uma inovação: o primeiro jornal falado da história do rádio no Brasil.
Também em 1932, com a liberação da inserção de publicidade em veículos radiofônicos, a Record segue o mesmo processo de profissionalização da Mayrink Veiga em áreas como o entretenimento (com programas de auditório) e esportivas (em que a emissora foi pioneira ao transmitir a primeira partida de futebol da história do Brasil, entre as seleções paulista e carioca).
Conheça mais sobre a Rádio Record
Assim como no caso da Mayrink Veiga, a Record de São Paulo foi fundada por um dono de um comércio. Após ser conhecida como a “Rádio da Revolução”, a rádio foi responsável pelo surgimento de nomes como Adoniran Barbosa, Otávio Gabus Mendes e Blota Júnior. Na década de 1960, o grupo de Paulo Machado de Carvalho ganha a Record TV. Nos anos 1990, todo o grupo é vendido para Edir Macedo, da Igreja Universal do Reino de Deus. Até hoje a Rádio Record de São Paulo está no ar. A programação mistura entretenimento, informação e conteúdo religioso.
No Rio Grande do Sul, era a Rádio Gaúcha que começava a fazer história ao reforçar a identidade cultural da região. Em 1931, a Rádio Gaúcha transmitiu o primeiro jogo de futebol na Região Sul (entre Grêmio e a seleção do Paraná).
No ano seguinte, a Gaúcha fez a transmissão da Festa da Uva em Caxias do Sul e se colocou como voz de contraponto à Rádio Record na campanha pela Revolução Constitucionalista. Com o passar dos anos, a Gaúcha passou a reforçar o foco na programação regional e em ouvintes do Rio Grande do Sul.
Conheça mais sobre a Rádio Gaúcha
A rádio Gaúcha foi fundada em 1927 e, como assim como outras rádios, nasceu por meio de sócios (sendo uma rádio sociedade). A rádio revelou nomes como de Vitor Mateus Teixeira, o Teixeirinha, um dos maiores da história da música tradicionalista gaúcha e, posteriormente, passou a focar no jornalismo e esporte. “A Rádio Gaúcha é a primeira emissora de rádio do Brasil a conseguir fazer, efetivamente, jornalismo 24 horas. A rádio faz uma espécie de breaking news constante, sendo uma rádio talking news, conversa e notícia”, conta o professor Luiz Artur Ferraretto. A rádio está no ar até hoje e é a de maior audiência em jornalismo e esporte na capital do Rio Grande do Sul.
A chegada da Rádio Nacional e o início da Era de Ouro no Brasil
A segunda metade da década de 1930 foi de consolidação do rádio como veículo de comunicação em massa. Tanto que, em 1936, a Rádio Sociedade, que não resistiu às transformações do período, deixa de ser de Edgard Roquette-Pinto, passa para as mãos do Ministério da Educação e muda de nome: se torna a Rádio MEC. No sentido contrário da MEC, outra emissora é criada para se tornar hegemônica na época: a Rádio Nacional.
No dia 12 de setembro de 1936, a Rádio Nacional entrou no ar. Sediada no imponente edifício do jornal A Noite, a Nacional entrava no ar ao som da canção Luar do Sertão, de João Pernambuco e Catulo da Paixão Cearense. Inicialmente, a Rádio Nacional segue a trajetória das outras emissoras da época.
Foi em 1940 que a história da emissora muda. Em meio à ditadura do Estado Novo de Getúlio Vargas, a Nacional é estatizada pelo governo. De um lado, foram feitos investimentos pesados em tecnologia (para aumentar o alcance da emissora) e em novos produtos. De outro, a rádio passava a servir a um projeto de governo e de valorização de uma cultura brasileira.
“Todos os investimentos que foram feitos na emissora foram para servir a um projeto político que ficava um pouco disfarçado ali em meio a uma programação de uma emissora comercial. Por trás, o que valia mesmo era o projeto político e a ênfase muito grande em Brasil e em cultura brasileira, que também era uma maneira de reforçar esse projeto político do Vargas para o rádio”, ressalta a pesquisadora Sonia Virgínia Moreira.
