Há dez anos, o UFC fazia sua primeira luta feminina. Surgiu a supercampeã brasileira Amanda Nunes. Com velocidade, potência, precisão e contundência incríveis. Dona de dois cinturões, se aposentou ontem para ser mãe
Foi a despedida mais humana da história do UFC.
Aos 35 anos, ainda em excepcional condição atlética, depois de uma massacrante vitória contra a mexicana Irene Aldana, em Vancouver, no Canadá, ela decidiu tornar o UFC 289 histórico.
A melhor lutadora de todos os tempos surpreendeu a todos.
Colocou os dois cinturões de que era dona, o dos galos e dos penas, sobre o octógono. Entre eles, suas luvas. Se agachou, beijou cada um dos cinturões e quando chegou às luvas, desabou em um profundo choro.
Amanda Nunes, que adora o apelido Leoa, decidiu se aposentar do octógono.
Pelo mais nobre dos motivos.
Ela decidiu ser mãe.
E sabe muito bem que o processo de ter um filho, e depois se recuperar para voltar a lutar, deveria consumir pelo menos dois anos. Sem a menor garantia de que conseguiria atingir o fabuloso nível atlético, de competição, de se submeter a toda a violência do MMA moderno, cada vez mais exigente.
Exporia sua história, sua carreira excepcional, à toa, aos 37 anos.
A baiana de Pojuca já está milionária com suas 28 lutas no MMA.
É dona de sua própria academia nos Estados Unidos.
Fará lá sua moradia.
Ao lado da esposa, a ex-lutadora Nina Ansaroff, e a filha, Raegan.
Tomou a decisão totalmente consciente.
“Hoje eu empato o recorde do Anderson Silva [de defesas de cinturão] e é a noite perfeita para me aposentar e viver feliz para sempre. Minha mãe tem me pedido muito para fazer isso há algum tempo, ela não aguenta mais.
“A Nina [Nunes] também, ela passou por isso a carreira inteira. Ainda sou jovem para desfrutar tudo que construí. Preciso passar mais tempo com minha família no Brasil.
“Quando me tornei campeã dupla foi inacreditável. Eu venho de uma cidade pequena no Brasil, Pojuca, que ninguém sabe onde fica.
Lutadores brasileiros, arrumem suas coisas e venham para cá. Venham conquistar mais títulos!”
Sim, porque sem Amanda, não há nenhum brasileiro dono de cinturão no UFC.
Nenhum.
O que é muito representativo.
Além de ter um filho, Amanda tem outro desejo. O de formar uma campeã.
“Tenho algumas meninas na academia e queria ajudá-las, tenho muito a oferecer, como dupla campeã eu sei muito.
“Nós trabalhamos juntos, eu queria fazer uma menina campeã também. Se eu trabalhar com uma menina, posso fazer ela campeã, sei tudo desse jogo, mental, estratégia. Vamos fazer um time forte no futuro, mas agora vou tirar um tempo, curtir minha família.”
A sua última luta foi contra Irene Aldana, que era quinta no ranking dos galo. O mundo, inclusive Amanda, queriam o tira-teima com Julianna Peña, que a havia vencido, de forma surpreendente, mas perdeu a revanche para a brasileira. Só que uma contusão da mexicana afastou o desejado combate.
Contra a também perigosa Aldana, Amanda deu um show de despedida. Mostrou todos os seus recursos, chutes frontais, baixos, jabs inacreditavelmente rápidos e violentos, cruzados, cotoveladas, quedas. Não insistiu nas imobilizações mais do que possíveis.
Ela fez questão de desfrutar os cinco rounds, não queria terminar a luta antes. Dosou o ritmo do combate para aproveitar cada segundo dos 25 minutos.
Venceu, por unanimidade, como queria. Ganhando todos os cinco rounds.
A importância de Amanda Nunes é gigantesca para o UFC feminino.
Ela realmente trouxe toda a contundência dos golpes do MMA para aqueles fãs iludidos com a beleza e as simples chaves de braço da linda Ronda Rousey, mostrou toda a limitação da campeã dos galos Miesha Tate, bateu duas vezes na também belíssima e talentosa Valentina Shevchenko, que fugiu para o peso-mosca, por causa da baiana.
Amanda arrasou no grande duelo entre as melhores lutadoras de MMA do Brasil.
Em 51 segundos nocauteou Cris Cyborg, que teve de mudar de evento, passou a lutar no Bellator, para voltar a ser campeã.
O octógono era da Leoa.
Outra vitória consagradora foi sobre Holly Holm, supercampeã de kickboxing. Um nocaute inesquecível, violentíssimo.
Amanda foi acumulando vitórias. Tornou-se absoluta nos cinturões galo e pena.
Primeira e única mulher a conseguir esse feito.
Amanda sentiu quanto é difícil manter família, com criança nova, e não se preparou bem para o primeiro combate com Julianna Pena. Perdeu por imobilização na noite de 11 de dezembro de 2021.
Ela jurou que voltaria diferente.
Fez o camping (treinamento) afastada da esposa e da filha.
E voltou fulminante na revanche contra Julianna, retomando o cinturão dos galos.
Ontem deveria ser a terceira luta entre elas, mas uma lesão da americana, descendente de venezuelanos, evitou o combate que Amanda tanto queria.
E se aproveitou da superioridade sobre Aldana. Para mostrar quem é, e deu seu adeus.
O que é excepcional para o UFC, abrindo duas categorias para lutadoras que sabiam estar muito abaixo do nível de Amanda. Mesmo Pena.
A história de Amanda é de enorme superação. Talento reconhecido. E coragem para se aventurar nos Estados Unidos.
A despedida dela do octógono marca o fim de uma era.
Da maior lutadora da história do UFC, do MMA no mundo.
Da mulher que mostrou toda a técnica apurada do jiu-jítsu, com a técnica desenvolvida do boxe, do kickboxing. Misturando velocidade e contundência.
Levou o nível de combate das mulheres para outro patamar.
Inacreditável lembrar que a primeira luta feminina no UFC foi apenas em 1993.
Antes, só os homens lutavam.
Dez anos depois, o mundo se despede de uma campeã espetacular.
Que vai para o hall da fama com todos os méritos.
A mais competente lutadora de todos os tempos.
A baiana de Pojuca, Amanda Nunes.
Os dois cinturões, ela já conseguiu.
Ela vai correr atrás de seu outro grande sonho.
Ser mãe…