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Seis décadas de um gênio: Zico relembra vitórias, paixão e polêmicas no Flamengo

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Em entrevista ao ‘Jornal do Brasil’, Galinho abre o verbo e o coração

Henrique de Almeida

São 60 anos completados neste domingo (3). Para os torcedores do Flamengo e amantes do bom futebol, seria preferível que fosse eterno o auge de Arthur Antunes Coimbra com a camisa 10 da Gávea e da Seleção, como diz a letra do hino de Jorge Benjor.

Em entrevista ao Jornal do Brasil, Zico falou por mais de uma hora sobre as dificuldades do início da carreira, histórias do time multicampeão da década de 80 e os dramas que passou durante seus 46 anos dedicados ao futebol.

Zico começou a entrevista falando sobre a nova fase que vive na vida, de descanso e reflexão após seis décadas. Ele se definiu como estando “na idade da curva”, e definiu como prioridade aproveitar a infância dos cinco netos: Arthur Neto(filho de Arthur Júnior), Antônio e Felipe (filhos de Thiago Coimbra, filho caçula de Zico), Gabriel e Alice(filhos de Bruno Coimbra).

Zico durante entrevista na sede do CFZ; foco agora é acompanhar o crescimento dos netos

Zico durante entrevista na sede do CFZ; foco agora é acompanhar o crescimento dos netos

“É legal fazer isso, de brincar e sair com meus netos, porque eu não pude fazer isso muito com meus filhos. Quero devolver isso pra eles, e meus filhos sempre entenderam essa questão toda. E vamos combinar que quem viveu o tempo todo no esporte, na competição, tem que estar bem para poder acompanhar de maneira saudável o crescimento dos meus netos. São quatro homens, então a tendência vai ser de futebol”, diverte-se, lembrando de Felipe, neto mais velho:

“Ele tem cinco anos agora e está apaixonado por futebol, quer jogar e depois vai andar de bicicleta, brincar no parquinho. Tem que ter disposição pra não deixar nenhum netinho com inveja também”, analisa ele, com um sorriso no rosto.

Infância

ZICO_006Zico já teve essa idade, e passou pela infância apaixonado pelo Flamengo(graças ao pai, Seu Antunes, definido como “o maior comunicador da marca Flamengo na história”) e pelo futebol nas ruas de Quintino Bocaiúva, zona norte do Rio. Aos 14 anos, durante um torneio em que vestia a camisa do Santos no clube Ríver, Zico fez 10 gols na vitória de seu time por 14 x 4. Celso Garcia, radialista já famoso no Rio e rubro-negro fanático, levou-o para treinar na Escolinha do Flamengo. Zico lembra que esse fato impediu uma possível ida para o América, clube onde já jogavam seus irmãos, Edu e Antunes Coimbra.

“A primeira camisa que eu vesti foi a do América, num jogo do Infantil no Andaraí. Na semana que eu ia começar os treinos no América,  aconteceu isso tudo. Eu decidi, pedi licença ao Edu e ele disse: vai onde você achar que deve ir, a carreira é sua”, relembra Zico, que quase foi pro Vasco ainda no final dos anos 60. Ele conta que a rotina de sair de Quintino de madrugada, treinar na Gávea pela manhã e estudar no colégio Rivadávia Corrêa, na Central do Brasil, além da academia à noite, estava sendo dificultada pelo próprio Flamengo:

“No meio dessa correria toda, eu tinha que almoçar no Flamengo, e o clube não queria me dar esse almoço. Meu pai se aborreceu e me tirou do clube. O Célio de Souza, meu técnico na escolinha, tinha ido pro Vasco e queria me levar. Quando foi falado isso, o meu primo soube, alguém falou com o George Helal (presidente do clube). Ele me bancou pessoalmente o almoço e as passagens. Aí eu voltei pro Flamengo”, relembra Zico, que considera difícil que a ida para o maior rival realmente se concretizasse:

“Seria difícil eu ir para o Vasco porque meu pai tinha muito ódio do Vasco. Devido ao que aconteceu na vida dele, dele quase ter sido goleiro do Flamengo e o chefe dele na padaria onde trabalhava ter dito que, se ele jogasse futebol pelo clube, estaria na rua. Ele precisava do dinheiro e ficou por lá, mas tomou muito ódio do Vasco”, ri Zico.