O resultado foi a contratação de artistas que eram de outras rádios, a criação de produtos inovadores como as radionovelas (com destaque de sucesso a O Direito de Nascer) e o Repórter Esso, principal rádio jornal do país por ano, e a liderança de audiência na Era de Ouro do rádio.
Depois do período dominante, na década de 1940 e início de 1950, a Rádio Nacional passou a sofrer com a concorrência da televisão, que atraia anunciantes e casting artístico. Mesmo sem o domínio de outrora, a Nacional segue no ar. Desde 2008, ela integra a Empresa Brasil de Comunicação e mantém, em sua programação, jornalismo, esporte e conteúdos culturais.
Enquanto a Nacional, com a ajuda do governo federal, se consolidava no cenário radiofônico da época, outras emissoras surgiam e, ao seu modo, contribuíam com inovações. Uma delas é a Rádio Inconfidência de Minas Gerais. Criada em 3 de setembro de 1936, a rádio, já na fundação, tinha um equipamento de ponta financiado pelo governador do estado Benedito Valladares.
Criado apenas cinco dias após a fundação da emissora, o programa é o primeiro voltado às atividades agrícolas no mundo. No ar até hoje, o A Hora do Fazendeiro é, de acordo com Nair Prata, o programa que está há mais tempo no ar sem qualquer interrupção no país. Por anos, a emissora foi mais ouvida em Minas Gerais.
Conheça mais sobre a Rádio Inconfidência
Quando entrou no ar, Inconfidência assumiu o slogan “Um Gigante no Ar” em referência ao poder de alcance dos transmissores. Foi a primeira grande emissora do estado de Minas Gerais. O casting artístico chegou a ter 500 integrantes. A Inconfidência foi responsável por lançar, por exemplo, Clara Nunes e o Clube da Esquina no cenário nacional. A rádio, que pertence ao governo de Minas Gerais, está no ar até hoje com programação cultural e informativa (incluindo o A Hora do Fazendeiro).
Um pouco antes, em 1934, foi criada a rádio Kosmos. Fundada por Alberto Byington Jr. como uma emissora de elite e que promovia grandes saraus para pessoas da alta sociedade de São Paulo (sempre transmitidos ao vivo), a Kosmos entrou para a história em 1938 ao, em rede com as rádios Cruzeiro do Sul de São Paulo e Rio de Janeiro e rádios Clube de Niterói (RJ) e Curitiba, transmitir a primeira Copa do Mundo em rádio diretamente da França.
A iniciativa da chamada rede Verde e Amarela no esporte suscitou uma guinada na programação da Kosmos que, em 1939, passa a se dedicar a transmissão de partidas de futebol. No ano seguinte, a Kosmos vira Rádio América e também se dedica à transmissão de eventos como o carnaval de rua na década de 1940.
Conheça mais sobre a Rádio Kosmos
A emissora fundada em 1934 teve Ary Barroso como um dos primeiros diretores, contava com orquestra própria e até começar a focar no esporte e virar, anos depois, a Rádio América. Em 2006, a emissora foi adquirida pela rede católica Canção Nova. Atualmente, a emissora tem quase 100% de programação religiosa (a exceção é a Voz do Brasil).
Quando começou a chamada Era de Ouro do rádio no Brasil (algo que ocorreu depois, por exemplo, do que nos Estados Unidos), outras tantas rádios também se destacaram. Muitas delas acabaram criando inovações posteriormente como, por exemplo, a Rádio Bandeirantes (fundada em 1937) que, na década de 1950, passou a dedicar 100% da programação a notícias/esporte ou a Tupi que, por meio da visão de seu fundador, Assis Chateaubriand, abriu as portas para a chegada da TV ao Brasil. Mas aí já é outra história.
