Eduardo Leite defende que o PSDB busque unir forças com outras agremiações partidárias. Foto: Gustavo Mansur/Gov. RS Palácio Piratini
O PSDB caminha para fechar uma fusão com o Podemos. Tucanos ouvidos pelo Estadãoafirmam que a união com o partido comandado pela deputada federal Renata Abreu (SP) encontra consenso entre parlamentares, lideranças históricas e dirigentes.
Na última terça-feira (18), líderes dos dois partidos se reuniram no gabinete do deputado federal Aécio Neves (PSDB-MG), em Brasília, para tratar do assunto. Segundo tucanos que participaram da reunião, as conversas “avançaram muito”.
As tratativas com o Podemos ganharam força após o partido recuar de uma incorporação ao PSD, cujo resultado prático seria a extinção do PSDB enquanto legenda. Interlocutores do presidente nacional do PSDB, Marconi Perillo, tratavam a incorporação ao partido de Gilberto Kassabcomo certa, mas o dirigente precisou voltar atrás na última semana após forte resistência de tucanos históricos e de deputados federais, como o próprio Aécio.
Além de considerar a extinção da legenda um fim trágico demais para o PSDB, que um dia esteve à frente da Presidência da República, esse grupo responsável por colocar o bode na sala entendeu que o PSD não cedeu o suficiente nas negociações. Kassab teria resistido a adotar bandeiras programáticas do PSDB ou a garantir espaço aos tucanos na executiva.
O recuo em relação à incorporação ao PSD deve levar à saída da governadora de Pernambuco, Raquel Lyra, que negocia filiação ao partido de Kassab para estar mais próxima do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). O governador do Mato Grosso do Sul, Eduardo Riedel, ainda avalia seu futuro, mas também tem simpatia pelo PSD.
Eduardo Leite, governador do Rio Grande do Sul, disse ao Estadão que a fusão com o Podemos é uma das possibilidades que precisa ser avaliada, tanto quanto a do PSD. Diferentemente de outros integrantes do partido, Leite não vê a incorporação ao PSD como carta fora do baralho.
“Os novos tempos da política brasileira e as mudanças do sistema político eleitoral, no que se refere à vida dos partidos políticos, exigem do PSDB a discussão de formação de um novo partido, somando forças com outras agremiações, para fortalecer um campo democrático e propositivo de caminho alternativo à polarização radicalizada que está aí”, afirma o governador.
O gaúcho ainda acrescenta: “É neste sentido que o diálogo ocorre, cientes de que o formato jurídico será ajustado – fusão ou incorporação – mas sem abrir mão do que é mais importante: a possibilidade real de participar das decisões e de compor um programa partidário com correspondência ao que idealizamos para o País.”
Questionado se está no horizonte deixar o partido, do qual é filiado há 25 anos, respondeu: “Quero ajudar o PSDB a construir o seu caminho antes de tomar a minha decisão individualmente”.
A fusão com o Podemos conta com o apoio das principais lideranças do partido, incluindo Marconi, Aécio, o deputado federal Beto Richa (PSDB-PR) e o ex-senador José Aníbal, atual presidente do diretório municipal de São Paulo. O nome do novo partido, em princípio, seria “PSDB-Podemos”.
“Estou confiante de que a fusão com o Podemos prospere e a gente consiga negociar a permanência da sigla”, afirma Aníbal, destacando que o Podemos tem “quadros de qualidade” pelo País, como a vereadora Ana Carolina Oliveira, eleita com a segunda maior votação da capital paulista em 2024. Já Beto Richa diz que “as conversas com o Podemos são as que mais avançaram”.
Segundo tucanos ouvidos pelo Estadão, embora alguns mandatários prefiram uma combinação com PSD ou MDB, o Podemos é a opção mais viável a curto prazo e a que mais agrada aos fundadores do partido, que não querem ver o partido desaparecer. A fusão, dizem os tucanos, garantiria fôlego para superar a cláusula de barreira na próxima eleição.
Líderes do Podemos afirmam que há “adesão” dentro do partido e destacam a afinidade programática e ideológica com o PSDB. Integrantes da legenda ressaltam que ambas as siglas sempre tiveram protagonismo no projeto nacional e que, nos estados, as divergências são pontuais.
