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Brasiléia participa de projeto que fortalece governança ambiental em cidades amazônicas

Por Luis Filipe Santos

Um projeto desenvolvido por ministérios dos governos do Brasil e da Alemanha visa fortalecer a governança ambiental em cidades localizadas na Amazônia Legal por meio de uma série de mentorias.

A iniciativa, batizada de Apoio à Agenda Nacional de Desenvolvimento Sustentável no Brasil (ANDUs), quer tornar as cidades mais preparadas para lidar com as mudanças climáticas e melhorar a qualidade de vida da população, além de criar uma coalizão de municípios em que as experiências ajudem nos desafios uns dos outros e de uma rede de financiadores dispostos a auxiliar na obtenção de recursos. Engenheiros, arquitetos, geólogos e outros funcionários públicos de cada prefeitura participaram das mentorias.

As cidades participantes foram Belém (PA), Palmas (TO), Porto Velho (RO), Itapecuru Mirim (MA) e Brasileia (AC). Entre os ofertantes do projeto, estão o Ministério das Cidades (MCid), o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) e o Ministério Federal da Economia e Ação Climática (BMWK) da Alemanha, por meio do Deutsche Gesellschaft für Internationale Zusammenarbeit (GIZ).

A iniciativa passou aos municípios um panorama completo de quatro possíveis ferramentas para melhorar o ordenamento territorial e o uso do solo: o plano diretor, o zoneamento ambiental municipal, a regularização fundiária e o Cadastro Territorial Multifinalitário. As mentorias foram elaboradas e transmitidas com o apoio das consultorias Tewá 225 e Travessias Políticas Públicas e da Frente Nacional de Prefeitos e Prefeitas (FNP).

O plano diretor foi a escolha das duas cidades menores, Brasileia e Itapecuru Mirim, que estavam com o documento defasado, já tendo passado a data limite para revisão. O documento orienta a ocupação do solo para as próximas décadas em cada município e é bastante abrangente, devendo ser discutido com a sociedade por meio de audiências públicas.

O zoneamento ambiental municipal, escolha de Palmas, visa identificar vulnerabilidades e garantir a proteção dos recursos naturais existentes na cidade, apoiando projetos públicos e privados. O cadastro territorial multifinalitário, que será feito por Porto Velho, visa estudar a topografia e outros aspectos da área do município, para basear estudos e decisões. Por fim, a regularização fundiária, visada por Belém, procura integrar assentamentos irregulares ao tecido urbano da cidade.

Projeto
O projeto ANDUs existe desde 2018, mas o ciclo de mentorias passou a ser realizado a partir de 2023. As cidades se candidataram e já escolheram qual ferramenta pretendiam utilizar. Na sequência, começou a transmissão de conteúdo sobre as ferramentas, além de temas como as mudanças climáticas, financiamento para as alterações necessárias e a participação popular, e encontros presenciais dos realizadores para conhecer as realidades locais.

Na sequência, uma proposta de utilização da ferramenta tinha que ser submetida. As entidades avaliaram, fizeram correções e escolheram uma para ser acompanhada mais de perto na terceira e última fase? a “vencedora” foi a de Itapecuru Mirim.

Além das mentorias, o projeto também tenta fortalecer a troca de experiências entre as cidades e o contato com possíveis parceiros técnicos e financiadores, para tirar os projetos do papel. A indicação também é que cada município promova uma ampla discussão com a população sobre a aplicação da ferramenta, ouvindo também comunidades tradicionais, como forma de garantir o sucesso e a resiliência do projeto.

Governança ambiental
O conceito de governança ambiental engloba muitas áreas presentes no cotidiano das pessoas. Questões como descarte de lixo, poluição do ar, áreas onde moradias podem ser construídas e enchentes estão dentro do tema, além de como se adaptar a problemas trazidos pelas mudanças climáticas? um exemplo é o calor excessivo.

Brasileia, por exemplo, pode ter que mudar de local para evitar enchentes, e representantes de várias cidades citaram a tragédia no Rio Grande do Sul como um alerta de que será preciso agir para não ficar na mesma situação com os corpos de água que cruzam seus territórios.

Para tal, a coleta de informações sobre o próprio município e o conhecimento de políticas públicas adequadas se torna fundamental. “Muitas coisas precisam ser consideradas: onde há cada tipo de uso de solo, para onde cresce a cidade, como eu faço um saneamento ambiental, quais são as áreas verdes protegidas que são necessárias, quais são os serviços ecossistêmicos que a natureza oferece para a cidade. Tudo isso precisa ser conhecido”, cita Sarah Habersack, diretora de Transformação Urbana da GIZ.

O papel das cidades para as mudanças climáticas também precisa ser ressaltado. “Entendemos que as cidades também precisam fazer parte da discussão, é importante lembrar que se retirarmos o desmatamento da conta de emissão de gases de efeito estufa, as cidades aparecem com maiores emissoras. Nos municípios, a governança ambiental é crucial, pois muitas questões ambientais têm impactos locais diretos”, diz Daniel Miranda, coordenador de Relações Institucionais e Projetos da FNP.

Ao Estadão o Ministério do Meio Ambiente reforçou a importância da governança ambiental para a vida dos brasileiros, além de destacar ações como a apoio à Rede para Desenvolvimento Urbano Sustentável (ReDUS) e o futuro lançamento de um mecanismo de incentivo para a construção sustentável, com a capacitação de 15 a 30 municípios no tema, e a prestação de assessoria técnica para até cinco cidades nos próximos seis meses.

