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STF apresenta anteprojeto sobre terras indígenas a partir de proposta do governo Temer

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Em agosto, o movimento indígena se retirou do colegiado em meio ao protesto de que Mendes não estava respondendo nem levando a plenário agravos ajuizados pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib)

Terra indígena: anteprojeto do STF copia proposta do governo Temer. Foto: Ascom/Ministério da Defesa

Da Agência Pública 

O “anteprojeto de lei complementar” sobre as terras indígenas apresentado pelo ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Gilmar Mendes copia trechos inteiros ou faz ligeiras adaptações de uma proposta de lei produzida pelo governo Michel Temer em 2018 e do Projeto de Lei 191, levado ao Congresso em 2020 pelo governo de Jair Bolsonaro. Ambas as iniciativas pretendiam liberar a mineração em terras indígenas, mas foram rechaçadas, em 2023, pelo governo Lula após intensa condenação de organizações indígenas, indigenistas e Ministério Público Federal (MPF).

As transcrições literais ou adaptações aparecem em pelo menos 20 dos 94 artigos do chamado “anteprojeto” do STF, segundo levantamento feito pela Agência Pública com auxílio de duas ferramentas de inteligência artificial cujos resultados foram checados ponto a ponto.

Os trechos com grande similaridade cobrem os mais diversos aspectos da hipótese da mineração em terras indígenas, como a permissão para que o Congresso Nacional autorize pesquisa e lavra em determinada terra indígena.

A proposta de Mendes ficou conhecida no dia 14 de fevereiro em uma decisão sua no bojo de uma ação direta de constitucionalidade (ADC 87) na qual ele criou também uma “comissão especial de conciliação” para tratar da tese jurídica do marco temporal no processo de demarcação das terras indígenas. A decisão não traz explicação sobre a origem dos artigos.

A Pública solicitou esclarecimentos ou comentários do ministro, do seu gabinete ou do STF sobre as cópias e adaptações. Eles foram indagados também sobre as fontes usadas para a confecção do “anteprojeto”. Por meio da sua assessoria de comunicação, o tribunal respondeu: “Sem comentários”.

O “anteprojeto” copiou também pelo menos dois artigos inteiros do Projeto de Lei do Senado (nº 169), apresentado em 2016 pelo senador Telmário Mota e arquivado em 2022. Em 2023, Telmário foi preso pela polícia sob acusação de ter mandado matar sua ex-mulher, Antônia Sousa, de 52 anos, que também era testemunha em um processo no qual o ex-senador era acusado de estuprar a própria filha.

Há dois anos, o governo Lula pediu que o PL 191 deixasse de tramitar no Congresso Nacional. Como o Executivo era o próprio autor do PL, em 2023 ele foi retirado. Em diferentes notas técnicas, o MPF apontou que o PL continha “inconstitucionalidades” e “vício insanável”. Por decisão de Mendes, o MPF não tem direito a voto na comissão do STF e apenas pode acompanhar as sessões.

Membros da comissão foram surpreendidos com o aparecimento, no “anteprojeto” divulgado no dia 14, de diversos tópicos que ultrapassam o tema do marco temporal e chegam à permissão da mineração e de outras atividades econômicas em terras indígenas. Integrantes da “conciliação” ouvidos pela Pública disseram que esses temas não foram objeto de discussão prévia.

O “anteprojeto” ainda será votado na comissão, que tem 23 integrantes, 18 dos quais não são indígenas. No último dia 21 de fevereiro, Mendes acolheu um pedido da União e suspendeu os trabalhos da comissão até 26 de março, quando o “anteprojeto” começará a ser votado. Na decisão, Mendes proibiu a apresentação de novas propostas ao afirmar que “cumpre à Comissão propor o aprimoramento da proposta apresentada pelo Gabinete, sem a formulação de novas proposições paralelas ou alternativas”. Segundo o ministro, a comissão recebeu propostas ao longo de seis meses, “todas devidamente registradas nos autos”.

Em agosto, o movimento indígena se retirou do colegiado em meio ao protesto de que Mendes não estava respondendo nem levando a plenário agravos ajuizados pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib).

