Acre
Com investimentos históricos, governo fortalece saúde e diminui filas de cirurgias no Acre
O casal Railda Gurgel e Mário Pontes realizou um sonho antigo quando o marido se submeteu ao procedimento de vasectomia no último mês, em Senador Guiomard. “Escolhemos esse procedimento para que a minha esposa não precisasse ser operada. O médico disse que não alteraria nada em minha vida, então por que não fazer?”, disse Mário, após passar pela cirurgia, em mais um mutirão do Opera Acre, um dos principais programas do governo do Estado, realizado pela Secretaria de Saúde (Sesacre).


No Dia Mundial da Saúde, lembrado neste dia 7 de abril, o governo do Acre destaca os principais investimentos que fazem a saúde do Acre alcançar todas as áreas da vida de cada acreano – do planejamento familiar ao nascimento e passando pelas diferentes fases da vida – com investimentos que se traduzem na qualidade de vida de cada cidadão, como é o caso do programa Opera Acre, que mudou a vida do casal Railda e Mário, assim como milhares de pessoas desde a sua criação, em 2022, com cirurgias eletivas diversas.
Atualmente, o Opera Acre realiza cirurgias ginecológicas, urológicas, pediátricas, vasculares, de cabeça e pescoço, ortopédicas, otorrinolaringológicas, cardiológicas, proctológicas e de angioplastias, entre outras.
Outro marco é a realização de cirurgias pediátricas, que ocorrem todas as quartas-feiras, e representam um avanço na saúde pública, colocando o Acre como referência na região amazônica, diminuindo a necessidade de transferência dos pacientes para outros estados.


Selma do Nascimento Rodrigues é mãe de Eloá, de 6 anos, que esperava por uma cirurgia para correção de uma hérnia inguinal. Graças ao Opera Acre, a intervenção cirúrgica foi feita no dia 27 de março, no Hospital Ary Rodrigues, em Senador Guiomard.
“A gente estava esperando por essa cirurgia e hoje a Eloá foi contemplada. Estou muito contente e grata por isso”, expressou a mãe.
Somadas todas as especialidades, em 2023 foram realizadas 11.938 cirurgias. Neste ano, somente para o mês de abril, 300 procedimentos são estimados.
Graças à capacidade de dialogar com diferentes entes visando melhor servir à população, o Acre recebeu um investimento significativo destinado a cirurgias eletivas. Esses recursos foram direcionados principalmente para fortalecer as estruturas regionais, promovendo um atendimento mais humanizado.
Destaca-se, ainda, que na última reunião de 2023 da assembleia do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) o Acre assegurou mais de R$ 5 milhões, visando dobrar o número de cirurgias programadas para 2024.


“A equipe da saúde do Acre deu o seu melhor no último ano, buscando recursos, ampliando parcerias, entre outras ações, sempre com foco na ampliação dos serviços, visando alcançar o cidadão da capital e principalmente o do interior, que já não precisa mais sair da sua cidade para ter acesso a uma série de serviços. Começamos este ano com muitas ações, sob a orientação do governador Gladson Cameli, para que 2024 seja um ano com ainda mais avanços”, destaca Pedro Pascoal, titular da Sesacre.
Inovação
Sempre buscando inovar e ampliar seu leque de serviços para promover a saúde de quem mais precisa, a interiorização da saúde é um dos principais objetivos da atual gestão, que proporciona cada vez mais a oferta de serviços até o cidadão, sem que este tenha que se deslocar do interior para a capital, como tradicionalmente ocorria.
Exemplo das inovações está na oferta do exame de colangiopancreatografia retrógrada endoscópica (CPRE), que consiste na desobstrução das vias biliares, que são canais conectados à vesícula, um órgão muscular que atua no sistema digestório, e do pâncreas, responsável pela produção de hormônios. A ação inédita teve início em janeiro no Hospital do Juruá, em Cruzeiro do Sul.