Faltam 90 dias para a comemoração dos 100 anos do rádio no Brasil
Em comemoração aos cem anos do rádio no Brasil, completados em 7 de setembro de 2022, a Agência Brasil publica uma série de dez reportagens sobre as principais curiosidades históricas do rádio brasileiro.
O centenário do rádio no país também será celebrado com ações multiplataforma em outros veículos da EBC, como a Radioagência e a Rádio MEC que transmitirá, diariamente, interprogramas com entrevistas e pesquisas de acervo para abordar diversos aspectos históricos relacionados ao veículo. A ideia é resgatar personalidades, programas e emissoras marcantes presentes na memória afetiva dos ouvintes.
Edição: Alessandra Esteves
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Cardiologistas apontam os melhores tratamentos para pressão alta
A pressão alta ocorre devido a combinação de fatores genéticos e estilo de vida pouco saudável. Doença afeta 1 bilhão de pessoas no mundo
Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), a pressão alta é uma condição que afeta mais de 1 bilhão de pessoas no mundo. Ela ocorre quando o sangue circula nas artérias com força exagerada de forma constante. Se não tratada, a evolução da hipertensão pode levar a quadros de acidente vascular cerebral (AVC), infarto e insuficiência renal.
Os casos acontecem devido a fatores genéticos e estilo de vida: obesidade, dietas alimentares inadequadas, sedentarismo, excesso de álcool e estresse são a “combinação perfeita” para a pressão alta.
Segundo especialistas entrevistados pelo Metrópoles, o tratamento pode ser feito com medicamentos. Eles ajudam a controlar a pressão arterial, relaxando vasos sanguíneos e diminuindo o volume de líquidos nas artérias.
No entanto, em casos mais leves, mudanças no estilo de vida são suficientes para reduzir a hipertensão ou conjugadas à medicação.
Além do medicamento
Alterações na rotina são imprescindíveis para diminuir a pressão alta, e a alimentação tem papel fundamental. A inclusão de comidas mais saudáveis, como frutas, vegetais, grãos integrais e laticínios com baixo teor de gordura, é uma boa alternativa. Também é recomendado reduzir o consumo de sódio e álcool.
“Diante do quadro de pressão alta, a alimentação pode influenciar e ajudar bastante no controle pressórico. O primeiro passo é diminuir o consumo de sal. Ele é o grande vilão quando se trata de hipertensão”, afirma a cardiologista Érica Renata, da Clínica Cardiosenior, em Brasília.
A prática de exercícios físicos com regularidade é importante para o funcionamento adequado do organismo, já que ajuda a reduzir o sedentarismo e controlar o peso. Evitar o tabagismo e gerenciamento do estresse são outras táticas naturais essenciais.
Crianças e adolescentes
Apesar de ocorrer principalmente após os 50 anos, um estudo recente mostrou que a ocorrência de crianças e adolescentes com pressão alta tem aumentado. Dados estimam que cerca de 114 milhões de jovens têm a condição no mundo. A pesquisa foi publicada na revista científica The Lancet Child & Adolescent Health em novembro.
A alta dos casos nesse público tem ligação com o estilo de vida inadequado, com uma rotina alimentar repleta de alimentos ultraprocessados e pouca atividade física. O ciclo iniciado na infância tem se refletido cada vez mais cedo, aumentando as chances de crianças hipertensas se tornarem adultos com a doença.
De acordo com o cardiologista Renault Ribeiro Júnior, hábitos saudáveis devem ser introduzidos desde cedo para evitar uma geração hipertensa no futuro.
“Devemos procurar ser o maior exemplo para nossos filhos de como evitar um quadro de hipertensão. Se quisermos ter uma geração saudável, isso deve começar dentro de nossas casas”, sugere o coordenador de cardiologia do Hospital Santa Lúcia, em Brasília.
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Farra do INSS: presidente de ONG investigada foi condenado por caixa 2
Abraão Lincoln, presidente da CBPA, teria utilizado conta bancária de uma trabalhadora vinculada a ele para receber valores não declarados
Abraão Lincoln Ferreira da Cruz, presidente da Confederação Brasileira dos Trabalhadores de Pesca e Aquicultura (CBPA) – uma das associações sediadas em Brasília e investigadas por embolsar R$ 221,8 milhões na Farra do INSS, foi condenado em agosto deste ano por “caixa 2” nas eleições de 2014.