O coordenador jurídico da Abib, Maurício Terena, disse que as cópias e semelhanças entre os três textos apontadas pela Pública “não podem nunca ser uma coincidência”.

“[Os textos] vêm de propostas que não passaram pelo Congresso ou foram recusadas pelo atual governo. Mas agora o STF tenta retornar como lei a partir de uma situação totalmente anômala na história do tribunal, a formulação de ‘anteprojetos’ de lei em comissões de conciliação levadas a votação. A ausência de explicação sobre a origem do texto também demonstra a falta de transparência da comissão. Vários tópicos desse ‘anteprojeto’, como os da mineração, não foram discutidos pelos membros da comissão e muito menos pelos próprios povos indígenas, os mais impactados. Nós não sabemos exatamente como foi a confecção desse documento, quais as fontes, quem apresentou qual proposta”, disse o advogado indígena.

Em notas públicas divulgadas nos últimos dias, a Comissão Arns e três relatores especiais da Organizações das Nações Unidas (ONU) condenaram as propostas contidas no “anteprojeto” do STF.

“As novas alterações propostas, se aprovadas, constituirão um grande retrocesso para os direitos dos Povos Indígenas, para a proteção ambiental e para as ações voltadas para a emergência climática, ameaçando o direito de todos a um meio ambiente limpo, saudável e sustentável. Se aprovada, a proposta poderá agravar significativamente a tripla crise planetária de mudanças climáticas, perda de biodiversidade e poluição tóxica, com impactos negativos para os direitos humanos dos povos indígenas e de todas as pessoas no Brasil”, disseram os relatores da ONU em nota divulgada nesta terça-feira (25).

Em nota, a Comissão Arns apontou que a “conciliação” do STF acabou representando uma “barganha sobre o direito fundamental alheio”, assumindo “a feição cada vez mais impositiva”.

“Não se compõem conflitos sem consentimento e participação da parte mais afetada [indígenas]. Uma conciliação sem partes legítimas foge do padrão constitucional. Cabe ao STF proteger direitos fundamentais, não abrigar transações contra eles. Esse foro extravagante de disputa política que nele se instalou não tem competência nem legitimidade para propor nenhuma alteração normativa”, diz a nota da comissão de notáveis defensores dos direitos humanos, criada em 2019 em contraponto ao governo Bolsonaro.

Similaridade

Ao analisar os 20 artigos do “anteprojeto” selecionados pela Pública, a ferramenta DeepSeek apontou uma similaridade, com os outros três textos, “geralmente alta, variando entre 85% e 95%”, e concluiu que “o significado e o conteúdo são muito semelhantes”.

A comparação entre os três textos indica trechos inteiros transcritos literalmente ou pequenas variações e adaptações. A prática do “copia e cola” fica ainda mais evidente no artigo 41 do “anteprojeto” do STF, mais uma transcrição quase literal, desta vez do artigo 4 da proposta de Temer em 2018. O texto do STF, porém, comete uma falha reveladora ao identificar a Funai como “Fundação Nacional do Índio”. Trata-se do nome que o órgão tinha em 2018. Em 2023, ele foi rebatizado como Fundação Nacional dos Povos Indígenas.

Os trechos com grande similaridade tratam do processo de consulta às comunidades indígenas, autorizam estudos minerários mesmo que as comunidades proíbam o acesso ao território, estabelece o papel do Congresso na autorização de pesquisa e lavra, cria um “Conselho Curador”, que terá a função de fiscalizar os recursos decorrentes da participação das comunidades indígenas no resultado da lavra de recursos minerais e calcular indenizações, entre diversas outras medidas.

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Desembargador decide adotar inovação legislativa do CPC conhecida como ope legis

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O desembargador Roberto Barros decidiu rever a própria decisão ao analisar agravo interno, impetrado pelo advogado Alisson Freitas Merched, que apontou como motivo do recurso a “inovação legislativa”, ope legis. A decisão, datada do dia 10, aponta a inexigibilidade momentânea do “recolhimento do preparo recursal”, o pagamento de custas com o processo.

