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O que acontece com quem passou mais de três meses internado com Covid-19

Longas internações por Covid-19 deixam pacientes fragilizados; depois da alta, precisam de apoio para tratar as sequelas do período – Foto: Ruben Bonilla Gonzalo/Getty Images
Marcelle Souza, colaboração para a CNN Brasil
Imagine ficar mais de três meses internado com Covid-19: parte desse período intubado, sem contato com a família, sofrendo com dor, escaras, dificuldade para respirar, infecções e sequelas. A CNN Brasil ouviu histórias de pessoas que passaram por essa situação e ainda enfrentam problemas causados pela doença.
Arlete, Alfa e Rômulo moram em diferentes partes do país e estão, neste momento, em recuperação depois de quase ou mais de 100 dias internados com Covid-19 em hospitais do SUS (Sistema Único de Saúde).
Enquanto estavam hospitalizados, as famílias precisaram lidar, em casa, com a espera diária e angustiante por notícias.
“Todos os dias a gente ficava apreensivo, porque um dia o relatório era positivo, no outro não. Muitas vezes, a gente desanimava, se perguntava se ela ia conseguir”, conta o representante farmacêutico Edinei de Faria, 49, que teve a mãe, Arlete Catarina de Faria, internada por 120 dias no Hospital São José, de Joinville (SC). “Foram 40 dias sem visita, só recebendo notícias por telefone”, conta o filho.
A CNN já mostrou que internações por Covid-19 duram, em média, 22 dias. Entre os que precisaram de ventilação mecânica e foram para a UTI (Unidade de Terapia Intensiva), a permanência média é de 11,6 dias. Os dados foram levantados pelo Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do Sistema Único de Saúde (Proadi-SUS).
Em alguns casos, no entanto, esse período se transforma em meses de angústia no hospital, e o retorno para a casa significa o início de outra difícil etapa, com fisioterapia, limitações de fala e de movimentos. Tarefas que eram simples antes da doença, como falar ao telefone, tornam-se agora um desafio.
“Peço desculpas, mas hoje o Rômulo não pode conversar porque está com muita dor. Eu dei os remédios e ele está dormindo”, disse à CNN Roseliane de Oliveira, 31, esposa de Rômulo Gonçalves, que ficou 97 dias internado por causa da Covid-19.
A seguir, contamos algumas dessas histórias de vitória, mas também de uma luta ainda diária de pacientes de longas internações e de seus familiares.
“A gente sempre via, pela televisão, pessoas internadas com Covid-19, mas quando é uma pessoa que a gente ama, não tem explicação o que a gente passa. É um sofrimento grande. A gente acha que não vai vencer”, comenta Edinei, filho de Arlete.
Quem é o paciente das longas internações
Coordenador do Serviço de Controle de Infecção Hospitalar e integrante do Comitê de Enfrentamento da Covid-19 no Hospital Estadual de Bauru (SP), o médico infectologista Lucas Marques da Costa Alves diz que os perfis mais comuns entre os pacientes com longos períodos de internação por Covid-19 são idosos, obesos e hipertensos.
“Os pacientes com muito tempo de ventilação mecânica precisam de um cuidado fisioterápico importante, porque acabam perdendo massa muscular, têm predisposição à pneumonia, insuficiência renal, problemas relacionados à fibrose pulmonar, além de maior chance de ter escara”, explica.
A pesquisa do Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do Sistema Único de Saúde (Proadi-SUS) mostra que os internados com Covid têm, em média, 64 anos de idade, sendo 60,5% homens. Cerca de 33,6% têm diabetes, 56,4% são hipertensos, 5,9%, fumantes e 15,5% têm alguma doença cardiovascular.
Segundo Lucas Costa, as sequelas mais comuns entre os pacientes que se submetem a longos períodos de internação são os problemas musculares e a lesão pulmonar crônica, males que limitam a autonomia do paciente mesmo em casa.
Tatuador era o pilar financeiro da família
Obeso e hipertenso, o tatuador Rômulo Gonçalves, 42, começou a sentir os primeiros sintomas de Covid-19 em maio do ano passado e ainda não se recuperou dos 97 dias que passou internado em dois hospitais de Fortaleza.