Naquele ano, Abraão se candidatou a uma vaga no Congresso Nacional pelo estado do Rio Grande do Norte. À época, ele teria utilizado a conta bancária de uma auxiliar de secretaria subordinada a ele para receber valores não declarados à Justiça Eleitoral.
Segundo o Ministério Público, na conta da mulher, usada como laranja, “vultuosos” valores circulavam. Conforme apurado pelo órgão, um filho de Abraão era responsável por sacar o dinheiro, quando o montante não era encaminhado para outras contas, como a da esposa do aposentado.
A investigação eleitoral teve início após desdobramento da Operação Enredados. Inicialmente voltada para apurar crimes ambientais e de lavagem de capitais no setor pesqueiro, a ação também acabou revelando elementos que apontavam para a prática de ilícitos eleitorais a partir da quebra de sigilo do celular de um suspeito.
Durante as fases do processo, o Ministério Público Eleitoral identificou um repasse de um policial militar no valor de R$ 86 mil para a conta laranja. Ao MP o homem disse que prestou serviços ao réu, mas não conseguiu explicar a transferência. Além do PM, a esposa de Abraão também teria depositado R$ 46 mil na conta da trabalhadora.
Em depoimento, o presidente da CBPA disse que os valores depositados eram frutos de uma “vaquinha” arrecadada pela Confederação da Pesca para “fomentar os movimentos nacionais do setor”. No entanto, ao ser indagado sobre o motivo de o dinheiro não ter entrado na conta da própria entidade ou até mesmo na conta dele, Abraão desconversou.
Na ação, o aposentado negou ter feito caixa 2 e declarou, ainda, que os valores seriam utilizados para o evento “Gritos da Pesca”. O Ministério Público, porém, informou que em uma “simples pesquisa no Google” foi possível verificar que o encontro ocorreu em momento “totalmente diferente da movimentação bancária”.
Organização criminosa
Em 2015, Abraão Lincoln Ferreira da Cruz foi um dos 18 alvos da Operação Enredados, deflagrada pela Polícia Federal (PF). À época, a investigação revelou esquema de crimes ambientais e contra a administração pública com ramificações em diversos estados, cuja sede era em Brasília.
A prisão preventiva de Abraão foi decretada em 14 de outubro de 2015. No documento, ele é citado como líder da organização criminosa que atuava junto ao extinto Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA). As acusações formais imputadas a Abraão incluíam corrupção ativa, crimes contra o meio ambiente, emissão de autorização em desacordo com as normas ambientais e crimes praticados por particular contra a administração.
Segundo a operação, Abraão agia na liderança do grupo, juntamente a outros indivíduos, para obter atos administrativos ilícitos junto ao MPA. As ações incluíam emissão de licença para a venda de arraias com finalidade ornamental e ampliação da capacidade de estocagem desses animais por empresas laranjas.
Após solicitação da defesa, o presidente da CBPA foi solto em janeiro de 2016. O processo ainda tramita na Justiça.
Prisão do presidente
Em 4 de novembro deste ano, Abraão foi preso novamente, dessa vez pela CPMI do INSS sob a acusação de falso testemunho. Na ocasião, o sindicalista teria mentido sobre conhecer o tesoureiro da CBPA, Gabriel Negreiros – que é padrinho de um neto dele. Ao longo da sessão, o deputado federal Duarte Jr. (PSB-MA) apresentou uma foto do batizado da criança e também afirmou que Abraão Lincoln depositou R$ 5 milhões em uma conta de Negreiros.
“Ele (Abraão Lincoln) chama de relação institucional depositar R$ 5 milhões na conta do Gabriel Negreiros, que nada mais é do que padrinho do neto dele. Ele ser padrinho do seu neto é relação institucional?”, questionou Duarte Jr.