“Há um ano, as dores intensas na região das costas e do estômago eram comuns no meu dia a dia. Com o passar do tempo, o tom da minha pele e dos olhos sofreu alteração e passou a ter uma coloração amarelada. Sofri bastante, sobretudo porque a doença me impossibilitou de trabalhar e fazer coisas comuns”, relatou Andreanes de Almeida, um dos primeiros pacientes a fazer o exame.
Para fortalecer ainda mais a saúde no interior, em 2023, a gestão também inaugurou a reforma das unidades mistas de Assis Brasil e Marechal Thaumaturgo, reativou o centro cirúrgico do Hospital-Geral de Plácido de Castro e, ainda, retomou os serviços da Oficina Ortopédica de Cruzeiro do Sul.
Outro importante momento para a comunidade foi a reativação do centro cirúrgico do Hospital-Geral Dr. Manoel Marinho Monte, em Plácido de Castro, que foi ativado após 30 anos de espera. Agora, a unidade proporciona serviços essenciais à comunidade local e de municípios vizinhos.
Em Xapuri, o Hospital Epaminondas Jácome também foi revitalizado, fortalecendo a saúde no município e proporcionando mais qualidade nos serviços à população e aos servidores.


“O ano de 2023 foi um ano muito produtivo para todos nós. Nos últimos três anos tivemos um aumento de 33% na receita, o que é muito positivo, pois nos permite não só fortalecer os serviços já realizados, como também ampliar as ações principalmente no interior do estado. Pra se ter ideia, nós conseguimos utilizar 92,39% dos recursos, então, a nossa expectativa para 2024 é continuar executando um bom trabalho, aumentando ainda mais estes números”, destaca Andrea Pelatti, secretária adjunta de Administração da Sesacre.
Ambulatório Especializado em Oncologia no Vale do Juruá
Só quem tem um familiar em tratamento contra um câncer sabe o quão difícil é lidar com a doença. Para contribuir com o melhor tratamento, diminuindo o desgaste com deslocamento, o governo do Acre disponibilizou um ambulatório de oncologia no Hospital Dermatológico de Cruzeiro do Sul. Na capital, um ambulatório de oncologia funciona na Unidade de Alta Complexidade em Oncologia (Unacon), mas com a ideia de descentralizar o serviço, o Estado segue expandindo os serviços.


Maria Enísia de Lima descobriu um nódulo na região da mama direita. Após o autoexame, veio o diagnóstico: a cruzeirense, de 56 anos, foi acometida pelo câncer de mama.
A busca pela cura da enfermidade se apresentava cheia de desafios, entre eles o deslocamento de Cruzeiro do Sul para a capital, onde se centralizavam os serviços. “Enfrentei muitas dificuldades, como a logística das viagens. Além disso, precisei de outras ajudas, como a financeira, para seguir o tratamento”, relata.
Na fase de acompanhamento e quase curada da doença, Enísia não precisou sair de Cruzeiro do Sul para receber assistência médica, tendo seu acompanhamento otimizado com os atendimentos ambulatoriais oncológicos que, pela primeira vez na história, são ofertados na região do Juruá. “É uma benção. Como usuária, só tenho a agradecer a todos os envolvidos nesse projeto, que melhora muito a vida do paciente que se trata de câncer”, enfatizou.
Novos leitos fortalecem o atendimento em saúde
O ano de 2024 começou com grandes avanços. Já no dia 18 de janeiro, a Saúde do Acre anunciou a abertura de 18 novos leitos de UTI, uma expansão que ocorre naturalmente diante da demanda e, portanto, já era planejada pela gestão. Atualmente, o Acre conta com 67 leitos de UTI adulto e 75 leitos de UTI infantil, distribuídos em diversas unidades de saúde.


“A gestão da Saúde está em constante mudança no sentido de se adaptar às demandas, e a ampliação de leitos é uma prática comum que fazemos diante da demanda. Isso demonstra o compromisso da nossa gestão em melhorar os serviços de saúde, garantindo assistência a todos os acreanos, inclusive de forma preventiva”, destaca Ana Cristina Moraes, secretária adjunta de Atenção à Saúde da Sesacre.
Cadeiras de rodas: liberdade para quem mais precisa
Outro capítulo importante da história da Saúde do Acre que está sendo escrita na gestão Gladson Cameli é a entrega de cadeiras de rodas que proporcionam liberdade de ir e vir a quem precisa. O investimento histórico alcançou 126 pessoas em 2023 por meio de um investimento de R$ 417.744,00.


