Por Iryá Rodrigues, g1 AC
Representantes dos povos indígenas do Acre cobraram mais atenção do poder público estadual e políticas públicas voltadas às populações tradicionais durante uma audiência pública na Assembleia Legislativa do estado nesta quarta-feira (13).
O grupo está em protesto desde o início da semana contra a chamada “agenda anti-indígena”, composta pelo julgamento do Marco Temporal no Supremo Tribunal Federal (STF) e projeto de lei que libera a mineração em terras indígenas. Após marchar por ruas da capital, os indígenas estão acampados na praça em frente ao Palácio Rio Branco, na primeira edição do Acampamento Terra Livre (ATL) do Acre.
A audiência foi proposta pelo deputado Edvaldo Magalhães e aprovada por todos os parlamentares para debater as questões indígenas. “Nós temos acompanhado que vocês estão em movimento desde o início da semana, já fizeram caminhadas, debates, estão acampados e queremos com esta audiência dar voz às diversas lideranças que participam do movimento”, disse o deputado ao dar início à reunião.
Ao g1, o governo do estado informou, por meio de nota, que para atrair recursos e fortalecer o etnoturismo do Acre a Secretaria de Empreendedorismo e Turismo (Seet) apresentou o Plano de Desenvolvimento Sustentável do Turismo Indígena.
Em relação ao crédito de carbono, governo disse que o estado nunca negociou diretamente, mas que o Acre tem um programa de incentivo financeiro de compensação, não reembolsável, por resultados em Redução de Emissões de Gases de Efeito Estufa Provenientes do Desmatamento e da Degradação Florestal (REDD+). Veja nota na íntegra mais abaixo
O presidente da Federação do Povo Huni Kui (Fephac), Ninawá Inu Huni kui, afirmou que nos últimos anos houve o congelamento das ações de políticas públicas voltadas para os indígenas. Ele também falou sobre a falta de segurança nas aldeias e pediu que seja colocado em prática a criação do conselho estadual indígena.
“Esse congelamento tem trazido prejuízos às nossas comunidades, dentre eles, a educação e saúde, especialmente. Tem ainda a ausência da política de estado para a segurança dentro das comunidades indígenas. Sabemos que vivemos uma vulnerabilidade por conta do crime organizado no estado e isso tem afetado, diretamente, as nossas comunidades. Preciso também deixar registrado que cobramos que o governo do estado faça uma prestação de contas do recurso das ações para comunidades indígenas”, afirmou.
A coordenadora da Organização de Mulheres Indígenas do Acre, Sul do Amazonas e Noroeste de Rondônia, Nedina Yawanawa, afirmou que participam da mobilização representantes dos 16 povos indígenas do estado.
“Estamos cansados de esperar, os povos originários do Acre, ao longo desses anos, têm observado, esperado e, infelizmente, o que tem acontecido são retrocessos dos nossos direitos já adquiridos. Estamos aqui exigindo que se cumpram as leis que estão garantidas na Constituição. Acompanhamos todo processo que está acontecendo. Não queremos que ninguém fale mais por nós, nós sabemos o que queremos. Infelizmente todas as conquistas de direitos não se dão por merecimento, mas sim por luta, e é isso que estamos fazendo. O povo indígena não é contra o progresso, mas queremos de uma forma sustentável, que respeite as vidas”, disse Nadina.
Crédito de carbono e incentivo ao turismo
Além das críticas aos projetos de exploração das terras indígenas e pedidos de políticas públicas no estado voltadas aos povos originários, as lideranças também falaram sobre a falta de investimentos e incentivos por parte do governo do Acre.
O cacique Joaquim Yawanawá afirmou que o estado acreano acumula crédito de carbono, mas ainda não tem buscado garantir retorno financeiro com isso, como outros estados e países. Segundo ele, o Acre poderia lucrar com esses créditos e investir em ações e projetos para as populações indígenas e tradicionais
O mercado de carbono funciona da seguinte forma: uma organização que emite os gases paga outra que gera créditos para neutralizá-los. Assim, o carbono emitido é compensado. A cada uma tonelada métrica de CO2 não emitida é gerado um crédito. As regras desse mercado, entretanto, dependem da gestão de cada país.
“Hoje, muitas necessidades em nossas comunidades poderiam ser resolvidas com recursos gerados pelas nossas próprias terras indígenas. O crédito de carbono rende muito para quem não desmata. O Acre tem acumulado muito crédito de carbono, mas infelizmente esse crédito não está beneficiando ninguém, porque não se tem corpo técnico adequado. Infelizmente, o governo tem ficado calado e não tem explorado toda essa potencialidade”, afirmou a liderança.