Após ser pressionado pelo deputado, Abraão Lincoln disse que se confundiu ao responder o relator da CPMI, deputado Alfredo Gaspar, a respeito da relação com Negreiros. Segundo a comissão, Abraão também teria mentido em outros quatro momentos.
Na mesma data, o presidente da CBPA pagou fiança e foi liberado.
Careca do INSS e ligações políticas
Abraão Lincoln já comandou o Republicanos no Rio Grande do Norte e foi candidato a deputado federal pelo partido em 2018.
Ele mantém relação com políticos da legenda, tanto figuras regionais como nacionais. A influência se estende também ao próprio INSS.
Em 2024, o ex-diretor de benefícios André Fidelis pegou uma diária somente para ir a uma festa da entidade. Investigado pela PF, Fidelis foi exonerado do cargo em julho do ano passado, após reportagens da Farra do INSS.
A CBPA ainda aparece como uma das entidades que pagou o lobista Antonio Carlos Camilo Antunes, o Careca do INSS, um dos pivôs do escândalo revelado pelo Metrópoles.
Apenas uma funcionária
A reportagem esteve no local em que está localizada a sede da associação. Na pequenina sala comercial, apenas uma funcionária costuma aparecer. O horário da mulher, apontada como secretária, também chama a atenção. Conforme testemunhas, ela permanece no endereço por aproximadamente duas horas por dia.
Segundo um relatório da Controladoria-Geral da União (CGU), a CBPA “não possui infraestrutura para localização, captação, cadastramento e muito menos fornecimento de serviços” compatíveis com o registro de milhares de associados, espalhados por mais de 3,6 mil municípios. Mesmo assim, até 2025, a associação conseguiu 757 mil cadastrados.
De acordo com CPMI que apura as fraudes, dos 215 mil aposentados e pensionistas vinculados à confederação que reclamaram de descontos, 99% não teriam autorizado a entidade a aplicar as deduções de seus benefícios no INSS.
Crescimento exponencial
A CBPA foi criada em 2020. Dois anos depois, obteve o acordo de cooperação técnica com o INSS – que permite os descontos nos benefícios, mesmo sem ter nenhum associado.
Apesar da falta de empregados, em 2023 o número de pessoas ligadas à CBPA passou de quatro, em maio, para mais de 340 mil associados no fim do ano, resultando em arrecadação anual de R$ 57,8 milhões.
No primeiro trimestre de 2024, auge da farra dos descontos indevidos, o número de filiados saltou para 445 mil, e o faturamento bateu R$ 41,2 milhões no período.
Durante sessão na CPMI do INSS, o deputado Alfredo Gaspar (União-AL) classificou, em tom de crítica, o aumento no número de cadastros da associação como um “case” de sucesso. “Até 2025, eles conseguiram 757 mil cadastros, que correspondem a mais de R$ 221 milhões no período de dois anos”, disse o parlamentar.
De acordo com informações obtidas pela coluna Tácio Lohan, do Metrópoles, a CGU suspeita que a confederação tenha contratado uma empresa de telemarketing para buscar as filiações, o que é vedado, conforme os termos do acordo de cooperação técnica (ACT) com o INSS.
“Considerando o mês com 22 dias úteis e 8 horas de jornada de trabalho diário, a CBPA teria adicionado 8.524,86 descontos associativos por dia útil, isto é, 17,76 descontos por minuto”, pontuou o órgão.
“A CBPA não tem registro de nenhum funcionário junto à RAIS [Relação Anual de Informações Sociais], mas os quantitativos de descontos associativos adicionados são tão elevados que, mesmo que associação alegasse possuir 100 funcionários, os descontos associativos nessa quantidade ainda seriam improváveis de terem sido incluídos com observância de todas as formalidades legais e contratuais”, concluiu a CGU.
Segundo a Controladoria-Geral da União, a CBPA também teria solicitado mais de 40 mil vezes a inclusão de descontos em benefícios de pessoas mortas.