José Aurismar Braga, mais conhecido como Mazinho, foi o primeiro a receber a cadeira de rodas, e expressou seu contentamento com a ação. “Isso aqui é autonomia e acessibilidade. Alguns deficientes como eu não podem se locomover sozinhos. Agora posso ir ao mercado, ir à faculdade, isso é autonomia e dignidade para a pessoa humana. É importante que nós [pessoas com deficiência] possamos continuar tendo acesso a esse tipo de ação”, afirmou.
Concurso público amplia quadro de servidores e melhora atendimento de saúde
Em 2024, uma promessa foi honrada com o fortalecimento do quadro de pessoal da Saúde ao serem convocados 278 novos servidores efetivos da Secretaria de Saúde do Estado do Acre somente em Rio Branco, sendo outros 50 convocados para atuarem na regional do Juruá, Tarauacá e Envira, exercendo os cargos de agente administrativo, condutor de ambulância, enfermeiro e médico, além de técnico em análises clínicas, fisioterapeuta, farmacêutico e técnico em radiologia.


Em seus cinco primeiros anos de governo, até agora, o governo de Gladson Cameli contratou mais de 5 mil novos servidores efetivos, além de outros importantes concursos abertos recentemente.
Ainda para o fortalecimento do quadro de servidores da Sesacre, está em andamento o Edital de Processo Seletivo Simplificado para o provimento de 1.020 cargos na Saúde do Acre. Os vencimentos são de R$ 1.721,20 para nível médio e de até R$ 10.046,39 para nível superior.
Os cargos de nível médio são para técnico de enfermagem e, no caso de nível superior, as oportunidades são para os cargos de biomédico, enfermeiro, farmacêutico, fisioterapeuta, fonoaudiólogo, médico e terapeuta ocupacional.
O certame chegou a ser adiado devido à cheia dos rios acreanos, mas o novo cronograma foi divulgado e as provas serão realizadas no dia 28 de abril. Logo, a saúde do Acre vai ganhar mais reforço para melhorar ainda mais a oferta de serviços na capital e interior.
Fonte: Governo AC
Comentários
Acre
Seca histórica e El Niño de 2023/2024 causam queda recorde na produção de castanha-da-amazônia em 40 anos
Safra 2024/2025 pode ser a pior em décadas, ameaçando sustento de comunidades extrativistas; Embrapa projeta recuperação apenas em 2026

O prolongamento do fenômeno El Niño, associado à baixa nebulosidade, alta radiação solar e queimadas recorrentes, provocou uma queda drástica na umidade do solo. Foto: internet
A combinação de seca extrema, temperaturas elevadas e efeitos do El Niño entre agosto de 2023 e maio de 2024 resultou na pior quebra de safra de castanha-da-amazônia em 40 anos. A perspectiva de recuperação para a próxima safra é considerada promissora, mas especialistas alertam: é urgente a adoção de medidas de adaptação para garantir a sustentabilidade da cadeia produtiva.
Dados preliminares da Embrapa apontam redução que pode chegar a 60% na produção, com impactos diretos em milhares de famílias extrativistas que dependem do produto como principal fonte de renda.
“A floração da castanheira-da-amazônia ocorre no fim da estação seca e início da chuvosa, podendo durar até seis meses. Já a maturação dos frutos leva entre nove e treze meses. Todo esse processo é sensível às variações climáticas extremas”, explica Carolina Volkmer de Castilho, pesquisadora da Embrapa.
A crise climática por trás da queda
Pesquisadores identificaram uma cadeia de eventos devastadores:
- Déficit hídrico: Umidade do solo 45% abaixo da média histórica
- Estresse térmico: Temperaturas 3°C acima do normal durante a floração
- Fogo e radiação: Queimadas e baixa nebulosidade prejudicaram a frutificação
“Vimos castanheiras centenárias abortarem frutos pela primeira vez”, relatou o pesquisador da Embrapa Acre, Marcos Vinicius.
Impacto social e econômico
A queda afeta diretamente:
- 25 mil famílias extrativistas na Amazônia
- 120 cooperativas e associações de produtores
- Cadeia que movimenta R$ 280 milhões/ano no Norte do país
No Acre, estado produtor, a colheita que normalmente começa no mês de dezembro pode ser adiada e atrapalhar o cenário, já para 2026.