Enquanto tentava a vaga no time profissional do Flamengo, Zico teve a primeira grande decepção na carreira: a não convocação para as Olimpíadas de 1972 deixaram o jogador muito decepcionado com o futebol. Sobre a possibilidade de o problema do irmão Nando com a Ditadura Militar ter causado a não convocação, assim como ter visto o irmão preterido na convocação para a Copa do Mundo de 1970, Zico pensa que a origem do problema é outra:

“O problema maior aconteceu com o meu irmão Antunes, que não foi convocado para a seleção Olímpica de 1964 porque o meu pai, seu Antunes, não aceitou assinar um contrato de gaveta com o Fluminense e, com isso, o cara que era militar, do Fluminense e da CBD, disse que ele também não iria pra Olimpíada. Em 1969 o Edu não foi, e tudo era comandado por militares. Se tivesse que ter acontecido alguma coisa, eu nem seria levado pro Pré-Olímpico de 1971. Não havia sentido me tirar por causa disso quatro ou cinco meses depois.  E não foi só comigo, mas minha família estava escaldada por conta de todas essas histórias”, disse ele.

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Títulos, dramas, glórias e histórias

Zico tornou-se titular do Flamengo no início de 1974, e teve um ano muito bom, com direito a título carioca, o prêmio da Bola de Ouro da revista Placar como melhor jogador do brasileiro e a quebra do recorde de gols em um mesmo ano pelo Flamengo, com 49 gols. Uma marca que, segundo Zico, foi quebrada “contra a vontade”. “Tinha que ser logo do meu ídolo Dida (46 gols em 1959)? Contra o Vasco que eu quebrei essa marca, e mexeu muito comigo. Cresci vendo o Dida jogar e arrebentar”, rememora, saudoso. A Copa de 1974, para ele, era uma chance que merecia pelo futebol praticado naquele ano. A base do time, porém, foi a campeã de 1970. Zico compara o ocorrido à não convocação de Neymar e Ganso em 2010. “Se Seleção fosse aquela coisa só de momento, eu merecia estar lá. Foi mais ou menos o que aconteceu com o Neymar e o Ganso em 2010. Eles tinham que estar lá, não era fogo de palha nem foguete, mas resolveram não levar”, analisa.

Em 1976, um jogo simbólico para a carreira de Zico. A final da Taça Guanabara rendeu o último jogo junto com o irmão Edu no Flamengo, o último gol do amigo Geraldo com a camisa do Flamengo e… um gol perdido na decisão por pênaltis. “Talvez tenha sobrado autoconfiança e faltado concentração. Foi uma lição. Ainda bem que devolvi com juros e correção nos anos seguintes. Imagina se eu não bato, bate outro e perde, imagina, iam me chamar de pipoqueiro”, defende-se Zico.

81_1199783dO título carioca de 1978, com participação de Zico no gol histórico de Rondinelli deu início à era mais gloriosa da história do Flamengo, que durou até 1983 e trouxe três títulos brasileiros, quatro campeonatos cariocas, uma Taça Libertadores e um Mundial Interclubes. Uma história curiosa mostra a importância de Zico naquele grupo, e aconteceu durante a fase final do Brasileiro de 1980, o primeiro conquistado pelo clube:

“Nunca joguei sem contrato. Naquela época, o pessoal deixava para renovar o contrato na última hora.  E o meu contrato, em 1980, terminava dois dias antes da final. A final era 1 de junho, e meu contrato terminava dia 30 de maio. Ganhamos o jogo contra o Coritiba fora de casa, e depois do jogo eu reuni os jogadores e o Coutinho (Cláudio, técnico do Flamengo) e falei: meu profissionalismo está acima de qualquer coisa, o Flamengo não renovou até agora. Mas eu gostaria de contar com a ajuda de vocês. Eu vou jogar na final, mas não gostaria que isso saísse daqui. Para o Flamengo e para a imprensa eu vou dizer que não vou jogar se o Flamengo não renovar o meu contrato.  Mas vocês podem ter certeza que jogar eu vou. Eles entenderam e assim foi feito. Não tinha jogado o primeiro jogo”.