Farra no INSS
- O escândalo do INSS foi revelado pelo Metrópoles em uma série de reportagens publicadas a partir de dezembro de 2023.
- Três meses depois, o portal mostrou que a arrecadação das entidades com descontos de mensalidade de aposentados havia disparado, chegando a R$ 2 bilhões em um ano, enquanto as associações respondiam a milhares de processos por fraude nas filiações de segurados.
- As reportagens do Metrópoles levaram à abertura de inquérito pela Polícia Federal (PF) e abasteceram as apurações da Controladoria-Geral da União (CGU).
- No total, 38 matérias do portal foram listadas pela PF na representação que deu origem à Operação Sem Desconto, deflagrada no dia 23/4 e que culminou nas demissões do presidente do INSS e do então ministro da Previdência, Carlos Lupi.
O outro lado
Ao Metrópoles a defesa de Abraão Lincoln disse que “recorreu e o TRE-RN ainda não julgou o recurso”. “O caixa 2 seria, segundo a denúncia, gastos na contabilizados que correspondem a uma fração irrisória do gasto total declarado”, disse Emanuel Grilo, advogado de Abraão.
“Naquele tempo não havia teto de gastos de campanha, e cada partido informava à justiça eleitoral quanto gastaria, de modo que não faria sentido sonegar documentos da prestação de contas deliberadamente”, finalizou.
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Mais de 80% das decisões do STF em 2025 foram monocráticas
Mais de 80% das decisões dos ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) em 2025 foram monocráticas (individuais). O dado foi divulgado pelo presidente da Corte, ministro Edson Fachin, durante a sessão de encerramento do ano judiciário na última sexta-feira (19).
Neste ano, o STF recebeu mais de 85 mil processos e proferiu cerca de 116 mil decisões, tanto em ações originárias quanto em recursos. Do total, 80,5% das decisões foram monocráticas e 19,5% colegiadas. Em relação a 2024, segundo Fachin, houve um aumento de 5,5% no número de decisões tomadas pelo conjunto dos ministros.
No STF, decisões monocráticas são aquelas dadas por apenas um ministro, geralmente em casos urgentes, quando há entendimento já consolidado do Tribunal ou para aplicar decisões anteriores da Corte.
Em alguns casos, esse tipo de decisão precisa ser levado ao colegiado em seguida para confirmação, modificação ou rejeição dela pelo plenário, ou por uma das turmas.
Quando o tema já foi decidido várias vezes pela Corte, o ministro pode apenas aplicar esse entendimento em decisões individuais, o que evita rediscutir a mesma matéria em sessões colegiadas, desafogando as sessões de deliberação.
No geral, é competência do relator decidir sozinho questões como negar seguimento a recursos, conceder ou negar liminares e aplicar precedentes.
Embora sejam comuns em todos os tribunais, as decisões monocráticas passaram a ser alvo de críticas nos últimos anos, principalmente por parte do Congresso Nacional, que vê nesse instrumento um excesso de poder individual dos ministros.
Desde 2023, parlamentares discutem medidas para limitar esse tipo de decisão.
Em novembro, após o ministro Gilmar Mendes decidir de forma monocrática restringir à PGR (Procuradoria-Geral da República) o poder de pedir o impeachment de ministros do Supremo, o Congresso reagiu e retomou a tramitação de uma proposta sobre o tema.
No mesmo dia da decisão de Gilmar, a CCJ (Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania) da Câmara aprovou, em caráter terminativo, um projeto de lei que limita decisões individuais de ministros contra leis aprovadas pelo Congresso Nacional.
A proposta também restringe o direito de partidos políticos recorrerem sozinhos ao STF para derrubar leis ou atos do Poder Executivo.
Segundo o projeto, de autoria do deputado federal e presidente nacional do Republicanos, Marcos Pereira (SP), o ministro que proferir uma decisão monocrática deverá submetê-la à análise do plenário do Supremo na sessão seguinte. Caso isso não ocorra, a decisão perde a validade. O texto ainda precisa passar pelo Senado.




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