A Amazônia registrou, entre agosto de 2023 e maio de 2024, uma das secas mais intensas dos últimos 40 anos. Foto: internet
Estratégias de resistência
Diante do cenário, especialistas propõem:
Renovação dos castanhais: Substituição de árvores senis (acima de 300 anos)
Seguro-extrativismo: Modelo em teste no Pará para compensar perdas
Manejo adaptativo: Técnicas para reduzir estresse hídrico
Luz no fim do túnel
A Embrapa projeta uma superprodução em 2026, padrão observado após:
- A seca de 2023/2024 (+37% na safra seguinte)
- O El Niño de 2023 (recorde histórico)
Próximos passos:
- Ministério do Meio Ambiente estuda plano emergencial
- Embrapa prepara relatório técnico para o Congresso Nacional
A Riqueza da Castanha
1 árvore produz em média 200 ouriços/ano (em condições normais)
Safra 2024: estimativa de 80 ouriços/árvore
Brasil responde por 60% da produção global
Preço ao produtor pode subir (temporadas)
Fontes: Embrapa/IBGE/Conab
Comentários
Acre
Como o tráfico transformou a Amazônia na principal rota de exportação de cocaína
Explorado pelos maiores cartéis do Hemisfério Sul, o negócio envolve bilhões de dólares e conta com a parceria de facções nacionais

Vigilância: a mata fechada e rios com seus milhares de braços dificultam o patrulhamento e facilitam o crime. Foto: Bruno Kelly/
Por Laryssa Borges, de Tabatinga (Rrevista/Veja)
Lago Sacambu, Amazônia peruana, março de 2025. Uma gigantesca lona azul protege das rajadas de chuva típicas do inverno na região uma carga preciosa. Lado a lado, em montes, folhas de coca são preparadas para o início do processo de maceração.
Enquanto isso, homens armados escoltam uma estufa improvisada e posam para fotos com o símbolo da facção que tomou de assalto a chamada Rota Solimões, um emaranhado de rios navegáveis em terras brasileiras que transformou a maior floresta tropical do mundo numa imensa trilha de passagem das drogas produzidas pelos grandes cartéis da Colômbia.
À espera de ordens superiores, o bando, formado em sua maioria por rapazes que não aparentam mais que 20 anos de idade, treina tiro ao alvo entre as árvores. Um deles aparece ostentando um fuzil. O laboratório de refino está em pleno funcionamento.

NA LINHA DE FRENTE - Almeida: “Precisamos de uma ação nacional para enfrentar essas quadrilhas”. Foto: Bruno Kelly/
Ao lado dele, há plantações de coca a perder de vista, como mostram imagens captadas por um drone. Em breve, toneladas de cocaína vão sair dessa “fazenda” e ingressar no Brasil em pequenos aviões, escondidas em fundos falsos de barcos ou disfarçadas, por exemplo, em botijões de gás.
A droga vai percorrer grandes distâncias até chegar aos portos e aeroportos, de onde, sem maiores problemas, embarcará para seu destino final, a Europa, fechando o ciclo de uma das atividades mais lucrativas do planeta.
Localizado no chamado Vale do Javari, Sacambu, onde ocorreu o flagrante do drone de uma autoridade local de segurança, é um dos inúmeros entrepostos dominados pelo narcotráfico na fronteira do Brasil com a Colômbia e o Peru, a chamada tríplice fronteira amazônica, um território de proporções gigantescas, coberto por vegetação densa, desabitado e inóspito.
Veja vídeo:
A fragilidade da vigilância e fiscalização das forças de segurança transformou a região na rota perfeita para os grandes cartéis escoarem sua produção com o mínimo risco. Os números deixam isso bem evidente. As autoridades estimam que as apreensões de droga na região representam apenas 10% do que é efetivamente traficado.
Ou seja: se essa projeção estiver correta, o que é impossível saber, passaram pela floresta brasileira somente no ano passado nada menos que 430 toneladas de cocaína. Se levado em consideração que 1 quilo da droga custa, em média, aos compradores europeus o equivalente a 260 000 reais, segundo dados da Organização das Nações Unidas (ONU), o faturamento dos cartéis ultrapassou os 110 bilhões de reais.
Essa cifra impressionante uniu na Amazônia brasileira poderosos cartéis colombianos, organizações mafiosas europeias e o que hoje existe de mais deletério no submundo do crime nacional: as facções. É um novo desafio que precisa ser urgentemente enfrentado.

