Lava Jato: Estrada do Pacífico está na mira do MP do Peru

Foco da investigação no país é a construção da Rodovia Interoceânica

Caso pode virar um dos escândalos mais graves de corrupção no Peru, diz o procurador-geral do Peru, Pablo Sánchez Velarde – Hugo Perez / Agencia O Globo

Por O Globo

RIO – Há cerca de dois meses, a Procuradoria Geral do Peru recebeu uma série de denúncias de corrupção e suborno envolvendo obras de infraestrutura realizadas por empresas brasileiras naquele país. As notícias-crime provocaram comoção nacional, e o órgão resolveu investigar. Contatou o Ministério Público do Brasil — mais especificamente o procurador-geral, Rodrigo Janot — e, desde então, busca entender aquele que poderá ser o braço peruano da Lava-Jato.

No foco da investigação, levada a cabo por uma força-tarefa constituída por quatro procuradores especializados em lavagem de dinheiro, está a Rodovia Interoceânica. Conhecida como Estrada do Pacífico, ela foi iniciada em 2005 por determinação e empenho dos então presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Alejandro Toledo. A princípio, ela tinha dois objetivos: integrar o Norte do Brasil ao Peru e encurtar o caminho dos produtos brasileiros rumo à China. Com mais de 2,5 mil quilômetros de extensão, a Interoceânica teve trechos executados por Odebrecht, Queiroz Galvão, Andrade Gutierrez e Camargo Correa e, desde 2011, liga a cidade de Rio Branco, no Acre, a portos estratégicos no Oceano Pacífico. Mas, em vez de custar os cerca de US$ 810 milhões previstos inicialmente, a rodovia saiu por mais de US$ 2,8 bilhões. É por aí que passam as denúncias e a investigação peruana.

— É bastante provável que o que foi revelado pela Lava-Jato no Brasil tenha acontecido por aqui também — disse com exclusividade ao GLOBO o procurador-geral do Peru, Pablo Sánchez Velarde. — E, se esse caso tiver por aqui dimensões parecidas às que vemos no Brasil, será um dos escândalos mais graves de corrupção já ocorridos no Peru, algo só comparável ao caso Vladimiro Montesinos (que foi assessor do ex-presidente Alberto Fujimori e que cumpre pena de 25 anos de prisão por crimes de lesa-humanidade).

Em entrevista por telefone, de seu gabinete em Lima, Sánchez Velarde fez questão de destacar que a Procuradoria Geral peruana levanta informações e documentação para entender o que ocorreu na Interoceânica. Para tanto, até o fim deste mês, enviará ao Brasil a equipe de procuradores que foi destacada para trabalhar de forma exclusiva na Lava-Jato. Eles já estiveram em Brasília e Curitiba e poderão voltar a essas duas cidades.

— Há mecanismos de colaboração, tratados internacionais entre Brasil e Peru. Eles permitem a troca e o compartilhamento de provas. E comemoramos o fato de que a comunicação entre os dois Ministérios Públicos anda muito fluida. Tudo que foi investigado pela Lava-Jato no Brasil poderá e será aproveitado aqui.

Assim como ocorre no Brasil, no Peru, as suspeitas de corrupção já impactam de forma contundente o cenário político nacional. No último dia 17, o Instituto Ipsos divulgou uma pesquisa que mostra o efeito da Lava-Jato na política interna daquele país. Um total de 54% dos entrevistados disse acreditar que as empreiteiras investigadas no Brasil “haviam mantido os mesmos métodos” de atuação no Peru. E 42% afirmaram que os casos de corrupção aconteceram não só na gestão Toledo, mas também durante o governo atual, do presidente Ollanta Humala, que viu sua aprovação cair de 27% em julho para 18% em agosto, também por conta da Lava-Jato.

Apesar desse impacto, Sánchez Velarde disse que o órgão que comanda ainda não sofreu nenhum tipo de pressão política ligada à investigação e que os políticos parecem apoiar o trabalho.

— O Ministério Público do Peru é independente. Faz seu trabalho com plena liberdade e objetividade. O que queremos é combater a corrupção, gerar mecanismos de ordem legal para lutar contra esse crime. A corrupção não afeta só o direito das pessoas, mas também o nível econômico e democrático de um país. E isso nós não podemos tolerar.