O primeiro sinal de que havia algo errado foram as oscilações de pressão. Em pouco tempo, ele se sentia tão mal que chegou à unidade de pronto-atendimento próxima à sua casa quase sem poder andar. Ficou ali três dias em uma cadeira até conseguir uma vaga na UTI do Hospital Leonardo da Vinci e ser finalmente intubado.
“Nesse momento, começou a nossa luta diária: a dele na internação e a nossa, porque não tínhamos como visitá-lo”, conta a esposa Roseliane de Oliveira, 31, que é dona de casa.
Foram dois meses só recebendo notícias por telefone, mas nem todos os dias elas chegavam. “A gente até compreendia que o médico não podia ficar ligando, eu preferia que ele cuidasse do meu marido, mas chegamos a ficar sete dias sem notícias. O pior é que nem tinha para onde ligar, ninguém mais no hospital podia dar informação”, relata Roseliane.

Caso grave de Covid-19 afetou a família de Rômulo Gonçalves e levou o tatuador a depender de apoio; ele sofre com dores e limitações físicas – Foto: Arquivo pessoal
Quando ligavam, os médicos diziam que o estado de saúde era muito grave. Rômulo sofreu uma infecção, ficou com 80% do pulmão comprometido, teve trombose na perna esquerda e precisou fazer hemodiálise.
“Era piora em cima de piora, as notícias eram de agravamento da doença. Um dia, nos falaram que tudo o que a medicina podia fazer já tinha feito. E começamos uma corrente de oração mais forte”, diz a dona de casa.
Após pouco mais de dois meses, o estado de saúde de Rômulo melhorou e ele foi transferido para o Hospital Geral Dr. Waldemar Alcântara. Lá, ainda teve um edema pulmonar agudo.
Além da aflição pela falta de notícias, nesse período começaram também os problemas financeiros. Rômulo era o principal provedor da família de sete pessoas: além da mulher e dos três filhos, ele vivia com duas irmãs e um cunhado. Há pouco tempo, uma das irmãs, que dividia com ele as despesas, perdeu o emprego como vendedora de uma loja.
“Foi bem complicado, porque ele pagava aluguel, luz, alimento. Ganhava muito bem e sustentava todo mundo. Então, tivemos que pedir ajuda de familiares e amigos para comprar fraldas para ele, comida e remédios”, comenta Roseliane.
Atleta sofreu com a doença e ajuda no tratamento das sequelas
Em casa, os cuidados com Rômulo foram redobrados. A ferida aberta da escara e a traqueostomia se somaram aos efeitos psicológicos do remédio e da internação: no começo, ele não reconhecia a casa e passava parte do tempo triste e calado.
Hoje ele ainda tem que lidar com as limitações físicas, a dor e a dificuldade para fazer atividades básicas, como comer e ir ao banheiro sozinho. “Aos poucos, graças a Deus, ele está voltando ao que era antes. Ainda tem uma luta diária, mas é uma guerra e a gente está ganhando”, diz a esposa.
Rômulo recebeu apoio do Projeto Com.Vida, que reúne cerca de 500 profissionais de todo o país, que voluntariamente atendem pacientes e suas famílias na recuperação das sequelas da Covid-19. A ideia surgiu depois que a própria fundadora, a dentista Raquel Trevisi, 39, ficou 30 dias internada com Covid-19, 20 deles na UTI.

Raquel Trevisi, dentista e atleta de crossfit, se recupera da internação e articula apoio a quem ficou com sequelas da Covid-19 – Foto: Arquivo pessoal
“Quando tive alta, só no primeiro mês gastei em torno de R$ 10 mil com fisioterapia, nutricionista, remédios e suplementação, entre outras despesas. Nesse momento, comecei a pensar: quem apoia as pessoas que não têm condições de arcar com o tratamento?”, conta Raquel Trevisi, que antes de pegar Covid-19 era atleta e participava de competições de crossfit.