Venda polêmica e infelicidade

Após o título brasileiro de 1983, em final com mais de 155 mil pessoas no Maracanã contra o Santos, a surpresa: Zico foi vendido para a Udinese, da Itália. O Galinho relembra com tristeza sobre toda a negociação com o clube italiano, encabeçada pelo presidente do clube à época, Antônio Dunshee de Abranches:

“Ele foi um bom presidente, mas ficou marcado como o cara que me vendeu. Ali, era a útima oportunidade do clube de receber dinheiro em troca do meu passe. Naquela época, a lei do passe dizia que pra você ficar livre, tinha que ter 32 anos ou 10 de clube, e isso eu tinha. Se eu renovasse, ia sair sem custo em 1985. Então criou todos os artifícios pra que eu fosse vendido, e jogou para a imprensa que eu estava dificultando a negociação. Acho que ele foi infeliz na forma que tratou o caso, fazer o que ele fez ficou chato”, analisa.

Após um período de dois anos na Udinese, Zico brigou com o presidente do clube e pediu para voltar ao Flamengo. Após cinco jogos em lua de mel com a torcida rubro-negra, veio o jogo fatídico contra Bangu pelo Campeonato Brasileiro. O empate em 0 a 0 foi deixado de lado pelo lance que mudou a trajetória da carreira de Zico:

81_1231478C“Ele foi mal orientado, tinham que me parar. Só que o louco do Márcio fez o que fez, e quase inutiliza a minha carreira, mas tive força suficiente pra encerrar minha carreira jogando. Não nos encontramos depois de 1987, e coitado, deram uma porrada nele também (em 1988) e ele se aposentou”, disse Zico, com expressão séria no rosto.

Em 1986, mais um pênalti no caminho de Zico: na partida contra a França, na Copa do Mundo, o Galinho começou no banco, e entrou já dando o passe para Branco sofrer o pênalti. Ele, que havia deixado Careca bater um pênalti na goleada de 4  a 0 sobre a Polônia, se defende dos que o consideram culpado pela perda da vaga na semifinal daquela Copa.

“Não me sinto responsabilizado pela perda da vaga, em nenhum momento. É uma chance perdida, mas um time que quer ser campeão tem que estar preparado pras dificuldades. Eu estava treinado. Desde o jogo contra a Polônia, um dos melhores aproveitamentos era meu e do Júlio César. O Sócrates também vinha bem, e todos perdemos. É do jogo”, defende-se Zico.

Título dramático

O Campeonato Brasileiro de 1987, vencido pelo Flamengo, é o maior exemplo de superação da carreira de Zico. O meia rompeu os pontos de uma cirurgia no joelho no último jogo da primeira fase, contra o Santa Cruz. Desde então, as dificuldades com o joelho avariado pela contusão em 1985 começaram a aumentar:

“Sabia que ia ter que fazer a cirurgia. Depois de 45 minutos, meu joelho bloqueava e eu não conseguia movimentar. Eu não podia treinar mais. Eram jogos quarta e domingo, então eu joguei contra o Atlético no sábado e descansei domingo, segunda, terça um pouquinho, jogava quarta… passei dias sem treinar pra jogar a final contra o Inter. No dia seguinte ao título, fui fazer cirurgia. Mas o título já estava ganho, a missão já estava cumprida”, satisfaz-se Zico, lembrando que, daquele time do Flamengo, só Ailton não serviu a Seleção Brasileira, sendo que cinco deles foram campeões em 1994: Jorginho, Aldair, Leonardo, Bebeto e Zinho.

