Por Carlos Brito, G1 Rio
“O Guta é um artista extraordinário. Além da beleza plástica de seu trabalho, há uma fidelidade gráfica muito grande da cidade nos momentos retratados em suas obras. Apesar de ser autodidata, ele era um exímio pesquisador do Rio de Janeiro – suas criações são baseadas em documentos e em diálogos com historiadores, arquitetos e urbanistas. O trabalho dele é fundamental para se compreender as transformações da cidade”, explicou o historiador e coordenador do Núcleo de Memória Urbana do IPP, Paulo Reis.
Nas telas que pintava, Guta escolhia um espaço de relevância histórica para a cidade e, com base em extensa pesquisa, o reproduzia em momentos diferentes da história. Dessa forma, por meio de suas criações, é possível ver a ocupação do espaço urbano.
Na obra de Guta, a evolução de dois locais em particular chama a atenção: a Lapa e a Zona Portuária.
“A Lapa se transforma em bairro quando o Centro da cidade começa a se expandir para além do Complexo da Ordem Franciscana, no Morro de Santo Antônio. A Lapa é uma expansão necessária para uma cidade que crescia de forma acelerada – ao se superar o morro, o morador do Rio encontrou aquela região, bastante plana e com capacidade para construção rápida de casas”, disse Reis.
Essa transformação é percebida na sequência de ilustrações feitas por Guta.
1758
1858
1906
1958
1988
“A ocupação do porto está relacionada ao crescimento da importância da região para o escoamento da produção de cana de açúcar, vindas de fazendas do chamado Recôncavo da Guanabara (Niterói, São Gonçalo e Magé) e óleo de baleia – esse último item, inclusive, era utilizado como combustível para os lampiões que iluminavam a cidade. Toda essa movimentação econômica faz com que a Zona Portuária comece a ser povoada e se transforme no que é hoje”, explicou o historiador.
Após dois anos de confronto, os portugueses conseguiram, em 20 de janeiro de 1567, a vitória definitiva sobre os franceses, enfim expulsos do futuro território carioca.
O sangrento confronto final se deu onde hoje está localizada a Praia do Flamengo e custou, entre muitas outras pessoas, a vida do fundador da cidade, Estácio de Sá – atingido por uma flecha envenenada no olho esquerdo, ele morreria cerca de um mês mais tarde.
Mas a determinação bélica em retomar o território ocupado pelos franceses não foi a única coisa que as forças lusitanas trouxeram. O plano para o desenvolvimento de uma cidade já estava bem delineado quando Estácio de Sá fundou a cidade, em 1 de março de 1565, aos pés do Morro Cara de Cão, na Urca.
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“Quando se estabelecia em uma região que pretendia colonizar, Portugal já trazia um plano urbanístico pronto. Foi assim em Salvador e foi assim também aqui no Rio de Janeiro. Estácio já chega com uma perspectiva de cidade na cabeça e uma divisão urbanística muito bem estabelecidas”, explicou o historiador Paulo Reis.
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“A Região Central do Rio de Janeiro tem a forma de um trapézio com quatro morros – Castelo, Santo Antônio, Conceição e São Bento – que funcionam como os quatro pontos cardeais. Os portugueses a construíram como uma espécie de cidade medieval, fortificada e fechada. Até meados do século 19, o Rio era a segunda cidade mais fortificada do mundo, ficava atrás apenas de Havana, em Cuba”.
No entanto, com ajuda da fotografia e da computação, é possível imaginar a paisagem carioca em um tempo anterior mesmo à presença dos portugueses – na verdade, anterior à presença humana.
Foi o que fez a Iluminata Produtora de Imagem. Atendendo a um pedido da agência Script para uma peça de publicidade, a empresa fez uma reconstituição de como seria a Lagoa Rodrigo de Freitas em um Rio de Janeiro ainda desabitado.
“Fizemos um sobrevoo de helicóptero de pouco mais de uma hora. Durante esse período, fiz uma série de fotografias da Lagoa. Depois disso, foram mais de 20 horas na frente do computador para tirar os prédios do entorno e inserir vegetação, criando a composição que precisávamos para visualizar a Lagoa antes da presença humana”.
Há cinco anos, no aniversário de 450 anos da cidade, a Iluminata já havia feito um exercício semelhante, reconstituindo como seriam as praias de Copacabana e Ipanema, além da Baía de Guanabara.
Ao chegar aos 455 anos, é impossível não olhar para o passado e também não imaginar os desafios presentes da cidade.
Esses dois momentos podem ser encontrados no trabalho do fotógrafo e designer Marcello Cavalcanti, que há pelo menos cinco anos executa um trabalho de fusão entre as imagens feitas por ele mesmo e os registros de Augusto Malta, que no início do século 20, a pedido do prefeito Pereira Passos, fotografou as mudanças pelas quais o Rio de Janeiro passava.
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Para todos os casos, o processo é semelhante: depois de pesquisar o acervo do fotógrafo e escolher a foto que deseja reproduzir, Marcello vai até o local registrado na imagem original e faz sua própria fotografia, sempre tentando se aproximar o máximo possível da distância e do ângulo escolhidos por Augusto Malta.
Em seguida, as fotos dele e de Malta são fundidas por computador.
O trabalho de Marcello rendeu o projeto “Augusto Malta Revival”, com uma uma página no Instagram (augustomaltarevival) e uma exposição que já passou pelo Centro Cutural Light. Agora ele busca parcerias para a publicação de um livro com as imagens.
“É uma forma de registrar a história da nossa cidade e de guardarmos as principais mudanças pelas quais ela passou”.