Yawanawá também falou sobre a questão do ecoturismo, que segundo ele, tem crescido nas aldeias, mas que disse que falta incentivo e valorização do poder público.
“Hoje não se pode tratar lideranças indígenas como incapacitados de conduzir seus próprios projetos de futuro. Precisamos de uma política para os povos indígenas, onde possamos nos sentir incluídos. O Acre, hoje, tem movimentado o turismo graças aos povos indígenas. Tem gente vindo de todo lugar do mundo. Estamos trazendo dinheiro para o estado e o estado não valoriza isso. Não se tem um programa de turismo dedicado aos povos indígenas. As próprias aldeias estão montando, mas é preciso o estado também estar presente.”
Por fim, a liderança indígena pediu a sensibilização de toda sociedade e faz um alerta sobre a preservação do meio ambiente.
“Convido todos vocês a estarem junto conosco. Hoje, os povos indígenas deixaram de ser os únicos defensores do meio ambiente. Defender a natureza é uma obrigação de cada ser humano que vive nessa terra. Não estamos aqui de férias, nascemos aqui, vivemos aqui, e aqui vamos morrer. Qual é o legado que vamos deixar para as futuras gerações?”
Protesto dos indígenas
A mobilização dos indígenas do Acre começou na segunda (11) com uma caminhada pelas ruas da capital acreana, passando por órgãos públicos como a Fundação Nacional do Índio (Funai), Ministério Público, Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), Casa Civil e, por fim, parou em frente ao Palácio Rio Branco, onde deve ficar acampado até o dia 14 de abril.
O movimento ocorre no mesmo período em que o Congresso Nacional deve votar textos como o do Projeto de Lei que autoriza a mineração em terras indígenas. No começo de março, a Câmara dos Deputados aprovou a urgência para votação do PL.
Três dos oito deputados federais do Acre foram favoráveis a urgência para votação do projeto: Alan Rick (DEM), Dra. Vanda Milani (SD) e Mara Rocha (PSDB).
Além de regras para a mineração, o texto estabelece normas para a exploração de hidrocarbonetos, como petróleo, e a geração de energia elétrica nestes territórios. O projeto está entre os alvos do Ato pela Terra, manifestação de artistas liderada pelo cantor e compositor Caetano Veloso, em Brasília, em março passado, e que denunciou o “pacote de destruição ambiental proposto pelo governo do presidente Jair Bolsonaro” (PL).
Nota do governo
“Em relação às demandas debatidas na audiência, o governo explicou que :
TURISMO INDÍGENA
Para atrair recursos e fortalecer o etnoturismo do Acre, o governo do Estado, por meio da Secretaria de Empreendedorismo e Turismo (Seet), apresentou o Plano de Desenvolvimento Sustentável do Turismo Indígena.
O plano, fruto do convênio 896031/2019, firmado entre a Seet e a Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (Sudam), visa ser o balizador do turismo em terras indígenas do Acre e já é uma referência nacional nesse setor.
O objetivo é estabelecer dados reais da demanda turística nas aldeias, o inventário da oferta turística, o diagnóstico e o prognóstico turístico, as diretrizes, os programas e projetos voltados para o fortalecimento do setor. A iniciativa atenderá 41 terras indígenas, em nove municípios do Acre.
CRÉDITO DE CARBONO
O Estado nunca negociou diretamente crédito de carbono. O Acre tem o programa de incentivo financeiro de compensação, não reembolsável, por resultados em Redução de Emissões de Gases de Efeito Estufa Provenientes do Desmatamento e da Degradação Florestal (REDD+).
O Programa REM é financiado pela República Federal da Alemanha e pelo Reino Unido por meio do KfW (Banco de Desenvolvimento da Alemanha). No Brasil, o governo do Acre foi o primeiro a receber a contribuição financeira. Em sua primeira fase foram firmados 147 convênios que beneficiaram diretamente 21.940 famílias com atividades voltadas para o manejo sustentável de florestas e aumento de estoques de carbono florestal. Desse total, 7.929 indígenas foram beneficiários em 28 Terras Indígenas.
A partir de novembro de 2020, uma portaria do Ministério do Meio Ambiente, autorizou que o mercado de crédito de carbono público e privado se autorregule.
O Conselho de Administração da Companhia de Desenvolvimento de Serviços Ambientais CDSA/SA, que tem participação de indígenas, tem se dedicado a elaborar as condições técnico, econômico e financeiro pra negociar o crédito de carbono com o mercado internacional.
DEMAIS POLÍTICAS PÚBLICAS
Desde o início do governo Gladson Cameli, o Estado tem procurado construir e apoiar, por meio do diálogo, com as organizações da sociedade civil e lideranças indígenas, ações relacionadas a saúde, educação e segurança.”
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