Ela perdeu 25 kg no hospital e, quando enfim recebeu alta, saiu sem conseguir movimentar o corpo do pescoço para baixo, com uma tetraplegia temporária, e com a memória recente afetada. Pouco depois da alta, o pai, Hugo Trevisi, 72, foi internado e, em seguida, morreu de Covid. “Decidi investir no projeto, porque era como se cuidar da dor dos outros amenizasse a dor de perder o meu pai.”
Gratuitamente, Rômulo tem acompanhamento com fisioterapeuta, nutricionista e fonoaudióloga. Há pouco tempo, ele e a esposa começaram a fazer psicoterapia, para conseguir encarar os efeitos da doença. “Ele não se lembra muito do período em que estava internado. Então, quando a gente começa a falar sobre tudo que passou, ele sempre chora, agradece e diz que tem muita gratidão”, afirma Roseliane.
Sem reconhecer a família e a própria casa
Em São José do Rio Preto (SP), a professora aposentada Alfa Barbosa, 65, ficou 92 dias internada no Hospital de Base. Segundo Gilberto Barbosa, 77, marido de Alfa, ela ainda não se recuperou das sequelas da doença, mesmo cerca de cinco meses após a alta.
“Quando chegou, só se alimentava por sonda, não falava. Por conta dos efeitos da medicação, não reconhecia a própria casa. Foi um trauma profundo. Ainda hoje ela está acamada”, conta o aposentado.
Gilberto e a mulher foram internados juntos, com sintomas da doença, em agosto do ano passado. Ele ficou uma semana no hospital, mas Alfa passou três meses.
“O momento mais difícil foi quando o médico disse que ela precisava ser intubada, porque sabemos que dificilmente essas pessoas escapam. Ela tinha os olhos cinzentos e tínhamos medo de que ela não voltasse”, comenta Gilberto.

Alfa Barbosa e o marido Gilberto foram internados juntos com Covid-19, mas ela ficou 85 dias a mais do que ele no hospital – Foto: Arquivo pessoal
Foram 70 dias sem visitas, tempo em que o marido, quatro filhos e quatro netos receberam notícias apenas pelas chamadas da equipe médica. “A gente tem 45 anos de casamento, nunca passamos tanto tempo separados. Todo dia, na hora em que os médicos ligavam, dava até tremedeira por medo de vir uma notícia ruim”, afirma o marido.
“Alguns profissionais chegaram a nos falar que estávamos protelando o sofrimento, mantendo-a no hospital”, completa.
Quando enfim foi liberada para uma enfermaria comum, onde foi permitida a visita da família, dona Alfa não reconhecia ninguém. “Ela nem sabia quem estava lá para visitá-la. A gente só chorava, de tristeza, de vê-la daquele jeito”, relata Gilberto.
De acordo com ele, a perda temporária de memória foi uma consequência dos efeitos dos remédios. Outra possível causa, ainda sem diagnóstico preciso, seria uma alteração neurológica.
Assim que saiu do hospital, começou outro desafio, com fisioterapia diária para recuperar os movimentos perdidos por conta da longa internação.
“Faz cinco meses que ela está no home care, e os médicos dizem que a previsão é de pelo menos um ano de tratamento”, diz o marido. “Ainda não sabemos se ela vai conseguir voltar a dirigir, como fazia antes, mas tenho fé que em breve vai voltar a andar sozinha.”
40 dias de notícias só por telefone
Os primeiros sintomas de Arlete, que achava que estava com sinusite, surgiram no início de dezembro do ano passado, quando ela procurou um pronto-atendimento e foi orientada a voltar para casa.
Obesa, pré-diabética e com histórico de infarto, a dona de casa passou mal e precisou voltar no mesmo dia ao posto de saúde porque sentia muita falta de ar. Com auxílio de oxigênio, foi encaminhada de ambulância para o Hospital São José, em Joinville, onde teve que esperar três dias até ser intubada, já que não havia vaga de UTI.
“A gente estava se cuidando bastante. A minha mãe e o meu pai são idosos e moram com um irmão de 50 anos que tem uma deficiência. Os três eram grupo de risco”, afirma Edinei.