Segundo o magistrado, a mudança de entendimento é baseada no argumento de que taxas podem ser descontadas na fase de execução de honorários advocatícios, cobrados judicialmente.

“A decisão retratada pautou-se na premissa de que a isenção de custas depende, invariavelmente, de provocação da parte e deferimento judicial (sistemática da Gratuidade de Justiça), todavia, o § 3º do art. 82 do CPC introduziu no ordenamento uma regra de diferimento legal automático (ope legis), de natureza cogente e objetiva”, escreve o desembargador.

Roberto Barros ainda apontou como “formalismo excessivo” em uma situação em que os próprios honorários possuem “natureza alimentar”.

A inovação legislativa é prevista no § 3º do art. 82 do Código de Processo Civil (CPC), atualizado na Lei nº 15.109/2025.

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Estudantes de aldeia indígena em Assis Brasil celebram formatura do ensino fundamental

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A professora Maria Francisca Saraiva destacou a importância do momento para a comunidade. Segundo ela, a formatura é a concretização de um sonho coletivo, construído com esforço, perseverança e fé na educação como instrumento de transformação social

Estudantes da Escola Indígena Nossa Senhora da Conceição celebram a primeira formatura do 9º ano do ensino fundamental na Aldeia Peri, em Assis Brasil. Foto: cedida

Levar educação pública de qualidade a todos os acreanos, independentemente da distância ou das dificuldades de acesso, é um compromisso permanente do governo do Acre, por meio da Secretaria de Estado de Educação e Cultura (SEE). Esse compromisso ganhou um significado histórico na última semana, na Aldeia Peri, localizada no município de Assis Brasil, onde, pela primeira vez, 30 estudantes da Escola Indígena Nossa Senhora da Conceição concluíram o 9º ano do ensino fundamental.

O feito representa muito mais que uma formatura. Para chegar até a comunidade, o acesso exige uma viagem terrestre de cerca de 70 quilômetros pelo ramal Icuriã, seguida por aproximadamente uma hora e meia de deslocamento fluvial em barco. Um percurso que simboliza os desafios enfrentados diariamente para garantir que o direito à educação chegue aos locais mais remotos do estado.

A professora Maria Francisca Saraiva destacou a importância do momento para a comunidade. Segundo ela, a formatura é a concretização de um sonho coletivo, construído com esforço, perseverança e fé na educação como instrumento de transformação social. A educadora também ressaltou a visita da equipe do Núcleo da SEE em Assis Brasil como um gesto significativo para a aldeia.

Ao todo, 30 alunos concluíram o Ensino Fundamental, marcando um novo capítulo para a educação indígena no interior do Acre. Foto: cedida

A coordenadora da Representação da SEE em Assis Brasil, Sandra Lopes, celebrou o marco histórico. “É algo inédito: uma turma de 30 alunos se formando no 9º ano do ensino fundamental, pela primeira vez na comunidade, com muita garra e determinação. Esses estudantes desejam seguir estudando e ingressar no ensino médio em 2026, o que mostra que a educação abre caminhos e amplia horizontes”, afirmou.

Durante a cerimônia, também houve homenagens à liderança local, com destaque ao senhor Francildo Matias de Sousa Manchineri, vice-liderança da comunidade, que assumiu com responsabilidade e compromisso a continuidade do trabalho educacional após a partida do professor Artur, mantendo vivo o sonho coletivo de acesso à educação.

Mesmo com acesso por ramal e via fluvial, o governo do Acre garante o direito à educação de qualidade nas comunidades mais remotas. Foto: cedida

Representando os estudantes, Sebastião Salomão Manchineri, o aluno mais velho da turma, emocionou a todos ao falar em nome da classe. “Somos profundamente gratos. A luta e o esforço da união das lideranças tornaram possível a conclusão de um ciclo tão importante. Esta conquista não representa apenas o fim de uma etapa, mas a prova de que a educação transforma realidades e constrói futuros. Nosso respeito e gratidão a todos que acreditaram e lutaram para que este momento se tornasse realidade”, declarou.