Fim de carreira

Em 1989, Zico fez uma promessa a si mesmo: seria o último ano da carreira. As dificuldades para ele, que gostava de treinar, começavam a ficar insuportáveis. “Fiquei desanimado, com receio de fazer algo mais forte, sentir uma lesão no jogo.Terminei mesmo na final contra o Botafogo no Carioca. Mas como o  Gilberto Cardoso Filho (presidente) vendeu o Bebeto, ele me pediu pra ficar lá um tempo, mas eu pedi algumas datas para organizar minha despedida”, conta ele. O adeus aconteceu em 6 de fevereiro de 1990. “O Maracanã foi palco daquilo tudo. Era necessário que fosse ali, e foi na hora certa. Esse estádio era a minha segunda casa, me localizava fácil ali. Não é á toa que fiz 333 gols no estádio. E olha que eu não conto gol em Jogo das Estrelas, hein”, diverte-se o Galinho.

Bronca com Patrícia

Zico não esconde sua mágoa com Patrícia Amorim, presidente do Flamengo à época de sua atuação como dirigente de futebol do clube, entre junho e setembro de 2010. Para ele, a presidente “se escondeu” no trato com ele e revelou que o motivo maior da crise, um suposto favorecimento a atletas do CFZ, era na verdade um acordo que tinha sido assinado pela própria Patrícia Amorim:

“Estavam na mesa o Rafael De Piro(diretor jurídico), Marcos Braz (vice de Futebol), Michel Levy (vice de finanças), o Bruno (empresário e filho de Zico) e eu, como presidente de honra do CFZ.  O mínimo que ela poderia ter feito era dizer: quem assinou fui eu.  E ela se escondeu. O De Piro chegou a sugerir a alteração da data do documento. O vice jurídico do Flamengo fazendo um negócio desses! Foi uma coisa direcionada pra continuar o que já vinha acontecendo lá dentro do Flamengo. Isso ai foi um ato indecente, foi premeditado”, dispara Zico, que não concorda que teria sido ingênuo quando assumiu a posição dentro do Flamengo.

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“Não é questão de ser ingênuo. Queria ajudar. A Patrícia, quando era nadadora, cansou de pedir para ajudar nas rifas para recuperar a piscina do clube, e eu cansei de ajudá-la. E achei que ela, como atleta, poderia mudar alguma coisa. Mas fazendo tudo o que fez, fica aquele papo: “Tá vendo? Atleta só serve pra ser atleta”, lamenta o Galinho.

O negócio entre Flamengo e CFZ consistia em o rubro-negro utilizar as instalações do CFZ e na facilidade de utilização da estrutura do CFZ tanto para recuperar jogadores afastados do elenco quanto para contratar algum atleta que estivesse se destacando no CFZ. Zico conta que a situação da base, quando chegou ao Flamengo, era lamentável:

“O Flamengo era barriga de aluguel, tinha empresário com 14 jogadores no elenco da base. Tinha titular que nem pertencia ao Flamengo, e a parceria foi para mudar isso. Quando esse contrato foi feito, eu não era nem presidente do CFZ nem nada no Flamengo. O Flamengo pagava um aluguel de 8 mil reais que não pagava nem a luz daqui. E se fosse o contrário, jogadores virem pra cá, se o CFZ conseguisse alguma negociação, só ai o CFZ tinha direito a metade”, explicou o Galinho, que relatou que após o pedido de demissão, se reuniu com todos os jogadores, a comissão técnica e a presidente.

“Disse tudo o que queria dizer e mais um pouco. Ela poderia explicar o lado dela, dizer o que pensava sobre tudo aquilo, e não me disse nada. Abaixou a cabeça e ficou quieta. “O que ela disse depois sobre mim não importa, ela tinha que falar frente a frente comigo”, disse Zico, que ainda provocou:

“Quem causou mais prejuízo ao Flamengo? Eu, que cheguei lá sem nenhum atacante e tentei fazer contratações com o que tinha no mercado na época, ou ela, que contratou o Ronaldinho Gaúcho? Não dá para dizer que a contratação do Ronaldinho foi um sucesso. E eu no Flamengo fui colocado para Cristo”, analisou ele.

Assim que a entrevista se encerra,  no entanto, a indignação de poucos segundos antes se transforma no sorriso do garoto criado no subúrbio, do jogador forjado na Gávea e que fez do Maracanã, do Brasil, do mundo, um palco de sua glória. Uma glória que, apesar da estátua do ídolo que hoje repousa na Gávea, é pouco para representar a obra do Galinho de Quintino no futebol.