Assim que a mãe foi para a UTI, começou a apreensão diária da família por notícias. Elas chegavam diariamente apenas pelo telefone, já que as visitas estavam suspensas no caso de pacientes com Covid-19. Foram 40 dias assim.

Arlete de Faria precisa fazer fisioterapia para retomar movimentos dos braços e ombros – Foto: Arquivo pessoal
“Às vezes, a ligação, que era para ser às 14h, só acontecia às 17h, e ficávamos à tarde esperando apreensivos. Um dia, o relatório era positivo; no outro, já não era tanto. Foi uma fase bem traumática. A minha irmã ficou muito abalada, chorava muito”, conta Edinei.
Para enfrentar esse momento, os sete filhos, ao lado de netos, genros e noras, decidiram se unir e fazer correntes de oração.
Depois de mais um mês com notícias só pelo telefone, ela enfim foi liberada para uma ala onde podia ver a família. “Fui o primeiro a visitá-la. Ela estava sedada, intubada, tinha muitas alucinações por conta dos efeitos dos remédios. Como estava sedada a maior parte do tempo, lembra-se de pouca coisa desse período. Para a gente, foi muito difícil”, conta o filho.
Por conta de uma infecção, precisou voltar para a ventilação mecânica, o que voltou a tornar os dias mais difíceis para a família.
Depois de ficar quatro meses internada, Arlete deixou o hospital em abril e, em casa, precisa fazer fisioterapia para voltar a mexer os braços e ombros.
“O psicológico dela está bem. Às vezes chora um pouco, porque era muito ativa. Mas sabe que estar viva é uma grande vitória. Hoje a gente só tem motivos para agradecer, porque a vida é maravilhosa. Precisamos valorizar as pessoas que a gente ama, porque isso que importa”, ressalta o filho.
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Grupo é preso no AM com carga de drogas avaliada em R$ 50 milhões
De acordo com Mário Paulo, os traficantes estavam transportando a droga em um canoão, de forma discreta, para não despertar a atenção da polícia

Uma tonelada de meia de drogas, entre cocaína e maconha tipo skunk, foi apreendida no Rio Solimões. Foto: PC-AM/Divulgação
Com Atual
Um peruano e três colombianos, que não tiveram os nomes revelados, foram presos por tráfico de drogas no Alto Solimões, nas proximidades de Manacapuru (a 68 quilômetros de Manaus), neste domingo (27). Eles estavam com 1,5 tonelada de drogas avaliadas em R$ 50 milhões. Foram apreendidos mil tabletes de drogas, sendo 591 de cocaína e o restante de maconha do tipo skunk.
A operação foi do DRCO (Departamento de Repressão ao Crime Organizado) com apoio da Coordenadoria de Operações e Recursos Especiais das polícias Civil e Militar.
O delegado Mário Paulo Rodrigues da Costa Telles, diretor do DRCO, disse que a apreensão ocorreu durante patrulhamento nos rios e fiscalização de barcos. Ele disse que o grupo de estrangeiros utilizava técnicas específicas para transportar grandes quantidades de drogas por rotas fluviais no Estado.
O carregamento apreendido estava em um barco tipo rabetão. A embarcação foi monitorada até ser abordada pelos policiais.
Mário Paulo explicou que os suspeitos não estavam armados e nem resistiram ao cerco policial. A polícia vai interrogar os suspeitos para saber a origem e os responsáveis pelo carregamento de drogas que seria trazido para Manaus.

A ação coordenada pelo delegado Mário Paulo, ocorreu na noite de domingo (28), por volta das 23h, no rio Solimões, nas proximidades da cidade de Manacapuru. Foto: captada
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Tarifaço: Com taxa de 50%, Brasil tem semana decisiva para negociar com EUA

Imagem de drone mostra conteineres no Porto de Santos (SP) • REUTERS/Amanda Perobelli
O Brasil entra esta semana em um período decisivo, que pode mudar para pior o rumo de sua economia – pelo menos no curto prazo.
