Marina Silva: risco real a adversários

A personalidade aguerrida constrói a resistência impertubável de Marina Silva; uma política que oferece riscos concretos aos adversários


Apesar de não ter conseguido criar seu partido, Marina ainda tem papel fundamental em 2014

Por iG São Paulo

Marina Silva tem 55 anos, o mesmo peso da juventude e a aparência de quem exibe uma saúde frágil. Da superfície da delicadeza, no entanto, emerge uma personalidade forte e aguerrida, uma resistência imperturbável para a luta política e um risco concreto para os adversários. Por essa razão, seu destino partidário, decidido neste início de outubro, teria força suficiente para interferir nos rumos da sucessão presidencial do ano que vem. Tentando, até o último instante exigido por lei, viabilizar e registrar um novo partido, a Rede Sustentabilidade, Marina acabou filiada ao PSB de Eduardo Campos – e ao lado do governador pernambucano, como sua vice, deve entrar na disputa com a presidente Dilma Rousseff (PT) e o senador Aécio Neves (PSDB).

A nota relevante foi menos a associação com Eduardo Campos – surpreendente, mas cujas consequências ainda parecem pouco claras – e mais a sua saída da corrida presidencial como cabeça de chapa. Se Marina mantivesse a condição de possível sucessora de Dilma, possivelmente estaria em um posto mais elevado neste ranking. Mas é difícil discordar que ela exercerá um papel fundamental em 2014. Apesar do amálgama eclético e exótico que forma o conjunto de seus aliados, Marina terá peso e voz eloquentes na sucessão. Ainda que adie os planos de ser presidente e mantenha a resignação para ocupar um posto menor na coligação encabeçada por Eduardo Campos, ela continuará como símbolo de uma trajetória que costuma encantar muitas plateias nacionais e internacionais.

Osmarina, Ormarina, Marina

Marina da Silva nasceu Maria Osmarina Silva de Souza, em fevereiro de 1958, uma das nove filhas entre 11 filhos que tiveram o seringueiro Pedro Augusto da Silva e sua mulher, Maria Augusta da Silva. Dos 11, só oito sobreviveram. Seus parentes não conseguiam falar Osmarina. Insistiam em Ormarina. Não teve jeito: num acordo informal, passaram a chamá-la de Marina. Dentre os filhos ela foi a que mais adoeceu. Aos seis anos, teve o sangue contaminado por mercúrio. O resultado foram cinco malárias, uma leishmaniose e três hepatites. O histórico de doenças contraídas quando morava num seringal, no Acre, deixou sequelas que a fazem até hoje se afastar de uma interminável lista de coisas: frutos do mar, lactose, carne vermelha, álcool, perfume, carpete, poeira. Para um político em campanha, são restrições severas.

Marina fixou-se aos 16 anos na capital Rio Branco, ficando aos cuidados de irmãs católicas no convento Servas de Maria. Desistindo de ser freira, matriculou-se no Mobral, trabalhou como empregada doméstica, concluiu o supletivo de primeiro e segundo graus. Passou no vestibular de história na Universidade Federal do Acre. Em 1980 casou-se com o técnico em eletrônica Raimundo Souza, tiveram dois filhos e se separaram cinco anos depois. Em 1986 casou com o colega de faculdade Fábio Vaz Lima, que morava numa comunidade alternativa e era filiado ao PT. Teve duas filhas no casamento que dura até hoje.

A carreira política começou dois anos antes de conhecer Fábio. Ela assumia ali a vice-coordenadoria da CUT no Acre. O seringueiro e ambientalista Chico Mendes era o presidente da entidade. Filiou-se ao PT em 1985. Um ano depois, concorreu a deputada federal em dobradinha com Chico Mendes, que disputou vaga na Assembleia Legislativa do Acre. Ambos acabaram derrotados. Em 1988 foi eleita a vereadora mais votada de Rio Branco. No mesmo ano, Chico Mendes foi assassinado. Em 1990 foi eleita deputada estadual e, em 1994, senadora, em rápida ascensão. Voltou ao Senado em 2002. No ano seguinte, com a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva para presidente, foi nomeada ministra do Meio Ambiente. Sua indicação mereceu comentários favoráveis no “New York Times” e no “Financial Times”. Ela era uma estrela internacional.