“Uma infraestrutura bem planejada pode mitigar os riscos associados a secas, enchentes e outros eventos climáticos extremos. Uma coordenação entre políticas públicas, conscientização comunitária e investimentos em tecnologia é crucial para abordar os desafios climáticos de forma eficaz nos ambientes urbano e rural”, reforça Maurício Guerra, Diretor de Meio Ambiente Urbano na Secretaria Nacional de Meio Ambiente Urbano e Qualidade Ambiental do MMA.

Confira com mais detalhes sobre o projeto de cada cidade

Brasileia
Fortemente atingida por enchentes em fevereiro de 2024, Brasileia decidiu atualizar o plano diretor, também bastante defasado, com auxílio das mentorias. “Durante o projeto, focamos principalmente em questões relacionadas à ocupação de áreas de risco e aos loteamentos clandestinos. Também foram abordados problemas como a infraestrutura urbana vulnerável, segurança alimentar em áreas afetadas por secas e queimadas, e a necessidade de políticas eficazes de ordenamento territorial”, comenta Felipe Braga, consultor em Tributos e Regularização Fundiária de Brasileia.

A cidade considera mudar o local do distrito sede para evitar novas enchentes, mas ainda não há uma definição sobre o local para onde poderá ser feita essa expansão. Segundo Braga, as próximas ações serão a definição de estratégias de implementação detalhadas, mobilização de recursos, capacitação de servidores públicos e a sensibilização da comunidade sobre a importância do Plano Diretor. Espera-se que os primeiros resultados sejam visíveis para a população em um prazo de um a dois anos após o início da implementação.

Belém
A capital do Pará tem um programa voltado à regularização fundiária desde 2019, e viu a chance de encontrar maior expertise no tema com o projeto ANDUs. “A principais partes que foram postas em prática no município foi quanto a inclusão da temática climática nos projetos de regularização fundiária e o aprofundamento no zoneamento ambiental urbano, aprendidos nos encontros”, conta Erica Pinheiro, coordenadora de Regularização Patrimonial da Companhia de Desenvolvimento e Administração da Área Metropolitana de Belém.

A segunda maior metrópole amazônica tem uma das maiores taxas de moradias em ocupação irregular do Brasil, cerca de 60%, por isso a regularização foi escolhida. Entre as dificuldades, estão a alta exigência de recursos e a necessidade de um acordo técnico com a Marinha, dona de algumas áreas. O acordo ainda está sendo feito. “Buscamos minimizar os impactos das ocupações irregulares, proporcionando melhorias na qualidade de vida e permitindo que os locais tenham a possibilidade de receber investimentos de infraestrutura e oferecendo segurança jurídica aos ocupantes”, relata Pinheiro.

Porto Velho
Na capital de Rondônia, a escolha do cadastro territorial multifinalitário foi utilizada como um complemento ao plano diretor, que está em implantação. Para Porto Velho, uma das cidades com maior extensão territorial do Brasil, as informações topográficas se tornam fundamentais, assim como o conhecimento sobre comunidades às margens do rio Madeira, que corta a cidade.

As informações facilitarão o fornecimento de serviços por parte de diversas secretarias, como de saúde e assistência social, mas também devem ficar disponíveis facilmente para os moradores. “O benefício para a população vai ser a veracidade e velocidade das informações, o que também visa tornar o município mais atrativo comercialmente, ao trazer uma informação mais real do lote ou da via. Para os técnicos, vai ter mais celeridade”, projeta Raísa Tavares Tomaz, subsecretária de Planejamento de Porto Velho.

Palmas
Fundada em 1989 e construída de forma planejada, Palmas não ficou imune a problemas como alagamentos, avanço da fronteira agrícola e secas. Ao escolher o Zoneamento Ambiental Municipal , visa definir áreas de preservação e conseguir mais informações, que poderão ser aproveitadas em processos de licenciamento. A prefeitura da capital tocantinense estima que o documento deve ficar pronto em um ano e meio para ser aprovado na câmara de vereadores.

“O ZAM permitirá a criação de zonas com maior proteção ambiental próximas às regiões que produzem frutas e hortaliças para abastecimento público. Buscaremos garantir a disponibilidade hídrica em anos com pouca ou má distribuição do regime de chuvas; e a criação de zonas de recuperação e reflorestamento próximas às áreas com maior densidade populacional e menor renda, buscando o conforto térmico para a população que reside no local”, prevê Marco Vinicius Cardoso, geólogo da prefeitura de Palmas.

Os próximos passos serão a criação de um grupo de trabalho com funcionários de diferentes secretarias e de um comitê participativo com técnicos de organizações externas, como o governo do Tocantins, do Ministério Público, de instituições de ensino superior, dos conselhos de Classe e da sociedade civil organizada.

Itapecuru Mirim
A cidade maranhense de 60 mil habitantes viu no ciclo de mentorias uma oportunidade de atualizar o plano diretor com acompanhamento técnico adequado sem gastos, já que é um município pobre. O plano anterior era de 2006 e estava defasado. O intento foi realizado ao conquistar o acompanhamento prolongado. “Estamos muito alegres com isso, é uma assessoria que qualquer município brasileiro gostaria de ter. Vamos trabalhar muito para extrair dessa assessoria tudo que pudermos, e formular o melhor trabalho possível, que possa ser referência entre os municípios”, anima-se o prefeito Benedito Coroba.

Entre as questões a serem resolvidas, estão as enchentes do rio Itapecuru e o calor excessivo, para os quais formas de mitigação e adaptação precisarão ser encontradas. “Vamos colocar em prática o termo de referência elaborado pela comissão técnica numa das etapas com ajuda da consultoria. E, claro, seguir aquilo que está sendo sugerido, todos os passos técnicos”, garante Coroba. Segundo o mandatário, a intenção é concluir o plano o mais rápido possível, mas não depende apenas da prefeitura.

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Assessoria