Está prevista para entrar em vigor na sexta-feira (1º) a tarifa de 50% prometida pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, para todos os produtos brasileiros vendidos para o mercado americano. Até o momento, não há o menor sinal de que esse movimento poderá ser revertido ou adiado.
As tentativas do governo brasileiro de negociar com os EUA, encabeçadas pelo vice-presidente Geraldo Alckmin, têm se mostrado infrutíferas. Na semana passada, Alckmin disse ter tido no sábado (19) uma conversa de 50 minutos com o secretário de Comércio americano, Howard Lutnick.
“Nós conversamos com o governo norte-americano, tivemos uma conversa com o secretário de Comércio, longa, colocando todos os pontos e destacando o interesse do Brasil na negociação, e destacando que o presidente Lula tem orientado negociação, não ter contaminação política nem ideológica”
Mas o próprio presidente Lula parece não ter muita esperança de uma reversão da cobrança até o dia 1º. Na sexta-feira (24), disse que o vice-presidente liga todos os dias para conversar sobre a tarifa, mas que ninguém responde.
“Ninguém pode dizer que o Alckmin não quer conversar. Todo dia ele liga para alguém, e ninguém quer conversar com ele”, disse Lula.
No domingo (27), Howard Lutnick afirmou que as tarifas, previstas para começar em 1º de agosto, não serão adiadas. “Sem mais períodos de carência”, afirmou, em entrevista, à Fox News.
Mesmo assim, Lutnick afirmou que, quando as taxas começarem, os países ainda poderão falar com o governo americano. “O presidente está definitivamente disposto a negociar e conversar com as grandes economias, com certeza.”
Mais tarde, o próprio presidente Trump reafirmou, durante sua viagem à Europa, que a data de 1º de agosto não será adiada.
Brasil tem a maior taxa
O prazo de 1º de agosto não é exclusivo para o Brasil. É a data dada por Trump para subir as tarifas para dezenas de países que não conseguirem fechar um acordo a tempo. Mas é no Brasil onde a tarifa será mais alta – nenhum outro país terá a taxa de 50%.
Alguns países já haviam conseguido fechar acordos com Trump, evitando o “mal maior”: Reino Unido, Vietnã, Indonésia, Filipinas e Japão
Neste domingo, foi a vez de União Europeia também finalizar um acerto com o governo americano, com uma tarifa básica de 15% – a ameaça de Trump era elevar a taxa para 30%
No caso brasileiro, porém, as negociações se tornam um pouco mais complicadas pelo viés político que tomaram. Quando anunciou que taxaria os produtos brasileiros, Trump condicionou a reversão da decisão ao fim do julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro no STF, que o presidente americano disse ser uma “caça às bruxas”.
“Não estou enxergando um caminho no curto prazo para poder reduzir essas tarifas”, disse o diretor para as Américas da consultoria Eurasia, Christopher Garman.
“Nós estamos num embate, e o problema é que o presidente Trump se enxerga no drama do ex-presidente Jair Bolsonaro. Nós precisamos lembrar que o Trump se sentiu vítima de uma caça às bruxas de medidas judiciais. Ele se sentiu censurado. Ele enxerga o movimento progressista Democrata como uma ameaça à democracia. Então, quando ele vê o drama do entorno da família Bolsonaro e as queixas da direita brasileira, o Trump encontra respaldo.”
Para Garman, o melhor cenário para o Brasil, nesse caso, é receber as tarifas e não retaliar. Ao longo do tempo, avalia, pode ser que as empresas e o governo brasileiro consigam algum espaço para aliviar o cenário.
“O impacto das tarifas globais tende a chegar ao bolso do consumidor através de mais inflação. Portanto, a Casa Branca pode ficar mais passível de aceitar tarifas menores”, afirma.
O economista André Perfeito, por sua vez, diz que o acordo entre União Europeia e Estados Unidos anunciado traz ainda mais pessimismo para a situação do Brasil na busca de uma solução para a questão da tarifa de 50%.