Além de ser procurador-geral, Sánchez Velarde preside a comissão nacional que luta contra a corrupção em seu país, um colegiado formado por membros da Justiça, do Ministério da Justiça, do Ministério Público e da sociedade civil. Diz, portanto, que tem “um compromisso duplo” com a investigação da Lava-Jato, mas não espera ter o mesmo papel de protagonista que Rodrigo Janot vem tendo no Brasil.

— Nós fazemos nosso trabalho de investigação de forma reservada e discreta. Não é parte da nossa função buscar protagonismo. Queremos seriedade, objetividade e imparcialidade. Não damos nomes a nossas operações. Não falamos em “Mãos Limpas” (em referência à operação contra a máfia italiana). Aqui, mantivemos o nome que vocês usam no Brasil. É Lava-Jato mesmo.

A história da construção da Interoceânica permeia os dois mandatos do ex-presidente Lula e, por conta disso, aparece refletida na série de despachos internos que o Itamaraty divulgou recentemente por meio da Lei de Acesso à Informação.

Entre 2003 e 2010, a embaixada do Brasil em Lima acompanhou de perto o deslanchar e a execução da estrada hoje sob suspeita. No dia 28 de janeiro de 2003, por exemplo, o então embaixador no Peru, André Mattoso Maia Amado, escreveu que “para o Brasil, seria também interessante a construção das estradas pelo impulso tanto ao intercâmbio comercial entre o Peru e o Norte e o Noroeste brasileiros, como à nossa exportação de bens e serviços, para as obras de engenharia (Odebrecht, Queiroz Galvão, Andrade Gutierrez e Camargo Correa já estão instaladas no Peru)”. Lula estava no poder havia 27 dias.

O processo, no entanto, foi demorado. Em setembro de 2004, o então assessor especial da Presidência, Marco Aurélio Garcia, foi ao Peru e teve que explicar ao governo local que havia “empecilhos não apenas burocráticos e financeiros, mas também de natureza legal” para que a Interoceânica saísse do papel. Os diplomatas registraram esse encontro.

A licitação foi envolta em polêmica. Segundo despacho redigido por Maia Amado em 20 de junho daquele ano, o então presidente, Alejandro Toledo, reclamava muito da “burocracia insensível” por parte do Brasil, que “estaria comprometendo a realização de obras importantes de infraestrutura” em seu país. E, para o diplomata, “a indignação do chefe de estado encontrava apoio em fatos”. Os termos da licitação haviam sido divulgados um dia antes, em 19 de junho, e as propostas técnicas deveriam ser apresentadas pelas empreiteiras quatro dias mais tarde, para quando estava prevista a abertura dos envelopes. Em seu despacho, o diplomata ainda apontou dúvidas sobre os valores: “Os termos da licitação apenas ontem divulgados (…) estabeleceram preço irrealista (US$ 700 milhões), a juízo dos dois consórcios brasileiros, para os quais o nível correto seria de US$ 840 milhões”. Mesmo assim, as construtoras brasileiras ganharam trechos da Interoceânica, e as obras foram iniciadas em setembro daquele ano.

CONSTRUTORAS REAGEM

Sánchez Velarde ressaltou que ainda é cedo para afirmar que as empreiteiras brasileiras estão sob investigação no Peru, mas disse que é “uma lógica muito próxima da realidade” pensar que o modus operandi revelado pela Lava-Jato no Brasil se repetiu no Peru.

A divisão da Odebrecht no Peru existe desde 1979 e é uma das mais antigas da organização. Participou da construção dos trechos 2 e 3 da Interoceânica. Por meio de nota divulgada no exterior, ela rechaçou “fortemente a tentativa de envolver a organização Odebrecht em denúncias de pagamento de suborno durante qualquer processo de adjudicação de contratos” e afirmou que “essa prática é alheia à cultura organizacional” da empresa.

Em nota publicada pela imprensa peruana, a Camargo Corrêa destacou que “a licitação foi totalmente técnica e transparente e que as obras chegaram ao fim com os devidos índices de qualidade e excelência”. A empresa atuou no trecho 4 da Interoceânica ao lado Andrade Gutierrez e da Queiroz Galvão. Juntas, elas integraram o Consórcio Intersur.

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Publicado por
Alexandre Lima