Sumiço de jornalista inglês e indigenista na Amazônia: o que se sabe sobre o caso

16.nov.2019 – O jornalista Dom Phillips (c) conversa com indígenas da aldeia Maloca Papiú, no Roraima Imagem: JOAO LAET/AFP

As buscas pelo jornalista inglês Dom Phillips, colaborador do jornal “The Guardian” e o indigenista Bruno Araújo Pereira, servidor licenciado da Funai (Fundação Nacional do Índio), desaparecidos desde o último domingo (5), continuam na região do Vale do Javari, na Amazônia.

A equipe de busca e salvamento formada por sete militares da Capitania Fluvial de Tabatinga (AM), do 9º Distrito Naval, já está na região do desaparecimento usando uma lancha para vasculhar os rios do interior do Amazonas, segundo a Marinha.

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As ações começaram ontem à tarde nos rios Javari, Itaquaí e Ituí e foram reforçadas na manhã de hoje com um helicóptero do 1° Esquadrão de Emprego Geral do Noroeste, de duas embarcações e de uma moto aquática. O governo do Amazonas também montou uma força-tarefa para apoiar as buscas.

Por onde eles passaram

Bruno e Dom foram vistos pela última vez por volta das 7h de domingo a bordo de um barco e sumiram no trajeto entre a comunidade ribeirinha São Rafael e a cidade de Atalaia do Norte (AM), onde eram aguardados por duas pessoas ligadas à Univaja (Organização Representativa da terra indígena do Vale do Javari).

Segundo a Univaja, a dupla foi visitar uma equipe de vigilância indígena perto do lago do Jaburu, nas imediações da base da Funai no rio Ituí, para que o jornalista pudesse entrevistar indígenas que vivem no local. As entrevistas foram feitas na última sexta-feira (3) e, na volta, eles pararam em São Rafael, onde Bruno teria uma reunião com o líder comunitário “Churrasco” —ele teria se reunido com a mulher do líder comunitário, já que ele não estava.

De lá, os dois partiram em uma embarcação para Atalaia do Norte. Após um atraso de mais de duas horas na chegada da dupla, as buscas começaram.

Bruno trabalhava com ribeirinhos e indígenas da região, afetada pela ação de invasores. Segundo testemunhas, sofria ameaças constantes de garimpeiros, madeireiros e pescadores que atuavam em terras indígenas e, por isso, a falta de contato após um dos deslocamentos é vista com bastante preocupação.

Em carta reproduzida pelo jornal O Globo, pescadores prometeram “acertar contas” com o indigenista.

O MPF (Ministério Público Federal), que abriu investigação do caso, acionou Polícia Federal, Polícia Civil, Força Nacional e Frente de Proteção Etnoambiental do Vale do Javari. A PF confirmou que ouviu duas testemunhas que tiveram contato recente com os desaparecidos.

Quem são os desaparecidos

Segundo a Univaja, Bruno é um “experiente e profundo conhecedor da região, pois foi coordenador regional da Funai de Atalaia do Norte por anos”. A Funai confirmou que ele é servidor, mas tirou uma licença e não estava no local pela fundação.

Ele tem três filhos, dois deles com a antropóloga Beatriz de Almeida Matos, sua companheira. “Ele precisa voltar para casa”, disse ela à Folha de S.Paulo. “Eu conheço bem a região, sei que podem acontecer vários acidentes. Mas estou apreensiva por causa das ameaças que ele sofria.”

Dom mora em Salvador (BA) e produz reportagens sobre o Brasil há mais de 15 anos para veículos como “Washington Post”, “New York Times” e “Financial Times”, além do “Guardian”. Atualmente ele está trabalhando num livro sobre meio ambiente com apoio da Fundação Alicia Patterson.

Dom e Bruno já haviam percorrido a região em 2018, quando o repórter inglês escreveu sobre as indígenas da Amazônia para o The Guardian.

Imagem: Arte/ UOL

Violência no Vale do Javari

O Vale do Javari tem a maior concentração de povos isolados no mundo e sofre há anos com ataques armados a postos de controle da Funai e invasões de caçadores ilegais. O local fica na fronteira com o Peru e a Colômbia, com acesso restrito por vias fluviais e aéreas.

Um outro agente federal foi assassinado ali e um posto da Funai que busca controlar o acesso ao território foi alvo de oito ataques armados.

A região é palco de conflitos decorrentes da invasão às terras indígenas. “Tem questões envolvendo o narcotráfico, a atividade de madeireira, de pesca ilegal e garimpo, e a organização indígena está nesse enfrentamento contra a invasão das terras”, relatou Fabio Ribeiro, coordenador-executivo do OPI (Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato).

A Terra Indígena Vale do Javari é a segunda maior do Brasil com 8,5 milhões de hectares demarcados. Ali estão os povos Marubo, Matís, Mayoruna, Kanamari, Kulina e os de recente contato Tyohom Djapá e Korubo. Há ainda outros dez subgrupos isolados confirmados e mais quatro em estudo.

Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o desaparecimento “expõe a fragilidade das ações de fiscalização e segurança” numa região que viveu um crescimento de 9,2% na violência letal entre 2018 e 2020 decorrente da disputa entre facções criminosas somada aos crimes ambientais.

Repercussão

A irmã do jornalista Dom Phillips fez um apelo para que autoridades brasileiras façam “todo o possível” para achar o irmão e o indigenista Bruno Pereira. “Ele ama o país e se importa profundamente com a Floresta Amazônica e seu povo. Sabíamos que era um lugar perigoso, mas Dom realmente acreditava que é possível proteger a natureza e a vida dos indígenas”, afirmou Sian Phillips.

O apelo foi reforçado por Maria Laura Canineu, diretora do escritório da HumanRights Watch no Brasil. “É extremamente importante que as autoridades brasileiras dediquem todos os recursos disponíveis e necessários para a realização imediata das buscas, a fim de garantir, o quanto antes, a segurança dos dois.”

“A expectativa dos amigos dele é que as autoridades cumpram o papel delas, para realmente montar uma busca séria na região. A gente entende que é uma região remota, com desafios grandes, em uma área imensa e com pouco acesso. Mas quem tem capacidade de fazer essa busca são as autoridades”, comentou Tom Hennigan, correspondente do Irish Times e amigo de Dom Philips, ao UOL News.

“Falando com organizações indígenas da região, ontem, eles falaram que, se eles estão nas mãos de pistoleiros ou garimpeiros, realmente uma pressão do estado, mostrando que isso não pode acontecer, é a melhor maneira de conseguir o retorno deles”, completou.

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UOL