“O Brasil está definitivamente isolado e as tarifas ganham ares de sanção que buscam restabelecer a América como quintal dos EUA”, disse.
Para o economista, o acordo aponta para a perspectiva de que os EUA não permitirão que o Brasil se alie de maneira individual a blocos ou projetos que não sejam do interesse de Washington, o que, para Perfeito, “cria uma novidade política que há muito tempo não se via”.
Ele considera que a revista The Economist apontou corretamente, em sua edição da semana passada, que o que ocorre com o Brasil só pode ser comparado ao período da Guerra Fria
Impacto sobre a economia brasileira
A tarifa de 50% sobre as exportações brasileiras terá um forte impacto sobre a economia brasileira, uma vez que os EUA são o segundo maior parceiro comercial do Brasil, atrás apenas da China. Entre os setores mais afetados estão o de petróleo; ferro e aço; café; máquinas e equipamentos; celulose; e carne.
Os efeitos ainda não estão muito claros, mas alguns cálculos mostram que haverá perdas relevantes. A CNI (Confederação Nacional da Indústria) estimou, para o curto prazo, uma queda de R$ 52 bilhões nas exportações brasileiras e diminuição de 110 mil empregos no País.
Já a Fiemg (Federação das Indústrias de Minas Gerais ) fala de uma perda, no longo prazo, de R$ 175 bilhões para a economia brasileira , com retração de 1,49% do PIB e com 1,3 milhão a menos de postos de trabalhos, caso a tarifa de 50% para as exportações brasileiras entre em vigor.
A queda na renda das famílias atingiria até R$ 24,39 bilhões, e na arrecadação do governo seria de R$ 4,86 bilhões.
Além disso, segundo a Fiemg, num cenário hipotético em que o Brasil respondesse aos Estados Unidos com uma taxa recíproca de 50% sobre as importações americanas, a queda no PIB brasileiro poderia chegar, em longo prazo, a R$ 259 bilhões.
Dessa forma, o número de empregos seria impactado em 1,934 milhão de vagas, a massa salarial ficaria R$ 36,18 bilhões menor e a redução da arrecadação de impostos chegaria a R$ 7,21 bilhões
Efeitos já são sentidos nas empresas
Mesmo sem a certeza de que a taxa entrará mesmo em vigor, os efeitos negativos já começam a ser sentidos em alguns setores.
Os produtores de ferro-gusa (uma matéria-prima da siderurgia), que têm uma forte dependência do mercado americano, relatam que contratos de exportação já foram suspensos, e que muitas empresas poderão ter de paralisar as operações a partir de agosto.
Com duas operações em Minas Gerais (uma em Sete Lagoas e outra em Divinópolis), a SDS Siderúrgica, comandada pelo empresário Frederico Henriques Lima e Silva, já teve suspenso embarque programado para agosto.
O cliente pediu que a carga fosse suspensa até uma definição da aplicação da tarifa de 50% a produtos brasileiros.
Da produção de Sete Lagoas da SDS, em dois altos-fornos, cerca de 40% vai para usinas de aço (25%) e fabricantes de autopeças (15%) dos EUA, informou Lima e Silva
Uma parcela um pouco maior, de 45%, é destinada a produtoras de autopeças da Europa, que demanda ferro-gusa tipo nodular, que tem especificação para essa aplicação, de maior sofisticação em qualidade. O restante é comercializado no mercado interno
Há cerca de um ano, a SDS adquiriu a unidade de Divinópolis e investiu R$ 25 milhões na reforma da usina, que passou a ter capacidade de 12 mil toneladas por mês. A medida do presidente dos EUA, Donald Trump, pegou o empresário no contrapé: a retomada das operações estava prevista para este mês de julho.
“Entre 60% e 70% da produção dessa usina seria destinada a usinas de fabricação de aço americanas. Havia uma perspectiva de expansão da demanda no país com base na competitividade do gusa brasileiro, que contribui para descarbonizar a indústria do aço, pois é produzido uso de carvão vegetal”, afirma o empresário.