Posto de fiscalização: as paredes das palafitas estão cravejadas de balas disparadas pelos bandidos. Foto: Bruno Kelly/.
Vistos de cima, o tapete verde formado pela copa das árvores da floresta às vezes não permite avistar um único centímetro do solo e muito menos antever o fluxo de pessoas e embarcações que trafegam pelos rios, incluindo as que são usadas para transportar madeira, ouro, animais em extinção e, nos últimos anos, principalmente cocaína.
Apenas o Alto Solimões, que reúne as fronteiras seca e fluvial do Brasil com os vizinhos Colômbia e Peru, é duas vezes maior que Portugal. Fiscalizar uma área tão imensa parece impossível. Responsável pela vigilância na divisa, o Exército se desdobra com 9 500 soldados na região.
A proporção é de um homem para cada 72 quilômetros quadrados de área de fronteira. A situação é ainda mais crítica quando se observam outros números. As sete cidades que ficam na fronteira contam com inacreditáveis 150 policiais militares para cuidar da segurança de uma área de 213 000 quilômetros quadrados — uma região do tamanho da Inglaterra e da Escócia somadas. É impossível.
No período de seca (julho a novembro), os pequenos aviões respondem pelos grandes carregamentos que cruzam a fronteira. Por 60 gramas de ouro, equivalentes a 20 000 reais, é possível contratar uma aeronave para transportar qualquer coisa. Elas voam baixo e pousam em pistas clandestinas que, sem nenhuma vigilância ostensiva, são abertas na floresta da noite para o dia.

Carregamento: a polícia apreendeu 5 toneladas de cocaína que estavam escondidas no meio da floresta. Foto: Polícia Militar do Amazonas/Divulgação
É em terra firme, porém, que se tem a exata dimensão do desafio de combater o tráfico na região. Por segurança — ou ausência dela —, os traficantes preferem usar as estradas pluviais para entrar no Brasil. Alguns dos afluentes dos rios navegáveis nascem na Colômbia e no Peru e chegam aos estados do Amazonas e do Acre. Além disso, no período das chuvas (dezembro a junho), as cheias produzem ramificações que ficam completamente cobertas pela vegetação. Elas são usadas pelas quadrilhas como rotas alternativas. São milhares de pequenas estradas que nem sequer constam nos levantamentos cartográficos, o que dificulta a vigilância que já inexiste.
Para patrulhar a tríplice fronteira, a PM que cuida da fronteira, além dos míseros 150 homens, conta com uma única lancha blindada (que, há duas semanas, estava estragada), uma cota mínima de combustível e um estoque de munição que não resiste a um rápido tiroteio. Pelo lado dos traficantes, a situação é oposta. Eles usam armas capazes de abater um helicóptero, dispõem de embarcações à prova de balas, fuzis de última geração e até submarinos improvisados. VEJA visitou o Vale do Javari e as cidades de Tabatinga, Atalaia do Norte, Benjamin Constant e Letícia — os principais municípios da fronteira.
No trajeto, não é raro detectar drones dos grupos criminosos sobrevoando e mapeando a movimentação das forças de segurança, inclusive do Exército. “Precisamos de uma ação nacional para enfrentar essas quadrilhas”, diz Vinicius Almeida, secretário de Segurança Pública do Amazonas. “O que o governo do estado pode fazer tem feito, mas nós somos muito pequenos em relação ao crime”, completa.
Tabatinga, na divisa com a Colômbia, é um exemplo das mudanças provocadas na região pela cocaína. Por mais que incomode, a cidade não consegue se livrar do estigma de capital do narcotráfico amazônico. Há olheiros de facções criminosas em cada esquina. No movimentado porto do município, a fiscalização das embarcações e dos transeuntes é praticamente nula.
Não existem rodovias. Por isso, as lanchas e canoas são responsáveis pelo transporte de suprimentos oriundos de Manaus e dos países vizinhos. O movimento é frenético. As autoridades sabem que grandes quantidades de drogas passam por ali, mas falta braço para a polícia reprimir de forma séria o negócio. “Em uma cebola pequena, cabem 50 ou 60 gramas de droga, mas imagina num saco de 20 quilos de cebola.
Agora estão também recheando tambaqui com cocaína e armazenando em frigoríficos. Congelado, não tem cão farejador que descubra”, explica um policial. Também não há cães farejadores para tanta demanda. As vistorias, quando ocorrem, são apenas por amostragem.
Até pouco tempo atrás, o município de 70 000 habitantes era palco de uma violenta disputa pela exclusividade do transporte de drogas na região. Execuções de rivais faziam parte da rotina da cidade. “Nas brigas de facções, os mortos acabavam desmembrados e jogados no rio para apagar os vestígios”, diz Jonatas Soares, comandante do 8º Batalhão da PM em Tabatinga.

