Pelo 3º ano seguido, representante do Acre no The Voice Brasil sai do Conservatório de Música do Juruá

Arhur Marçal tem 13 anos e participar do The Voice Kids — Foto: Arquivo pessoal

Por Tácita Muniz, g1 AC — Rio Branco

Foi interpretando a ópera Nessum Dorma, música eternizada na voz de Pavarotti, que Arthur Marçal, de 13 anos, da cidade de Cruzeiro do Sul emocionou os jurados do The Voice Kids nesse domingo (1). Com sua voz, ele conseguiu que as três cadeiras virassem.

Em sua apresentação, ele diz que saiu de Cruzeiro do Sul. Ele é aluno do vice campeão do The Voice, o também cruzeirense Gustavo Matias. Mas, as coincidências não para por aí. Arthur também é mais um talento revelado do Conservatório Musical do Juruá no interior do Acre.

“Venho do meio da floresta de Cruzeiro do Sul, no Acre”, diz.

Arthur entrou no conservatório em 2018 e aos poucos foi perdendo a vergonha e soltando a voz com o apoio da equipe do local. Com a participação do adolescente, o conservatório emplaca três participantes no programa por três anos seguidos.

No ano de 2020, a aluna Lóren Medeiros participou do The Voice Kids e, no ano seguinte, o professor de canto Gustavo Matias se inscreveu no reality e chegou até a final do programa, ficando como vice campeão do The Voice Brasil.

“A pergunta que não quer calar: qual o segredo do Conservatório Musical de Cruzeiro do Sul ? A resposta, basicamente, se resume em dois pilares: Deus e muita mão na massa. Deus se manifesta através do surgimento dos talentos de cada aluno cruzeirense que até então eram desconhecidos, bem como através da busca de confiança em si próprios. Em segundo lugar, muito trabalho, muita dedicação, muita disciplina e muito amor por parte dos alunos e dos professores”, diz o promotor que encabeça o projeto.

Conservatório do Juruá já mandou três participantes para o The Voice — Foto: Arquivo pessoal

Mais sobre o projeto

 

g1 já contou a história desse projeto, que começou a nascer em 2015 por meio da inquietação do promotor de Justiça Iverson Bueno, que atua no Juruá há 12 anos. Ele conta que ao chegar na cidade percebeu que os jovens tinham poucas opções de cultura e teve a ideia, por iniciativa própria, de criar um projeto voltado para ajudar crianças e adolescentes em vulnerabilidade social.

Então, no ano seguinte, em 2016, nasceu o projeto “Musicalizando Pessoas com Amor e Carinho”. Logo de início, Bueno chegou a tirar dinheiro do próprio bolso para comprar os instrumentos e materiais necessários para a reforma do espaço que antes era do Educandário, mas que estava abandonado, e foi cedido ao projeto pelo Educandário por 20 anos.

O Educandário que é o grande parceiro do MP-AC neste projeto e também acolhe crianças, um trabalho coordenado por Rinauro Lima. Antes, acolhia filhos de pais com hanseníase e hoje acolhe crianças de pais que precisam trabalhar e deixam os filhos lá durante o dia.

Com o espaço que conseguiu indo em busca de ajuda, o promotor também contou com o apoio da banda do Exército, pelo Comando de Fronteira Juruá/ 61° Batalhão de Infantaria de Selva. A partir daí, foi muito trabalho e uma corrente de voluntários que se dedicava para que o projeto realmente criasse corpo. Não foi um trabalho fácil, mas, com a união de todos, aos poucos, foi avançando até conseguir mais recursos e chegar à estrutura atual.

“Na linha de frente, sempre fui eu como pessoa física. Depois que foi institucionalizado, o Ministério Público abraçou a causa, quando visitaram e conheceram nosso projeto”, conta o promotor ao revelar que, inclusive, o nome “Musicalizando Pessoas com Amor e Carinho” faz alusão justamente às iniciais do MP-AC.

Atualmente, o programa conta com o apoio também do Judiciário, Fundação Elias Mansour (FEM) e prefeitura de Cruzeiro do Sul. Ao todo, desde sua criação, mais de mil crianças já passaram pelo local – descobrindo seus dons musicais, conhecendo suas aptidões, mas, acima de tudo, sendo acolhidos.

rojeto atende crianças em vulnerabilidade social — Foto: Paulo Roberto Parente/Arquivo parente

‘Esse espaço é um refúgio’

 

A atmosfera do conservatório é de alento, suporte, acolhimento e, claro, arte. Porém, esse projeto não é apenas ensinar a arte da música, mas também da vida. Bueno diz que os jovens atendidos por eles vêm de uma realidade bastante dura, o que faz com que local seja um espaço de escuta.

“Música é 1% do que a gente faz aqui dentro, os outros 99% são filosofia de vida. Recebemos crianças, por exemplo, vítimas de violência doméstica. Então, a gente ajuda, conversa e entende esses problemas que eles passam e acabam usando esse espaço para se refugiar de problemas muito maiores que eles têm na vida”, destaca.

 

Devido à pandemia, hoje 300 jovens estão sendo atendidos pelo projeto em Cruzeiro do Sul, mas nos seis anos mais de mil já passaram pelo local. No conservatório, há aulas de diversos instrumentos, além de um coral e também outras artes. O desafio é sempre tentar fazer com que o jovem identifique seu dom e consiga desenvolvê-lo com a ajuda dos professores.

Hoje, os professores são remunerados, mas no início tudo era resultado de voluntariado. Inclusive, o lema do espaço é “O sentido da vida é ajudar o próximo”.

Por ter essa filosofia altruísta, foram definidas algumas regras para o ingresso dos jovens no projeto. É necessário ter de 10 a 17 anos e ter uma renda familiar total de até dois salários mínimos.

A ideia é fazer com que jovens consigam aprender algum instrumento musical e também serem acolhidos no espaço — Foto: Paulo Roberto/g1

“Estabeleci essas regras junto com os professores justamente porque não quero fugir da finalidade do projeto, que é ser social. Mas, a cidade inteira quer entrar lá, principalmente, os que têm condições de pagar. Eles dizem que concordam, mas que acham injusto porque queriam estar com a gente, fazer parte do movimento e viver essa magia que sentimos ao participar dele”, conta.

A única exceção, caso sobrem vagas, é para o coral porque, segundo o promotor, quanto mais gente no coral, melhor, e também porque é muito rotativo. O convite a esses jovens é feito, principalmente, nas escolas públicas da cidade, que é onde se concentra o público-alvo.

Hoje pode-se dizer que o conservatório é uma iniciativa público-privada, que conta com o apoio de todas as entidades já citadas. É um dos programas mais importantes do Ministério Público do estado, tendo projeção nacional.

“O que faz a coisa andar mesmo é o envolvimento das pessoas que colocaram a mão na massa. É uma doação, é uma entrega, não tem horário. A gente fica à noite, sábado e domingo e minha meta é manter ele como está em Cruzeiro do Sul e expandir esse projeto para as cidades de Porto Walter e Marechal Thaumaturgo”, planeja.

Essas são duas cidades isoladas que ficam na região do Juruá. Bueno diz que já começou a articular com algumas pessoas para conseguir alcançar esses jovens, já que nesses municípios não há muita estrutura e oportunidades, mas que guarda um potencial cultural importante.

“Estou tentando adquirir mais instrumentos para levar lá, onde é bastante carente de tudo, e meu sonho é ampliar o conservatório”, disse.

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Publicado por
G1 Acre