Nos primeiros anos na pasta, conseguiu pôr na cadeia mais de 700 pessoas por crimes ambientais. Fez delimitação de terras e diminuiu o ritmo de desmatamento na Amazônia. Comprou briga contra a liberação dos transgênicos no Congresso, batendo de frente com o grupo dos ruralistas, cuja bandeira era que o agronegócio era responsável por mais de 20% do PIB. Mas logo encontraria problemas. Não tardaria a perder força quando começaram a se intensificar os atritos com a Casa Civil – primeiro com José Dirceu e mais tarde com Dilma Rousseff.

Em 2006, enfraquecida com a disputa e acusada de atrasar licenças ambientais para realização de obras, avisou que, dessa maneira, não gostaria de permanecer no governo. A pá de cal foi descobrir, de surpresa, que o Plano Amazônia Sustentável, que ela articulara, ficaria a cargo de outro ministro, Mangabeira Unger. Entregou a carta de demissão em maio de 2008. Pouco mais de um ano depois, desligou-se do PT.

Polêmicas em nome do Criador

No meio dessa acidentada trajetória como ministra, Marina Silva se tornou evangélica, membro da Assembleia de Deus, em 2004. “O que passou ficou para trás. Se você aceitou Jesus, não há por que haver culpa”, explicou sua conversão à repórter Daniela Pinheiro, da revista “Piauí”. Em 2010 deu uma entrevista a um jornalista evangélico durante um simpósio sobre criacionismo em uma universidade adventista, em São Paulo. Ela disse acreditar que “Deus é o criador de todas as coisas” e que “esse Criador tem um projeto e as coisas não acontecem por acaso”. E, sobretudo, defendeu o direito das escolas adventistas de ensinarem o criacionismo. No dia seguinte suas declarações se espalharam pela imprensa. No resumo da ópera, ela apareceu como defensora do ensino do criacionismo, embora tenha tentado esclarecer mais tarde que deveria ocorrer se também se ensinasse o evolucionismo.

Posicionou-se contra as pesquisas com células-tronco e, pessoalmente, é contra a descriminalização do aborto, embora admita que esta seja uma questão a ser debatida por toda a sociedade. Em junho deste ano, ainda pré-candidata à Presidência da República, participou de um debate com estudantes da Universidade Católica de Pernambuco. Incomodada com as críticas ao deputado-pastor Marco Feliciano, que preside a Comissão de Direitos Humanos na Câmara, Marina disse que Feliciano vem sendo atacado por ser religioso, e não por suas posições conservadoras. De novo, ela recebeu muitas críticas e, novamente, disse que tinha sido mal interpretada.

Seu conservadorismo nesses campos e sua religião são seus principais gargalos. Desde a campanha à Presidência da República, em 2010, tem sido assim. Em junho daquele ano, ela anunciou sua candidatura na convenção do Partido Verde, afirmando pretender ser “a primeira mulher, negra e de origem pobre, a governar o Brasil”. Teve menos de dois minutos de propaganda gratuita na televisão. Mas ao seu lado gravitava um vasto universo no qual se incluíam os até então desconhecidos caciques do PV, novos e velhos ricos repletos de consciência ecológica, economistas liberais e radicais livres do PT e do PSOL. As visitas de pastores evangélicos ao seu gabinete do Senado se tornaram uma romaria.

Em setembro ela contava com 10% das intenções de voto, contra 50% de Dilma Rousseff e 28% de José Serra. Um dia antes do pleito, o instituto Datafolha previa 16% do total de votos para Marina. No fim do primeiro turno, Marina obteve 19.636.359 votos, 19,33% dos válidos, ficando em terceiro lugar. Foi a inesperada, no entanto tardia, “onda verde”, mas cujo repuxo ainda dá esperança a muita gente. Esperança, por ora, aplacada com o recuo de Marina rumo à sombra de Eduardo Campos.

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Publicado por
Alexandre Lima