Tabatinga: a “capital” da tríplice fronteira vive rotina de medo com a presença das facções. Foto: Bruno Kelly/
Em 2020, o Comando Vermelho assumiu o controle das rotas fluviais da Amazônia depois de uma guerra sangrenta com outras organizações. Com a consolidação do monopólio, as mortes violentas em Tabatinga, que atingiram o índice de 74 para cada 100 000 habitantes, uma das mais altas do país, diminuíram.
Em contrapartida, o tráfico explodiu. Em uma das dezenas de ruas esburacadas e malcuidadas da cidade, delegados, policiais militares, o juiz e o chefe do Ministério Público moram todos em um único condomínio de muros altos e monitorado por câmeras. Questão de segurança. Na esquina do endereço mais sensível do município, porém, uma pichação com o símbolo do “CV” deixa claro quem dá as cartas na região. A facção, aliás, tem seu próprio capo na fronteira. Trata-se de Kellison Rego da Silva, conhecido como “Loirinho” ou “Itália”. Reza a lenda que foi ele quem comandou o extermínio dos grupos rivais há alguns anos.
Jurado de morte, o traficante usa o nome falso de Emilio Gonzales da Silva e se esconde em Letícia, cidade colombiana separada de Tabatinga apenas por uma rua. Os inimigos — os que restaram — oferecem uma recompensa de 500 000 reais por informações sobre o paradeiro dele. O prêmio também será pago, diz o cartaz, se alguém entregá-lo morto.

Garavito: “Antes, tínhamos Pablo Escobar. Hoje os chefes são mais discretos”. Foto: Bruno Kelly
O que se passa em Tabatinga, hoje, Letícia já experimentou há mais de três décadas. A cidade colombiana também abrigou um cartel que usava os rios brasileiros como corredor para levar cocaína à Europa.
A diferença agora é que naquela época eram carregamentos esporádicos, em volumes menores e os personagens que comandavam as operações eram outros. Chamava a atenção na cidade as dezenas de casas de câmbio e o sofisticado comércio de bebidas importadas e produtos eletrônicos que destoavam do perfil de pobreza dos moradores.
Em Tabatinga, esse consumo sofisticado ainda não é tão nítido, mas, recentemente, foi percebido um crescimento fora do normal de grandes lojas varejistas. No ano passado, a polícia prendeu empresários da cidade por suspeitas de lavar dinheiro do tráfico para o Comando Vermelho.
Os novos comandantes vêm ampliando suas conexões. Nos arquivos da polícia colombiana há registros de que a facção brasileira estabeleceu uma parceria com dissidentes das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), que abandonaram a guerrilha, se juntaram aos cartéis e atualmente administram plantações de coca na fronteira.
“Os traficantes em geral não ficam aqui na região da tríplice fronteira. Eles vêm, fecham os negócios e vão embora”, diz Santiago Garavito, comandante da Polícia Nacional da Colômbia em Letícia. “Antes, tínhamos personalidades como Pablo Escobar. Hoje, os chefes têm perfil mais discreto”, acrescenta. Uma curiosidade: no auge do poderio do cartel de Medellín, nos anos 1980, Letícia chegou a abrigar duas casas usadas pelo próprio Escobar. Trinta anos depois de sua morte, ainda é possível identificar as ruínas de uma delas, curiosamente instalada próxima ao prédio da Polícia Nacional.

