Internet ruim já fez profissionais perderem prazo, segundo o presidente da OAB-AC Marcos Vinicius
Kalleo Coura
No Acre, os advogados parecem não ser tão entusiastas do processo judicial como os profissionais de outras regiões. “Para a gente é um caos”, avalia o presidente da secional da OAB Marcos Vinicius Jardim Rodrigues.
No estado, 100% dos processos são eletrônicos, mas a estrutura de telecomunicações, principalmente no interior, ainda é precária. “Tem várias situações de advogados que perderam prazo porque não conseguiram subir um arquivo, ou então entraram com a petição e não conseguiram enviar alguns documentos em anexo e por isso tiveram a liminar indeferida”, conta o presidente.
Apesar de o Acre ter apenas pouco mais de 3 mil advogados apenas, o mercado local, pelo tamanho da economia, também está saturado na visão do presidente.
Segundo Marcos Vinicius, grandes escritórios de outros estados têm contratado advogados correspondentes acrianos por “irrisórios R$ 50 para representá-los numa audiência” ou até menos. “A classe precisa se valorizar. É difícil receber uma denúncia sobre situações como esta. É mesmo uma questão de conscientização”.
Leia a entrevista completa com Marcos Vinicius Jardim Rodrigues, presidente da OAB-AC.
Tem um piso dos advogados no estado?
Só tem o piso ético. Não temos um piso definido em lei porque não tivemos ainda uma interlocução com o Executivo para levar um projeto de lei à Assembleia Legislativa. Acredito que seja importante ter uma lei porque protege a classe, protege a advocacia. Mas precisamos ter em mente que vivemos uma situação muito complicada. A crise bateu muito forte num estado que é muito pobre. A economia do Acre é a do contracheque, muito dependente do poder público. A gente tem de analisar isso com cuidado e de maneira muito fiel para não onerar e até inviabilizar os escritórios de advocacia.
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O valor mínimo da hora de consulta no estado é R$ 140, o mais baixo do país. Por quê?
Justamente pela realidade econômica que a gente vive aqui. Não adianta estabelecer um valor acima do mercado, senão vai virar letra morta. É irreal colocar o valor de R$ 300 porque não vai ter ninguém para pagar essa quantia e vamos estimular a informalidade.
Qual é a taxa de inadimplência da OAB no estado?
Temos uma situação peculiar aqui sobre a qual tenho que falar porque temos que lidar com isso. Até 2007 um único presidente, Adherbal Maximiano, exerceu 12 mandatos seguidos e comandou a seccional durante 36 anos. Ele tinha uma política de Exame de Ordem totalmente defasada, fora de contexto, em que nunca se analisou a capacidade mínima de quem fazia a prova. Quem não conseguia passar em outros estados, vinha para cá para tentar a sorte porque o exame não era rigoroso. As pessoas fretavam aviões de São Paulo, de Goiás, da Bahia, vinham para cá, pegavam a carteirinha e iam embora. Então, muita gente está no sistema do cadastro da OAB, mas não tem compromisso com a instituição, não fazem sequer recadastramento. Tem muitos advogados que moram fora, que estão ativos no sistema e que não podemos excluir só porque não sabemos o paradeiro. Ficou uma coisa meio híbrida. Entre esse pessoal, o índice de inadimplência é alto. Se olharmos para o quadro todo de advogados, vamos ter uma taxa de inadimplência que gira em torno de 40%. Já entre os advogados dos últimos dez, quinze anos, a taxa cai para algo em torno de 20%.
Quantos são os advogados dativos no Acre?
Temos uma lei estadual, com menos de seis meses, que regulamenta a advocacia dativa para aqueles casos que a Defensoria Pública não vai conseguir atender e o juiz nomeia um advogado. A legislação prevê um rodízio de advogados para que não fique setorizado e evite que o juiz convoque apenas um profissional predileto. Também estabelece um prazo máximo de pagamento no âmbito administrativo. Ironicamente, a partir da vigência da lei, a gente está tendo problema de inadimplência por parte do estado. Administrativamente não está se pagando nada, muitos advogados estão executando o título diretamente no Judiciário porque é arbitrado o valor na sentença ou num termo de audiência. Nós ficamos encarregados de fazer a lista dos advogados interessados para cada comarca e vara, mas até por uma questão de proteção da classe, paramos de fazer essa lista. Então, não vou poder responder a esta pergunta. Hoje o juiz nomeia quem ele bem entende, mas muitos advogados já estão se recusando a fazer este tipo de trabalho e estão usando como argumento a inadimplência do estado do Acre.
Hoje são 3.079 advogados num estado que só tem 22 municípios. O mercado está saturado?
Está. Grandes escritórios que defendem grandes demandados, como bancos e financeiras, têm contratado advogados aqui por irrisórios R$ 50 para representá-los numa audiência. Tem sempre alguém que aceita este valor mesmo sabendo que se trata de uma infração ético-disciplinar. Já vi situações até que ofereceram menos – e não são raras. A classe precisa se valorizar. O problema é que é uma situação difícil de fiscalizar. Você não sabe quanto um advogado está recebendo para estar na audiência. É difícil receber uma denúncia sobre situações como esta. É mesmo uma questão de conscientização. Se alguém receber uma proposta irrisória tem que representar na OAB para que a gente comunique a seccional de origem e, assim, seja instaurado um procedimento contra o escritório ou contra o advogado que fez a oferta aviltante.
Qual o principal desafio da seccional da OAB?
A gente tem muito problema com prerrogativas. Muitas autoridades públicas – claro, não são todas – não respeitam os advogados como deveriam. A comissão de defesa das prerrogativas tem que fazer plantão de 24 horas aqui. Muitos advogados não conseguem entrar numa delegacia, ver um inquérito, ter acesso a um cliente detido, ou mesmo despachar com um juiz. Temos um trabalho muito forte em relação a isso.
Qual a principal peculiaridade da advocacia no estado?
O processo eletrônico, que é ótimo no Sul e no Sudeste, para a gente é um caos. Aqui, 100% dos processos tramitam em via eletrônica, mas no interior temos vários pontos cegos de telefonia móvel e a velocidade da banda larga é uma verdadeira via crucis no nosso estado. Tem várias situações de advogados que perderam prazo porque não conseguiram subir um arquivo, ou então entraram com a petição e não conseguiram enviar alguns documentos em anexo e por isso tem a liminar indeferida. Tem casos também em que o advogado protocola a petição inicial e o sistema não acusa o recebimento, então ele protocola novamente. No outro dia tem duas ações interpostas e o juiz tem que indeferir e condena a parte autora a pagar as custas processuais. É o caos.