Os pormenores da possível fusão ainda estão em fase de negociação, e um dos principais impasses é o comando do futuro partido—se ficará com Renata Abreu ou com um tucano, já que Marconi Perillo tem no horizonte a disputa pelo governo de Goiás.
Estudo encomendado pelo Podemos e obtido pelo Estadãoaponta que, em caso de fusão, o novo partido teria um Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) de cerca de R$ 380 milhões, tornando-se o sétimo maior do País, à frente do Republicanos. Já o fundo partidário chegaria a R$ 90 milhões, ocupando a quinta posição entre as legendas e superando PSD, Republicanos e MDB.
A pesquisa também revela que a fusão entre Podemos e PSDB formaria a quinta maior força partidária nas Câmaras Municipais. Em número de prefeitos, a nova sigla contaria com 400 chefes de Executivo e ultrapassaria PT, PSB e PDT. Em população, isso dá 16 milhões de brasileiros governadores. No Congresso, se não houver desfiliações, o partido teria uma bancada de 30 deputados e 7 senadores.
A fusão com o Podemos também é vista com bons olhos no PSDB porque o partido de Renata Abreu sinaliza abertura para lançar uma candidatura própria à Presidência em 2026, algo que converge com a intenção do governador Eduardo Leite de entrar na disputa. Ao mesmo tempo, o Podemos não está fortemente alinhado nem ao governo Lula nem ao bolsonarismo, permitindo que a nova legenda se posicione como uma alternativa à polarização, como o PSDB prega.
Em entrevista ao Estadãona semana passada, Aécio disse que o partido teve conversas “muito animadoras” com o Podemos, que considera um partido “complementar” ao PSDB e que “demonstra disposição” em dar musculatura ao projeto de centro. “É uma alternativa que pessoalmente vejo com simpatia”, disse ele, na ocasião.
Líderes tucanos veem a fusão com o Podemos como um primeiro passo para a recuperação do PSDB, dando mais força ao partido para, no futuro, negociar com siglas maiores como PSD ou MDB. O cenário ideal seria uma fusão ainda maior, incluindo Solidariedade e Cidadania, criando um superpartido, mas as negociações são mais complexas.
A Executiva Nacional do Cidadania, inclusive, decidiu não renovar a federação com o PSDB, como noticiou a Coluna do Estadão nesta quarta-feira, 19. A decisão ainda será submetida à avaliação do Diretório Nacional. Uma das principais queixas é que o partido perdeu espaço na federação, já que o PSDB conseguiu se sobrepor.
Além do Podemos, o PSDB mantém conversas com o MDB. Na quinta-feira, 20, o presidente do MDB, deputado federal Baleia Rossi (SP), e o ex-presidente Michel Temer (MDB) se reuniram com Aécio para tratar da retomada do casamento entre os dois partidos. Nos bastidores, porém, dirigentes avaliam que um acordo é improvável.
Segundo o advogado eleitoralista Michel Bertoni, a fusão acontece quando duas ou mais siglas se unem para formar um novo partido. Nesse processo, elas elaboram um novo estatuto e programa partidário, que precisam da aprovação de seus órgãos de direção nacional. Em seguida, elegem uma nova direção, responsável pelo registro da nova legenda.
“A incorporação é diferente. O partido a ser incorporado decide, por meio de seu órgão nacional, adotar o estatuto e o programa do partido incorporador. Em seguida, ocorre uma reunião conjunta entre ambas as siglas para selar a união e eleger um novo órgão de direção nacional. Com isso, o partido incorporado deixa de existir, enquanto o partido incorporador permanece”, explica o especialista.
Na fusão, diz Bertoni, surge uma nova legenda, cujo nome é escolhido pelas siglas envolvidas. No caso de PSDB e Podemos, por exemplo, a nova legenda pode adotar uma identidade própria, mas também pode manter uma combinação dos nomes atuais, como PSDB-Podemos, possibilidade já em discussão.
O risco da fusão é por uma eventual debandada. Bertoni cita que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) consolidou jurisprudência nos anos de 2022 e 2023 no sentido de que a fusão entre partidos políticos caracteriza mudança substancial do programa partidário e, consequentemente, justa causa a permitir a desfiliação de parlamentares, sem perda de mandato de vereadores e deputados.