PROCURA-SE - Kellison: o traficante é apontado como o capo do Comando Vermelho na fronteira com a Colômbia. Foto Art
Sem condições de se contrapor aos novos comandantes que vêm ampliando suas conexões e poderio, as autoridades, às vezes, precisam contar com a sorte. Em agosto do ano passado, os cartéis sofreram um duro golpe. Em Benjamin Constant, cidade a 20 quilômetros de Tabatinga, a polícia apreendeu numa única tacada 5 toneladas de cocaína pura.
A droga pertencia a um grupo colombiano e estava no fundo falso de embarcações construídas no meio da floresta. Em uma situação normal, ninguém encontraria o local no meio da selva. O ruidoso barraco provocado por um desentendimento amoroso entre os traficantes, no entanto, levou a polícia amazonense até onde os barcos estavam sendo preparados. Lá, para surpresa geral, encontraram 3 toneladas de cocaína.
Já seria uma das maiores apreensões de todos os tempos no estado, mas havia mais. A equipe se preparava para retornar quando um dos policiais resolveu se afastar do grupo, à procura de lugar mais reservado, uma moita. No caminho, viu o que parecia ser uma caixa coberta por uma lona. Havia lá mais 2 toneladas da droga.
A maior carga de cocaína já apreendida na selva abalou os alicerces da quadrilha. “Combater o crime na floresta é um desafio. Como é impossível colocar um policial em cada metro da fronteira, enfrentamos os criminosos com inteligência”, diz Humberto Freire, diretor da Amazônia e do Meio Ambiente da Polícia Federal, que trabalha para tirar do papel o Centro de Cooperação Policial Internacional, que reunirá em Manaus investigadores dos nove países que compõem a Amazônia Legal.

Pichação do CV: para deixar claro quem dá as cartas em Tabatinga. Foto: Silvia Izquierdo/AP/Imageplus
A PF, por questões de segurança, não revela o tamanho de seu efetivo na Amazônia. Os federais têm uma delegacia em Tabatinga, usam informações de satélite para tentar localizar laboratórios, acionam as Forças Armadas para, se preciso, abater aviões de traficantes e dar apoio logístico às operações, mas também não têm estrutura suficiente para fazer frente aos bandidos. O tráfico, o contrabando, o garimpo, a exploração clandestina de madeira e a pesca ilegal se misturam na floresta.
O Lago Sacambu, na Amazônia peruana, por exemplo, está na região onde o indigenista Bruno Pereira e o jornalista britânico Dom Phillips foram assassinados, em junho de 2022, enquanto investigavam crimes ambientais. A poucos quilômetros do local da tragédia fica um dos quatro postos de fiscalização fluvial que existem ao longo do Rio Javari. É uma palafita cravejada de balas que não deixa os fiscais da Funai, os policiais e os soldados do Exército esquecerem que os criminosos que cruzam o rio costumam atirar primeiro.Continua após a publicidade
A expansão do grande tráfico na floresta tem produzido sequelas visíveis e invisíveis. A mais notória é o fortalecimento do Comando Vermelho. Com ramificações em 24 estados da federação, estima-se que a facção movimente algo em torno de 30 bilhões de reais por ano. Além de partilhar os rendimentos do tráfico internacional, ela recolhe pedágios das embarcações, alicia indígenas e comunidades ribeirinhas e não hesita em eliminar quem atravessar seu caminho.