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Pesquisa revela que rios do Acre passaram a ser alternativas do tráfico internacional de drogas

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Juruá e Acre, além de outros 12 rios da Amazônia, passaram a ser utilizados com mais frequência por causa da lei do abate de aeronaves. A ação do tráfico fez explodir a violência na Amazônia, incluindo o Acre

Rio Juruá banha a capital do Juruá, Cruzeiro do Sul. Foto: Reprodução

Tião Maia, ContilNet

O aumento na taxa de homicídios em Cruzeiro do Sul, no Vale do Juruá, o segundo maior município do Estado do Acre, no período de 2005 a 2020, foi como uma explosão em termos de violência: 595% em 15 anos.

A taxa saiu de 4,3, de 1996 a 2004, para 30, no período de 2005 a 2020, o segundo maior índice da região Norte do país. O primeiro ficou com Eirunepé, município do Amazonas, que tem uma população estimada em 33 mil habitantes. Entre 1996 e 2004, a média da taxa de homicídios de pessoas acima de 1 ano era de 3,7 por 100 mil habitantes. Mas, entre 2005 e 2020, esse número explodiu: 34 homicídios a cada 100 mil habitantes – um aumento vertiginoso de 819%.

Além de terem em comum a situação geográfica, Cruzeiro do Sul e Eirunepé, embora estejam em estados diferentes, são banhadas pelo mesmo rio, o Juruá, um dos afluentes do Rio Amazonas. Assim como esses dois, existem outros quatorze rios identificados por pesquisadores brasileiros como os “rios de cocaína”, por servirem de rota para o tráfico que envolve Brasil, Peru, Colômbia e Bolívia. São eles: Abunã, Acre, Amazonas, Caquetá, Envira, Içá, Japurá, Javari, Juruá, Madeira, Mamoré, Negro, Purus, Tarauacá, Uaupés e Xié.

O resultado da pesquisa está publicado na revista Piauí deste mês, com base em estudos sobre Interdição Aérea, Tráfico de Drogas e Violência na Amazônia Brasileira, produzido por pesquisadores do Insper e da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA-USP), com a participação do IZA (Institute of Labor Economics), da Alemanha.

Uma versão resumida em português foi divulgada nesta quinta-feira (30) pelo Amazônia 2030, iniciativa de pesquisadores brasileiros para desenvolver um plano sustentável para a Amazônia.

Cerco ao transporte de droga pelo ar fez aumentar uso dos rios, mostra pesquisa

De acordo com a publicação, a hipótese para o aumento da violência que atinge pequenos municípios na região amazônica banhados por essas águas tem uma explicação: com o cerco aos aviões, intensificou-se o uso de barcos no escoamento da droga.

A mudança no transporte do entorpecente aconteceu depois de 2004, ano em que o governo brasileiro colocou em prática uma política de interdição aérea, aprovada ainda em 1998. Com a nova lei, a Força Aérea Brasileira (FAB) foi autorizada a abater aeronaves suspeitas de transportar drogas vindas dos países vizinhos. Assim, a migração para os rios foi uma estratégia dos criminosos para fugir da fiscalização policial.

O escoamento pela água, um meio de deslocamento mais demorado, exige uma dinâmica própria e influencia as comunidades atingidas, argumentam os estudiosos. Os longos trajetos, por exemplo, levam os criminosos a empregarem diferentes barqueiros, contratarem pessoas para fazer a segurança do carregamento, fornecer equipamentos, estocar a droga, entre outras funções. “Isso acaba trazendo a atividade ilegal para uma proximidade muito maior com a população local”, diz Rodrigo R. Soares, professor titular da cátedra Fundação Lemann no Insper e líder da pesquisa.