Educação indígena como prioridade

Para o secretário de Estado de Educação e Cultura, Aberson Carvalho, o momento reafirma o compromisso do governo com uma política educacional inclusiva, respeitosa e adaptada às especificidades dos povos indígenas.

“Garantir educação de qualidade às comunidades indígenas exige um trabalho diferenciado, sensível às culturas, aos territórios e às realidades locais. O que vimos na Aldeia Peri é a prova de que, com planejamento, compromisso e valorização dos profissionais da educação, é possível superar distâncias e transformar vidas. Essa formatura representa o fortalecimento da educação indígena no Acre e reafirma que nenhum estudante ficará para trás, independentemente de onde viva”, destacou o secretário.

Estudantes celebram a conclusão de uma etapa e sonham com o ingresso no ensino médio em 2026. Foto: cedida

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Cortes no orçamento de 2026 ameaçam funcionamento da Ufac, diz Andifes; cenário é crítico

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Os cortes agravam um cenário já considerado crítico. Caso não haja recomposição, o orçamento das universidades federais em 2026 ficará nominalmente inferior ao executado em 2025, mesmo sem considerar os efeitos da inflação e os reajustes obrigatórios de contratos

A associação alerta que o cenário atual representa “comprometimento do pleno desenvolvimento das atividades de ensino, pesquisa e extensão nas universidades federais”

Vitor Paiva

A Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) manifestou preocupação com os cortes promovidos pelo Congresso Nacional no orçamento das Universidades Federais durante a tramitação do Projeto de Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2026. Segundo a entidade, as reduções afetam diretamente o funcionamento das instituições e comprometem ações essenciais de ensino, pesquisa e extensão.

De acordo com análise preliminar da Andifes, o orçamento originalmente previsto no PLOA 2026 para as 69 universidades federais sofreu um corte total de R$488 milhões, o que representa uma redução de 7,05% nos recursos discricionários. A entidade informa que os cortes “incidiram de forma desigual entre as universidades e atingiram todas as ações orçamentárias essenciais ao funcionamento da rede federal de ensino superior”.

A Andifes destaca que a situação é mais grave na assistência estudantil, considerada estratégica para a permanência de estudantes em situação de vulnerabilidade socioeconômica. Apenas nessa área, o corte alcançou cerca de R$100 milhões, equivalente a uma redução de 7,3%. Para a associação, a medida “compromete diretamente a implementação da nova Política Nacional de Assistência Estudantil (PNAES)”, instituída pela Lei nº 14.914/2024, e coloca em risco avanços relacionados à democratização do acesso e da permanência no ensino superior público.

Segundo a entidade, os cortes agravam um cenário já considerado crítico. Caso não haja recomposição, o orçamento das universidades federais em 2026 ficará nominalmente inferior ao executado em 2025, mesmo sem considerar os efeitos da inflação e os reajustes obrigatórios de contratos, especialmente os relacionados à mão de obra. A Andifes ressalta ainda que o quadro se torna mais preocupante diante de reduções semelhantes nos orçamentos da Capes e do CNPq.

No texto, a associação alerta que o cenário atual representa “comprometimento do pleno desenvolvimento das atividades de ensino, pesquisa e extensão nas universidades federais”, além de ameaçar a sustentabilidade administrativa das instituições e a permanência de estudantes em situação de vulnerabilidade socioeconômica. A entidade também aponta que a restrição orçamentária impõe entraves ao desenvolvimento científico e, consequentemente, à soberania nacional.

A Andifes reconhece o diálogo mantido com o Ministério da Educação, afirmando que a pasta tem demonstrado sensibilidade diante da gravidade do cenário. No entanto, reforça que “os cortes aprovados pelo Congresso Nacional exigem ações imediatas de recomposição, sob pena de comprometer o funcionamento regular das universidades federais e limitar o papel estratégico dessas instituições no desenvolvimento científico, social e econômico do país”.

Por fim, a associação informou que seguirá atuando junto ao Governo Federal e ao Congresso Nacional em defesa da recomposição do orçamento das universidades federais e da pesquisa científica, da valorização da educação superior pública e do cumprimento do compromisso constitucional do Estado brasileiro com a ciência, a educação e a redução das desigualdades sociais e regionais.

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