Por que a alta do dólar no Brasil é pior até do que na Argentina?

Desde o início de janeiro, o dólar ficou 40% mais caro para os brasileiros, enquanto a alta para os argentinos foi de 29%. O dólar fechou a quarta-feira (7) cotado a R$ 5,62 no Brasil.

Mural com notas de dinheiro de diferentes países: real é uma das moedas que mais se desvalorizaram neste ano

Juliana Elias, do CNN Brasil Business, em São Paulo

Completando o terceiro ano seguido de recessão profunda, com uma inflação na casa dos 40% ao ano, com o caixa em dólar das reservas internacionais quase esgotado e tendo aberto a nona moratória da dívida em sua história, a Argentina está de volta já há algum tempo a um pódio que, vira e mexe, ela ocupa: o das economias mais desarranjadas da América Latina.

Ainda assim, nem mesmo o peso argentino perdeu tanto valor em relação ao dólar neste ano quanto o real, do Brasil. Desde o início de janeiro, o dólar ficou 40% mais caro para os brasileiros, enquanto a alta para os argentinos foi de 29%. O dólar fechou a quarta-feira (7) cotado a R$ 5,62 no Brasil.

O resultado é que até o peso da Argentina acabou ficando mais caro para os brasileiros após o choque da pandemia: no começo do ano, R$ 1 comprava 14,90 pesos e, agora, compra 13,70, ou 7,7% menos.

O Brasil tem lá o seus problemas. A dívida pública vai saltar para perto de 100% do PIB neste ano, o que é alto em comparação a outros emergentes, e isto, junto de um discurso do governo cada vez mais afeito a seguir aumentando os gastos depois da pandemia, tem dado arrepios nos investidores.

O medo é de que a dívida saia do controle e os juros, hoje muito baixos, tenham que subir muito mais que o esperado depois, o que atrapalha as aplicações de todos que já tenham algum dinheiro em títulos públicos no país.

Ainda assim, o pior cenário – o de não pagar a dívida, que virou realidade na Argentina, de novo, em maio – segue completamente fora do horizonte brasileiro. E por que, ainda assim, tem menos investidor levando dólar embora da Argentina do que do Brasil?

Câmbio paralelo está bem pior

Daniel Delabio, sócio e gestor da Exploritas, casa especializada em fundos que investem em países latinos, lembra que há uma explicação importante para essa diferença: o governo argentino tem vários mecanismos de controle sobre o câmbio e a cotação oficial conta só uma parte da história.

“No câmbio paralelo a alta é muito maior, a cotação dobrou”, diz Delabio. “O país tem um controle de capital muito forte, há limites para comprar dólar e está cada vez mais difícil encontrar a moeda nos canais do governo. É no câmbio paralelo que as pessoas conseguem negociar.”

No câmbio paralelo – ou “dólar blue”, como é chamado no país – a cotação para US$ 1 saiu de 75 pesos no começo do ano para 151 pesos nesta semana. É uma alta de 101%. Ou seja: bem mais que o aumento de 29% da cotação oficial do peso e até do que os 40% de alta no Brasil.

Na Argentina, há atualmente um limite máximo de US$ 200 (R$ 1.118) que as pessoas podem trocar por mês nos canais do governo. O teto, já usada em outros momentos, foi implantado em 2019, ainda durante o governo de Mauricio Macri, como forma de estancar a sangria de dólares do caixa do Banco Central.

Neste ano, já sob a gestão de Alberto Fernández, as regras foram ainda mais endurecidas, com mais restrições nas operações em dólar tanto para as pessoas quanto para as empresas.

Os argentinos têm o hábito histórico de manter dólares em casa para se proteger duplamente das altas de preços e da perda recorrente de valor de sua moeda frente às outras. Boa parte da dívida pública e também das empresas é também na moeda estrangeira.

Com os limites de compra que o governo impôs, e com a alta demanda pela moeda de proteção em meio à derrocada da economia pós-pandemia, a cota oficial ficou bem longe do suficiente, e a corrida pelos dólares do mercado paralelo disparou.

Por isso o preço por ele sai bem mais caro. A cotação oficial de US$ 1 está em 77 pesos, contra os 151 necessários pelo mesmo valor no “dólar blue”.

Argentina saindo do pior e Brasil piorando

O economista Gesner Oliveira, sócio da consultoria GO Associados, destaca os momentos diferentes em que estão as economias do Brasil e da Argentina, o que se reflete nas tendências do câmbio em cada país.

“Do ponto de vista teórico, a situação econômica da Argentina é bem pior, mas boa parte da explicação se deve ao ponto de partida”, disse. “A Argentina já vinha de uma crise muito grave desde bem antes da pandemia.”

Por essa razão, a moeda do país já vem perdendo valor para o dólar há muito tempo. No início de 2018, quando começou a recessão do país que até agora não acabou, comprar US$ 1 custava apenas 18 pesos. O aumento até os 77 da cotação atual é de 314%, ou mais que o quádruplo.

No Brasil, comprar US$ 1 custava R$ 3,30 à época: a alta total foi de 69% de lá para cá. Quer dizer, não necessariamente o real perdeu mais valor que o peso; foi o peso que começou a perder valor antes.

Além disso, Oliveira também destaca as tendências inversas na percepção dos investidores em relação a cada país, mesmo que a partir de patamares diferentes. “A Argentina fez uma renegociação da dívida em 2020 e os credores aceitaram alongar os prazos de pagamento. Com isso, as expectativas, que eram péssimas, ficaram um pouco melhores”, diz.

“No Brasil acontece o contrário. Antes da pandemia a economia começava a dar sinais de aceleração e as expectativas eram otimistas. Agora, a percepção é de que o reequilíbrio das contas públicas está comprometido, e as perspectivas estão ficando piores.”

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Publicado por
Marcus José