Uma versão resumida em português foi divulgada nesta quinta-feira (30) pelo Amazônia 2030, iniciativa de pesquisadores brasileiros para desenvolver um plano sustentável para a Amazônia. Foto: Rio Acre/Assis Brasil

Mudanças na logística fizeram explodir a violência em cidades ribeirinhas

As estimativas do estudo indicam que a mudança na logística para movimentar a droga ocasionou, entre 2005 e 2020, 27% do total de 5.337 mortes em 67 cidades da região Oeste da Amazônia margeadas pelos dezesseis “rios de cocaína”. Elas têm menos de 100 mil habitantes, estão longe das grandes cidades e do cruzamento de rodovias, o que diminui as chances de as mortes estarem relacionadas a disputas fundiárias ou desmatamento ilegal. A prevalência de óbitos acontece entre homens de 20 a 49 anos, por uso de arma de fogo ou faca.

Os estudos mostram que o Brasil possui cerca de 8 mil km de fronteira com três países que concentram o plantio de coca na região, que está dividido da seguinte forma: Colômbia (61%), Peru (26%) e Bolívia (13%), segundo o relatório mundial do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC, na sigla em inglês). Até o começo dos anos 2000, as principais rotas de escoamento passavam pela América Central e Caribe ou iam diretamente para norte-americanos e europeus, onde estão os maiores compradores.

A Amazônia brasileira começou a aparecer nesse mapa em meados dos anos 2000. O Brasil, que até então figurava na décima posição em volume de cocaína apreendida, atualmente é o terceiro colocado, atrás de Estados Unidos e Colômbia, apontam dados da UNODC de 2021. Foi nessa mesma época que o governo brasileiro investiu para aumentar o controle das fronteiras e do espaço aéreo na Amazônia, que abriga a maior floresta tropical do planeta e tem baixa densidade populacional: cerca de 5,6 habitantes por km².

Uma das medidas para inibir o tráfico veio em 2004 com a chamada Lei do Abate. A medida foi sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva após uma longa discussão no Congresso e com as Forças Armadas. A lei sinalizava que o governo estava disposto a “combater, com as armas adequadas, a invasão de nossas fronteiras por quadrilhas internacionais de narcotraficantes”, afirmou o então ministro da Defesa, José Viegas Filho.

Àquela altura, o país montava uma infraestrutura própria para agir nesse campo – havia pouco controle sobre o espaço aéreo da Amazônia, o que facilitava voos carregados de drogas vindos de países andinos. Em 2002, o Sistema de Vigilância da Amazônia e o Sistema de Proteção da Amazônia (Sivam/Sipam) entraram em operação sob a justificativa de aumentar a vigilância e o controle do tráfego aéreo, das fronteiras, monitorar comunicações clandestinas, rotas de tráfico e contrabando, além de identificar pistas escondidas e garimpos ilegais. Anos mais tarde, em 2005, o Quarto Centro Integrado de Defesa Aérea e Controle de Tráfego Aéreo (Cindacta IV) iniciava suas atividades em Manaus.

Assim que a Lei do Abate passou a valer, a FAB diz ter registrado uma redução imediata de 32% no número de voos irregulares. O primeiro relato de interceptação de avião suspeito veio a público em 2009, quando uma aeronave vinda da Bolívia foi alvo de disparos de advertência pelos militares brasileiros após o piloto se negar a obedecer. Depois dos tiros, o avião, que carregava 176 kg de pasta base de cocaína, pousou numa estrada de terra em Rondônia.

O estudo liga a interdição aérea ao volume da droga apreendida. Com a migração de parte do comércio ilegal para os rios e estradas, o Brasil dobrou a quantidade de cocaína detida por mar, terra e ar entre 2004 e 2005: foi de 7,7 toneladas para 15,7 toneladas, segundo estatísticas divulgadas pela Organização das Nações Unidas (ONU) à época.

No entanto, a estratégia usada para dificultar o tráfico de drogas pelo ar pode ter estimulado um novo problema. Segundo o estudo dos pesquisadores brasileiros, a geografia da floresta favoreceu a rápida adaptação do narcotráfico. A análise indica que a violência nas cidades ao longo das vias acessadas mudou de padrão depois da Lei do Abate. O estudo também aponta o aumento de mortes por overdose, sinalizando maior presença de drogas em circulação. “Observamos que diversos municípios com zero casos de overdose antes de 2005 passaram a ter episódios esporádicos desde então”, afirmam os pesquisadores, alertando ainda para a provável subnotificação de casos.