Exportadores de manga e uva do Vale do São Francisco também temem o que pode acontecer com seu setor se as tarifas entrarem mesmo em vigor. A região, com produção concentrada em Juazeiro (BA) e Petrolina (PE), é responsável por mais de 90% da exportação brasileira dessas frutas.
A GrandValle, produtora e exportadora de manga e uva sediada na região, estima prejuízo entre US$ 2 milhões e US$ 3 milhões apenas com cargas de manga caso não surjam acordos até a data.
O diretor de exportações da empresa, Luca Balallai, disse que o envio de manga exportada pela empresa para os EUA está previsto para começar em cerca de quatro semanas. E a grande preocupação é a falta de destinos viáveis para escoar a produção caso o tarifaço se concretize.
“Não temos outros mercados como alternativa para um volume tão concentrado em um período curto de tempo”, disse.
O setor de pescados é outro que já vê efeitos do tarifaço. “Provavelmente, não sairemos (para alto-mar) em agosto”, disse Arimar França Filho, diretor da Produmar, uma das maiores exportadoras de peixes frescos para os EUA, e vice-presidente do Sindicato da Indústria de Pesca do Estado do Rio Grande do Norte (Sindipesca-RN).
“Exportamos peixe fresco e não temos alternativa para vendê-lo, já que o mercado brasileiro não absorve nossa produção e o europeu está fechado para a pesca brasileira desde 2017”, diz.
Com custos maiores para a pesca de peixes frescos, os barcos que atuam nesse segmento ficam 20 dias em alto-mar, antes de voltar aos portos.
Caso o tarifaço seja mantido, a frota de 35 navios das empresas da região, que movimentam por volta de US$ 50 milhões anuais na pesca de peixes como atum e costeiros, deve ficar parada no próximo mês.
Parte dos cerca 1,5 mil trabalhadores dessa indústria na região também será afetada. “Os pescadores são CLT, mas têm um salário variável, ligado à produção”, afirmou França. “Vão receber menos.”
Movimentação dos empresários contra o tarifaço
Apesar de as negociações sobre as tarifas estarem a cargo do governo, as empresas também têm se movimentado para tentar influenciar a decisão de Trump.
O que boa parte delas tem tentado é buscar o apoio de seus parceiros americanos, que importam os produtos brasileiros, para que a pressão seja feita em solo americano, pelas empresas de lá.
O argumento, nesse caso, seriam as perdas que os consumidores americanos teriam com o encarecimento de produtos importantes no dia a dia, como o café ou o suco de laranja – produtos nos quais o Brasil tem uma participação muito importante no mercado americano.
É o que tem feito, por exemplo, o setor de laranja. “O produto brasileiro é muito importante para as empresas americanas”, disse Ibiapaba Netto, diretor executivo da associação CitrusBR.
“Eles têm grande interesse em que o problema seja resolvido e cada uma delas está procurando sua forma de levar a demanda a quem de direito, sem que pareça uma afronta ao governo.”
A CitrusBR reúne as principais empresas produtoras e exportadoras brasileiros de sucos cítricos: Citrosuco, Cutrale e Louis Dreyfus Company.
Quase 60% do suco de laranja presente em todas as garrafinhas consumidas nos EUA sai do Brasil.
Na safra 2024/2025, o país enviou 306 mil toneladas – ou 85 milhões de caixas – do insumo aos EUA, que equivalem a nada menos do que 70% das importações do produto feitas por aquele país. Na sequência, o México responde por 22%, a Costa Rica por 3% e outros países por 1%, segundo a CitrusBR.
Mesmo com todo esse poder, os exportadores brasileiros – e seus clientes – têm se mantido discretos nesse momento. Negociações estão em curso em diferentes frentes, mas a ideia é evitar posicionamentos públicos que soem como atos de hostilidade ao governo Trump.
“Todos têm o mesmo interesse, mas as companhias americanas têm mais condições de levar adiante essa prerrogativa”, disse Netto
No caso do café, um dos principais produtos vendidos pelo Brasil aos EUA, entidades que representam os exportadores têm tratando diretamente do tema com a NCA (National Coffee Association).