INTELIGÊNCIA - Em breve: Centro Internacional vai reunir em Manaus investigadores de nove países. Foto: Polícia Federal/Divulgação
Os métodos que estão dando certo na floresta foram importados do Rio de Janeiro e se alastram pelo país. No Amazonas, as autoridades identificaram uma comunidade indígena que foi escravizada pela facção. Os índios fazem pequenos trabalhos para os traficantes em troca do oxi, um subproduto da cocaína com poder de destruição superior ao crack. Quase 80% de todos os 1 049 homicídios registrados no estado têm relação com o comércio de drogas. Para que as engrenagens funcionem em benefício das quadrilhas, a corrupção também marca presença.
Recentemente, a Polícia Federal prendeu um agente da própria instituição que facilitava a passagem dos carregamentos no aeroporto de Manaus. “A droga por onde passa vai deixando um rastro de destruição. A tríplice fronteira vive uma realidade que nós todos brasileiros olhamos de costas”, adverte Vinicius Almeida.
Veja vídeo:
O caso é reconhecido como de altíssima gravidade também entre as autoridades do Ministério da Justiça em Brasília. A droga transportada pela chamada “hidrovia do crime” na Amazônia atravessa o país em direção aos portos e gera lucros estratosféricos para as facções organizadas, as mesmas que espalham o terror hoje pelas grandes metrópoles do Brasil.
A omissão do poder público durante anos a esse movimento vai cobrar um preço caro: será preciso um esforço inédito para enfrentar de verdade essa chaga no meio da floresta. Não vai ser à base de um soldado para cada 72 quilômetros quadrados de área de fronteira que a guerra contra o crime será vencida.

ISFARCE - Flagrante: os botijões de gás escondiam tabletes de cocaína. Foto: Polícia Militar do Amazonas/Divulgação
Comentários
Acre
Cruzeiro do Sul perde seu maior construtor de escolas: morre aos 86 anos o ex-prefeito Pedro da Silva Negreiros
Ícone da educação e da redemocratização no Vale do Juruá, seu legado transformou gerações; velório ocorre na Câmara Municipal
A manhã deste domingo (13) entrou para a história de Cruzeiro do Sul com a partida de Pedro da Silva Negreiros, ex-prefeito que faleceu aos 86 anos vítima de parada cardíaca. Nascido em 20 de fevereiro de 1939 no Seringal Boa Vista, às margens do rio Paraná dos Mouras, Negreiros foi o arquiteto do maior projeto educacional do município nos anos 1980-90.
Da seringa à prefeitura: uma trajetória épica
Sua vida refletia a própria história do Acre:
- 1985: Assumiu como prefeito interino durante a transição democrática
- 1989-1992: Eleito pelo voto direto, transformou a educação municipal
- Legado: Construiu mais escolas que todos os antecessores juntos
“Meu pai acreditava que só a educação tira o seringueiro da invisibilidade”, emocionou-se a filha Maria Rosemere, secretária de Educação na gestão 2017-2020.
O homem por trás do cargo
Casado por 62 anos com a professora Carminha Silva Negreiros, deixou três filhos que seguiram seu exemplo no serviço público. Francisca das Chagas (Simone) lembra:
“Em casa, ele era o mesmo homem simples da roça – só trocava o facão pela caneta quando ia trabalhar”.
Repercussão e homenagens
O governador Gladson Cameli destacou: “Deixa um legado de amor e trabalho que marcará para sempre nossa história”. A prefeitura de Cruzeiro do Sul decretou luto oficial de três dias, enquanto a Câmara Municipal prepara sessão solene póstuma.
Últimas informações:
Velório: Câmara Municipal de Cruzeiro do Sul a partir das 14h
Sepultamento: Segunda-feira (14), no Cemitério Municipal
Homenagem Permanente: Biblioteca Municipal será rebatizada em sua memória
O Legado de Negreiros em Números
18 escolas construídas em sua gestão
72% aumento no IDEB municipal entre 1989-1992
1º prefeito a equipar todas as unidades com merenda escolar
Último gestor nascido em seringal a comandar a cidade
O governador Gladson Cameli se manifestou nas redes sociais com uma mensagem de pesar:
“Recebi com tristeza a partida do senhor Pedro da Silva Negreiros, ex-prefeito de Cruzeiro do Sul, homem simples, de coração generoso e profundamente comprometido com sua terra e seu povo. Deixa um legado de amor, trabalho e dedicação que marcará para sempre nossa história. Minha solidariedade à dona Carminha e filhos.”
A cidade perde não apenas um ex-prefeito, mas um de seus filhos mais ilustres, homem de fala mansa, convicções firmes e uma vida dedicada ao bem comum.
Você precisa fazer login para comentar.