Por Alcinete Gadelha
Uma mulher transexual de Sena Madureira, no interior do Acre, relatou ter enfrentado dificuldades para conseguir mudar o nome no cartório da cidade, quando tentou fazer a troca pela primeira vez há quase três meses. Ela conseguiu o registro com o novo nome no início desta semana somente após intervenção do Ministério Público Estadual (MP-AC).
O Conselho Nacional de Justiça regulamentou em 2018 a decisão que permite a troca de nome e gênero em certidões de nascimento ou casamento de transgêneros. A lei prevê ainda que a alteração seja feita em cartório sem a obrigatoriedade da comprovação da cirurgia de mudança de sexo nem de decisão judicial.
O cartório da cidade disse que não houve negativa e que pode ter ocorrido um mal entendido quanto ao que foi informado tanto em relação a documentação, quanto ao sobrenome.
“A gente tem a normativa desde 2018 e não mudou nada na história e fazemos. O que a gente exigiu foi uma série de documentos, que se exige normalmente e, talvez, naquela época ela não quis providenciar, achou que não era preciso, inclusive conversei com algumas pessoas daqui e eles me disseram que ela veio, buscou a lista, foi embora e não voltou mais e agora ela retornou e a gente fez. E acho que o que aconteceu é que ela não entendeu a situação, porque você pode mudar o primeiro nome, mas não pode o de família, talvez ela não tenha entendido isso”, explicou a tabeliã do cartório, Dirce Silveira.
Duda Velozo Brandão, de 29 anos, nasceu homem e recebeu o nome masculino, mas desde criança sempre se sentiu desconfortável com o corpo que tinha.
“Eu sempre tive, desde criança, trejeitos femininos e não me identificava no corpo masculino. Então fui pra fora, fiz minhas cirurgias de corpo para me sentir melhor e sempre não gostava quando me tratavam no masculino, me sentia desconfortável. Então, fiz cirurgia, fiz tudo e voltei para o Acre justamente para a troca desse nome. Foi quando aconteceu isso”, contou.
Duda disse que o que faltava era apenas a troca do nome e em novembro do ano passado ela fez a tentativa e foi quando o cartório disse que não fazia a troca do nome e que ela precisaria procurar a Defensoria Pública e mover uma ação judicial de retificação de nome.
“Entrei com o pedido de nome social, que é o que eu me identifico, e fui ao cartório. Chegando lá, eles me mandaram para a defensoria pública e perguntei porque tinha que ir para a defensoria? E disseram que o cartório não está mais fazendo esse tipo de ação aqui”, relembrou.
O promotor Thallis Ferreira Costa contou que recebeu o caso encaminhado pela Coordenadora-Geral do Centro de Atendimento à Vítima (CAV) do Ministério Público do Acre (MP-AC), procuradora de Justiça Patrícia de Amorim Rêgo.
“Ela me passou esse caso, dando conta de que a Duda tinha tido dificuldades para fazer a troca no cartório de Sena Madureira e como a gente sabe tem um provimento do CNJ que não dificulta em nenhum momento, esse procedimento que pode ser feito todo extrajudicial, no cartório, com base na documentação que a pessoa apresenta. Claro que existem alguns documentos que precisam ser apresentados”, contou o promotor.
O promotor disse que entrou em contato com o cartório que negou ter se negado a fazer o documento. Ele diz que considera que ocorreu uma violação institucional no descumprimento de uma recomendação que já foi feita a todos os cartórios do Acre.
“Fui até o cartório e conversei com a responsável, que é a Dirce, e perguntei o que tinha acontecido, por que eles negaram? Ela respondeu a mim que não, que nunca tinha acontecido. Mas, a gente sabe que existe. Falei com ela [Dirce] que ela [Duda] ia procurar novamente o cartório munida da documentação e que deveria ser feito e cumprido o provimento. Entrei em contato com a Duda e ela providenciou a documentação”, acrescentou.
Costa disse ainda que um dos requisitos para a mudança do nome é que a pessoa não tenha nenhum processo judicial a cerca do nome e como Duda tinha iniciado o processo, o promotor entrou em contato com o judiciário para que fosse feito o arquivamento.
“Entrei em contato com a juíza e ela imediatamente se dispôs a resolver o problema por meio de uma certidão que foi juntada ao processo, onde ela [Duda] desistia. A juíza homologou a desistência e foi juntada a documentação e foi ao cartório e conseguiu fazer a retificação”, acrescentou.
Duda que é digital influencer na cidade, disse que tem colegas que fizeram a troca e ficou sem entender o motivo de não ter conseguido, mas, mesmo assim, ela foi para a defensoria, por onde ela teria que fazer uma ação judicial que iria durar pelo menos seis meses para que fizesse a retificação.
“Passaram três meses, foi quando entrei em contato com um advogado de Rio Branco e fui tentar saber o motivo de o cartório daqui não fazia a retificação do nome, e foi quando ele me orientou do que deveria fazer”, contou.
Ela procurou o MP e depois disso, os papéis foram levados ao cartório e na terça, 2 de fevereiro, a Duda já estava com a certidão de nascimento em mãos.
___________________
____________________
A tabeliã do cartório disse que conversou com os servidores e que todos afirmaram ter passado para Duda a documentação necessária.
“Ela falou que recomendamos que ela fosse direto para a defensoria pública, mas, a gente nem pode fazer isso, a pessoa tem que ver seus direitos. Me estranha muito. Tenho certeza que o que essa pessoa está falando não é verdade”, comentou Dirce.
O promotor afirmou que o caso chegou até ele como um suposto caso de homofobia, o que legitimou a intervenção dele no caso. MP vai recomendar que o cartório cumpra o provimento e o caso deve ser investigado.
“E agora o MP está no âmbito para evitar qualquer prática de crime de homofobia, de violência institucional, e vai recomendar ao cartório que cumpra o provimento e não coloque nenhum obstáculo para fazer esse procedimento. E encaminhar para a corregedoria do TJ para que seja investigado qualquer tipo de conduta e se houve algum tipo de crime de homofobia na ocasião”, pontuou.
A procuradora Patrícia Rêgo disse que as fiscalizações para que seja cumprida a determinação serão feitas para garantir que o direito seja garantido.
“O que temos a dizer é que o MP, quando tomou conhecimento, de pronto agiu. Agimos lá atrás quando saiu a decisão do Supremo e tem uma recomendação da Corregedoria do Tribunal de Justiça e que agora vamos, mais uma vez, recomendar os cartórios para que isso não aconteça de novo Isso é uma das maiores violações de direitos da população LGBT e nós não vamos transigir hora nenhuma com isso. É inadmissível, que passado muito tempo depois, a população LGBT tenha que estar propondo ação judicial para ter o seu direito garantido”, falou.
O promotor Thalles que interviu no caso orientou ainda que em caso de dificuldades, a pessoa deve procurar o Ministério Público imediatamente. “Procurar o MP porque não há nenhuma necessidade de fazer uma ação judicial para isso.”