O diálogo vem sendo conduzido pelo Cecafé (Conselho dos Exportadores de Café do Brasil) com a NCA. A entidade americana, por sua vez, já acionou o governo dos EUA
“76% dos americanos consomem café. Além disso, a indústria do café gera 2,2 milhões de empregos e US$ 343 bilhões na economia americana. Por isso, o pedido que será levado pela indústria americana é para que o café entre em lista de exceção à tarifa”, relatou uma liderança do setor nacional quanto aos argumentos utilizados nos Estados Unidos, maior consumidor da bebida no mundo.
No caso das mineradoras, o presidente do Ibram (Instituto Brasileiro de Mineração), Raul Jungmann, informou na segunda-feira passada (21), que as empresas do setor estão se organizando para ir aos EUA negociar com empresas daquele país medidas a serem adotadas por conta do tarifaço.
De acordo com Jungmann, apesar de o cenário em relação à sobretaxa ainda estar bastante incerto, as empresas “ficam no aguardo, mas vão tomando providências”.
Isso porque há um fluxo de produção, logística e contratual que precisa ser respeitado e que tem impactado cada empresa de forma diferente. No caso da mineração, os EUA respondem por 20% das importações e 3,5% das exportações do setor.
Plano de contingência
De qualquer forma, com a perspectiva cada vez mais concreta de um tarifaço no radar, também está em gestação no governo um “plano de contingência” para responder às taxas impostas pelos Estados Unidos.
Na quinta-feira (24), o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, informou que esse plano já está concluído e será submetido à análise do presidente Lula.
Segundo o ministro, o documento reúne “medidas de todo gosto”, incluindo a possibilidade de abertura de linhas de crédito em apoio a empresas afetadas.
“O cardápio encomendado por Lula foi elaborado, inclusive dentro da lei internacional”, afirmou Haddad em entrevista à rádio Itatiaia. “Todo o cardápio possível e imaginável vai ser apresentado a Lula para decisão.”
Fonte: CNN
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Facções transformam Amazônia em rota estratégica do tráfico internacional de drogas
Região registra explosão nas apreensões de entorpecentes e aumento de redes de lavagem de dinheiro; especialistas cobram ação integrada e presença efetiva do Estado
A Amazônia brasileira se consolida como um dos principais corredores do tráfico internacional de drogas, impulsionada pela atuação de facções criminosas e pelo avanço de esquemas sofisticados de lavagem de dinheiro. Dados oficiais apontam que, entre 2013 e 2024, as apreensões de cocaína no Norte do país cresceram 92%, saltando de 5,4 para 10,4 toneladas. No mesmo período, as apreensões de maconha dispararam 6.530%, de 229 quilos para 15,2 toneladas — índices muito acima da média nacional.
A “rota do Solimões”, formada por rios extensos e de difícil fiscalização, segue como principal via de escoamento da droga produzida na Colômbia e no Peru rumo à Europa. A vulnerabilidade geográfica da região é explorada por organizações criminosas, que também atuam no garimpo ilegal, contrabando de mercadorias e desmatamento.
Dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública mostram que, entre 2016 e 2023, o número de operações financeiras suspeitas na região cresceu 300%, totalizando 3.615 comunicações ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) apenas em 2023 — reflexo do fortalecimento de redes de lavagem de dinheiro ligadas ao narcotráfico.
A violência também acompanha o avanço do crime organizado. Em 2023, o Norte foi a segunda região mais violenta do Brasil, com 22 facções operando em 178 municípios da Amazônia Legal. Essas organizações disputam o controle territorial e impõem influência sobre economias locais e até serviços públicos.
O governo do Amazonas investe cerca de R$ 7 milhões por mês na manutenção de bases fluviais de policiamento, mas o montante é considerado insuficiente frente à dimensão e complexidade da região.
Especialistas defendem uma resposta articulada que una inteligência policial, cooperação internacional e desenvolvimento socioeconômico. Para eles, reduzir a dependência de atividades ilegais nas comunidades amazônicas é essencial para conter o avanço do narcotráfico e restabelecer a presença do Estado.
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