Existem quatorze rios identificados por pesquisadores brasileiros como os “rios de cocaína”. Foto: Reprodução

Disputa pelo monopólio do tráfico na região entre facções criminosas

Os pesquisadores alertam que é praticamente impossível enfrentar o problema numa região do tamanho da Amazônia, maior que a União Europeia, apostando só na presença ostensiva da polícia ou das Forças Armadas. “Tem que pensar em algum uso de tecnologia que seja capaz de acompanhar isso e gerar alertas que acionem uma reação”, sugere a pesquisa, citando drones, radares móveis e melhor coordenação entre os órgãos de fiscalização e autoridades dos países vizinhos. Outra ação vital é oferecer às comunidades locais alternativas que gerem renda, preservem a floresta e o modo de vida tradicional, a fim de evitar o envolvimento dos moradores com o narcotráfico e impedir possível “entrincheiramento de algum grupo criminoso ali na região que consiga um monopólio”.

A disputa pelo monopólio do tráfico de drogas na Amazônia sugerida pela pesquisa foi diagnosticada pelo Fórum de Segurança Pública em um relatório de 2022, citado no estudo sobre os “rios de cocaína”. A análise do Fórum abordou o interesse de facções do Sudeste, como o Comando Vermelho, do Rio de Janeiro, e o Primeiro Comando da Capital, o PCC, de São Paulo, pelo controle da região entre 2015 e 2016. O relatório cita ainda que “algumas facções locais compreenderam melhor os mecanismos de funcionamento das redes ilegais através da Amazônia”.

Esse fenômeno suscitou o surgimento de organizações regionais, como a Família do Norte, no Amazonas. Cientes disso, os estudiosos do Insper e da USP compararam os homicídios ocorridos após 2015, tentando identificar algum aumento de óbitos a partir da interferência das facções. Os números mostram que a taxa de mortes se manteve similar durante todo o período a partir de 2004, quando a restrição aérea foi implementada.

Por fim, os pesquisadores ressaltam que, além dos esforços brasileiros para conter o crime organizado, é imprescindível uma cooperação internacional, “principalmente na região andina, para garantir uma abordagem coordenada ao tráfico de cocaína, com maior troca de informações e práticas de segurança transnacional”.

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Com repasses de R$ 32,5 milhões, Acre chegou a 98% de execução de recursos da Lei Paulo Gustavo, diz governo federal

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Rio Branco foi o grande protagonista, com R$ 3,15 milhões aplicados em projetos audiovisuais

Maior parte dos recursos foi destinada a projetos de audiovisual. Foto: Lucas Dutra/FEM

O Acre foi um dos estados que mais se destacou na execução dos recursos da Lei Paulo Gustavo, com mais de 98% do montante recebido sendo investido na cultura local. Ao todo, o estado e seus 22 municípios executaram R$ 32,5 milhões, sendo R$ 23,86 milhões direcionados ao setor audiovisual e R$ 8,68 milhões para diversas outras manifestações culturais, como música, dança, pintura e artes digitais.

Entre os municípios acreanos, Rio Branco foi o grande protagonista, com R$ 3,15 milhões aplicados em projetos audiovisuais e R$ 1,27 milhão em outras áreas culturais. As cidades de Cruzeiro do Sul, Sena Madureira, Tarauacá e Feijó também se destacaram na execução dos recursos, contribuindo para o fortalecimento da cultura no estado.

A Lei Paulo Gustavo, sancionada em 2022, foi criada para apoiar o setor cultural durante a pandemia de Covid-19. Inspirada no legado do humorista Paulo Gustavo, que faleceu em decorrência da doença, a lei destinou recursos a estados, municípios e ao Distrito Federal, com o objetivo de ajudar artistas e produtores culturais a manterem suas atividades durante a crise. Com uma execução recorde, a lei se consolidou como o maior investimento direto na cultura na história do Brasil, promovendo o fortalecimento da economia criativa e a valorização das expressões culturais locais.

