“Claro que envolve energia (na produção), mas quando olhamos para o ciclo de vida do combustível, poupar 90% é inacreditável. Por isso, sim, temos de utilizar energia, mas é muito menor em comparação com a produção de combustíveis fósseis”, acrescenta.
O tráfego aéreo responde por cerca de 2% das emissões globais de carbono, que contribuem para as mudanças climáticas.
Trata-se de uma pequena fração, mas ela cresce rapidamente.
E eliminar o carbono da aviação é um desafio considerável.
Aviões elétricos estão sendo desenvolvidos, por exemplo, por uma empresa em Cotswolds, na Inglaterra, que promete voos movidos a hidrogênio para pequenos grupos de passageiros até 2026.
Mas serão necessários anos, talvez décadas, até que as viagens aéreas em massa sejam alimentadas por tecnologias completamente novas.
Assim, encontrar formas novas e mais ecológicas de produzir querosene sem utilizar combustíveis fósseis virou uma “corrida do ouro” global.
Numa pequena fazenda em Gloucestershire, Hygate começou a transformar óleo de canola em “biodiesel” para automóveis e caminhões há 20 anos.
Sua empresa, a Firefly Green Fuels, hoje vende equipamentos para transformar óleo de cozinha em biodiesel e tem clientes em todo o mundo.
Ele, então, começou a buscar maneiras de produzir combustível verde para aviação.
Tentou usar óleos usados, resíduos de alimentos e restos agrícolas até chegar aos dejetos humanos.
Junto ao químico português Sergio Lima, da Universidade Imperial College de Londres, Hygate e sua equipe desenvolveram um processo que transforma fezes em energia.
Primeiro, eles criam o que chamam de “bio-bruto”. A substância tem aspecto similar a um óleo: espessa, preta, pegajosa.
Mas o mais importante é que ela se comporta quimicamente como o petróleo bruto.
Lima, que também é diretor de pesquisa da Firefly Green Fuels, afirmou: “O que estamos produzindo aqui é um combustível com zero impacto”.
Lima diz ter ficado muito feliz quando viu os resultados pela primeira vez.
“Isso é tão empolgante porque foi produzido a partir de uma matéria-prima sustentável, para a qual todos nós estamos contribuindo.”
O cientista mostrou seu laboratório, incluindo uma mini-versão das enormes colunas de destilação fracionada que existem nas refinarias de petróleo.
Seu protótipo faz a mesma coisa. O líquido é aquecido e depois os gases são destilados a temperaturas precisas para obter o “corte” certo para diferentes combustíveis.
Gota a gota, um novo líquido transparente é depositado nos tubos coletores.
“Este é o nosso biocombustível”, diz ele.
O bioquerosene está agora sendo testado de forma independente no Instituto DLR de Tecnologia de Combustão do Centro Aeroespacial Alemão, em colaboração com a Universidade Estadual de Washington, nos Estados Unidos.
Outros testes também serão realizados pela SAF Clearing House, com sede na Universidade de Sheffield, na Inglaterra.
Os primeiros resultados confirmaram que o combustível tem uma composição química quase idêntica ao combustível fóssil de aviação A1.
O Departamento de Transportes do Reino Unido concedeu à equipe uma bolsa de pesquisa de 2 milhões de libras (R$ 12,4 milhões).
Mas produzir querosene em tubos de ensaio de laboratório está muito longe de substituir o querosene nos aeroportos do mundo.
Hygate fez as contas. Cada ser humano, calcula ele, produz por ano dejetos suficientes para produzir 4-5 litros de biocombustível para aviação.
Para um voo só de ida de Londres para Nova Iorque seriam necessários os dejetos anuais de 10 mil pessoas. E o mesmo montante para voltar.
Ou seja, o total de esgoto produzido no Reino Unido satisfaria cerca de 5% da necessidade total de combustível de aviação do país.
Pode parecer pouco, mas ele insiste: “Isso é muito empolgante”.