Um dos prédios residenciais atingidos neste sábado por bombardeios russos em Dobropillia, na região ucraniana de Donetsk — Foto: AFP
Forças da Rússia e da Coreia do Norte obtiveram avanços significativos nos últimos dias na região de Kursk, ameaçando as linhas de suprimento da Ucrânia e o controle sobre uma porção de terra que Kiev esperava usar como moeda de troca em futuras negociações, segundo soldados ucranianos, blogueiros militares russos e analistas militares.
Trabalhando juntos, um novo contingente de soldados norte-coreanos e unidades russas de drones altamente treinadas, avançando sob intenso bombardeio de artilharia e ataques aéreos, conseguiram sobrecarregar posições ucranianas estratégicas, afirmaram soldados ucranianos.
“É verdade; não conseguimos detê-los”, disse Oleksii, comandante de uma unidade de comunicações ucraniana, ao ser contatado por telefone. “Eles simplesmente nos varrem do caminho, avançando em grupos de 50 norte-coreanos, enquanto temos apenas seis homens em nossas posições.”
“Estão sendo tomadas decisões aqui, mas não sei quão eficazes elas serão”, acrescentou.
Se as forças ucranianas forem cercadas ou obrigadas a recuar, isso representará um retrocesso significativo. A incursão ucraniana em Kursk foi uma operação de alto impacto, que elevou o moral das tropas e representou uma humilhação para o presidente russo, Vladimir Putin. Além disso, manter território russo sob controle ucraniano fornecia uma vantagem estratégica em negociações de paz futuras. Se a Ucrânia perder essa posição, sua capacidade de barganha pode ser enfraquecida, especialmente em um momento em que Donald Trump tenta acelerar as negociações para um cessar-fogo.
Na manhã de sexta-feira, Trump — que tem demonstrado posições favoráveis ao Kremlin em declarações públicas — surpreendeu ao ameaçar novas sanções e tarifas contra a Rússia se o país continuar seus bombardeios contra a Ucrânia e não iniciar negociações sérias de paz.
“Com base no fato de que a Rússia está absolutamente ‘massacrando’ a Ucrânia no campo de batalha neste momento”, escreveu Trump em sua rede social Truth Social, “estou fortemente considerando sanções bancárias em larga escala, sanções e tarifas contra a Rússia até que um cessar-fogo e um ACORDO FINAL DE PAZ sejam alcançados. Para Rússia e Ucrânia: sentem-se à mesa agora, antes que seja tarde demais.”
As forças ucranianas cruzaram a fronteira no verão passado em uma ofensiva surpresa, superando posições russas desprotegidas e conquistando uma área de aproximadamente 518 km² ao redor da cidade russa de Sudzha, a cerca de 10 km da fronteira.
Desde então, soldados russos e norte-coreanos já retomaram dois terços do território perdido no verão. No entanto, isso teve um custo altíssimo: segundo estimativas da inteligência ucraniana, sul-coreana e ocidental, pelo menos 4.000 soldados russos e norte-coreanos morreram em combate.
Oficiais ucranianos disseram que sua ofensiva em Kursk tinha múltiplos objetivos:. O primeiro seria impedir um ataque russo iminente na região de Sumy, na Ucrânia. O segundo demonstrar que os receios do Ocidente sobre escalada eram exagerados. O terceiro foi uma tentativa de forçar a Rússia a redistribuir recursos para longe da linha de frente na Ucrânia. E, por fim, criar uma vantagem estratégica para futuras negociações de paz.
Apesar dos recentes reveses, as forças ucranianas no leste do país conseguiram estabilizar suas linhas de defesa, dificultando novos avanços russos.
Três anos após a invasão em larga escala da Ucrânia, Putin não sofreu consequências políticas significativas pela perda de território em Kursk, apesar das pesadas baixas enfrentadas pelo Kremlin para retomar a região.
Coreia do Norte intensifica participação no conflito
À medida que os combates se intensificavam, a Rússia recebeu um reforço significativo da Coreia do Norte, com cerca de 12.000 soldados norte-coreanos enviados à linha de frente. Além da força humana, Pyongyang também forneceu milhões de projéteis de artilharia, além de mísseis balísticos e armas pesadas para Moscou.
Por meses, as forças russas e norte-coreanas têm realizado alguns dos combates mais ferozes da guerra, com a intensidade variando, mas nunca diminuindo totalmente, segundo soldados no campo de batalha.
Em janeiro, as tropas norte-coreanas precisaram se retirar e se reagrupar, mas voltaram ao combate logo depois. Em 8 de fevereiro, o presidente ucraniano Volodymyr Zelenskyy declarou que “a Rússia voltou a implantar soldados norte-coreanos ao lado de suas tropas.”
Quatro soldados ucranianos relataram que os norte-coreanos estão na linha de frente das novas ondas de ataques, juntamente com unidades russas de drones de elite.
Novas táticas e avanço tecnológico
Segundo soldados ucranianos, os norte-coreanos agora estão mais adaptados às novas condições do campo de batalha, que mudou drasticamente com o uso maciço de drones. Embora ainda realizem ataques frontais brutais que resultam em pesadas baixas, agora estão mais coordenados, trabalhando junto a unidades de artilharia norte-coreanas e sendo apoiados por operadores russos de drones.
“As táticas dos norte-coreanos estão melhorando constantemente”, disse Andrii, comandante de drones que luta em Kursk. Ele relatou que os russos conseguiram romper as linhas ucranianas na parte oeste do território controlado pela Ucrânia, perto da fronteira ao sul de Sudzha.
Além da superioridade em número de soldados e poder de fogo, os russos saturaram o campo de batalha com drones de fibra óptica. Diferente dos drones controlados por rádio, esses são imunes a interferência eletrônica, pois são guiados por cabos ultrafinos de fibra óptica que se desenrolam à medida que os operadores os conduzem aos alvos.
O Capitão Oleksandr Shyrshyn, comandante do batalhão da 47ª Brigada Mecanizada ucraniana, afirmou que os russos parecem ter aumentado o alcance de seus drones e deslocado seus melhores operadores para a região de Kursk.
Pequenos grupos russos de apenas dois ou três soldados estão agora se movendo junto com os drones, ampliando ainda mais o alcance das aeronaves não tripuladas.
“Quando eles avançam, a cerca de 200 a 300 metros da linha de frente, começam a usá-los a partir dali”, explicou Shyrshyn.
Impacto na logística ucraniana
Segundo o comandante de drones Andrii, os russos estão focados em cortar as linhas de suprimento da Ucrânia, comprometendo sua capacidade de manter a defesa.
“Isso foi fortemente influenciado pelo número de drones que eles têm e pelo nível de treinamento de suas equipes”, afirmou. “Parece que reuniram suas melhores equipes aqui e, consequentemente, têm grande superioridade numérica.”
Apesar das perdas, as forças ucranianas seguem resistindo. “Temos baixas”, admitiu Andrii, “mas ainda estamos cumprindo as missões que nos foram designadas.”
Por: O Globo