A ministra da Cultura, Margareth Menezes, fez questão de ressaltar a importância da Lei Paulo Gustavo para o desenvolvimento cultural e social do Brasil. “A lei é responsável pelo desenvolvimento econômico, social e artístico ao injetar recursos financeiros nos municípios e estados, gerando emprego, renda e dignidade para o nosso povo. A cultura está diariamente na vida dos brasileiros, e por isso leis de incentivo, como a Paulo Gustavo, são fundamentais para fomentar e evidenciar a diversidade da nossa gente e as diferentes formas de se fazer cultura”, afirmou.

Em nível nacional, os recursos da Lei Paulo Gustavo somaram R$ 3,93 bilhões, o maior investimento na história do país para o setor cultural. Com uma execução recorde de 95% dos recursos, a lei se consolidou como um importante pilar de apoio à cultura, especialmente em um momento tão desafiador como a pandemia de Covid-19.

O Acre, ao lado de outros estados que também se destacaram, como o Espírito Santo e o Paraná, é exemplo de como a aplicação desses recursos tem gerado impacto positivo na economia e na vida das pessoas. A execução eficiente no estado mostra como é possível investir em cultura e fortalecer a identidade local, ao mesmo tempo em que se geram novas oportunidades para a população.

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Governo Federal propõe expansão do crédito consignado para trabalhadores do setor privado

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Para viabilizar essa nova modalidade de crédito, o governo deve editar uma Medida Provisória (MP) ainda em fevereiro, embora o prazo exato ainda não tenha sido definido. Existe também a possibilidade de enviar um projeto de lei para o Congresso Nacional

Modalidade oferece juros mais baixos em comparação com outros tipos de crédito, sendo amplamente utilizada por servidores públicos, aposentados e pensionistas do INSS. Foto: internet

O Governo Federal anunciou a criação de uma proposta legislativa que visa expandir o acesso ao crédito consignado para os cerca de 42 milhões de trabalhadores com carteira assinada (CLT) no Brasil, especialmente aqueles com dificuldades de acesso a este tipo de financiamento. A principal novidade da proposta é a criação de uma plataforma que permitirá aos bancos e instituições financeiras consultar diretamente o perfil de crédito dos trabalhadores por meio do eSocial, o sistema eletrônico obrigatório que reúne informações trabalhistas, previdenciárias e fiscais dos empregados de todo o país.

O crédito consignado, uma das modalidades de empréstimo mais populares no Brasil, tem as parcelas descontadas diretamente da folha de pagamento do devedor. Essa modalidade oferece juros mais baixos em comparação com outros tipos de crédito, sendo amplamente utilizada por servidores públicos, aposentados e pensionistas do INSS. Atualmente, a legislação permite que trabalhadores com carteira assinada acessem o crédito consignado, mas a exigência de convênios entre empresas e bancos dificulta a adesão de pequenas e médias empresas, limitando o acesso ao serviço.

O projeto foi discutido em uma reunião com o presidente Lula, os ministros Haddad e Luiz Marinho, além dos presidentes de cinco dos maiores bancos públicos e privados do país, incluindo Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, Bradesco, Itaú e Santander. Durante o encontro, ficou claro que a proposta busca eliminar a necessidade de convênios entre as empresas e os bancos, facilitando a oferta de crédito para trabalhadores de diversos setores, independentemente do porte da empresa em que trabalham.

Para viabilizar essa nova modalidade de crédito, o governo deve editar uma Medida Provisória (MP) ainda em fevereiro, embora o prazo exato ainda não tenha sido definido. Existe também a possibilidade de enviar um projeto de lei para o Congresso Nacional, conforme indicou o ministro do Trabalho, Luiz Marinho.

As regras sobre o limite do crédito consignado, como o teto de 30% da renda mensal do trabalhador comprometida com o empréstimo, deverão permanecer inalteradas. Além disso, os trabalhadores poderão utilizar até 10% do saldo do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) e a multa por demissão sem justa causa para o pagamento das parcelas, caso se desliguem da empresa.

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