O autor do disparo? Arnon de Mello, pai de Fernando Collor, que décadas depois se tornaria presidente da República e hoje cumpre prisão por corrupção. Foto: internet
Brasília, 4 de dezembro de 1963 — O plenário do Senado Federal testemunhou cenas inéditas em sua história quando um disparo de revólver interrompeu a sessão legislativa, transformando o templo da democracia em palco de um drama pessoal com consequências trágicas. Dois senadores alagoanos — Arnon de Mello (UDN) e Silvestre Péricles (PSD) — travaram um duelo armado que culminou na morte acidental do senador acreano Kairala José Kairala, atingido por um tiro disparado por Arnon.
O episódio, que parecia saído de um filme de western, era na verdade o ápice de meses de tensão entre os políticos alagoanos, cuja rivalidade extrapolara os limites do debate político. Testemunhas relataram que Arnon, pai do futuro presidente Fernando Collor, sacou seu revólver Colt 38 primeiro, errando o alvo original (Péricles) e atingindo Kairala, que assistia à discussão a cerca de 15 metros de distância.
Confronto armado entre senadores alagoanos termina com morte acidental de parlamentar acreano; episódio marcaria família que daria um presidente ao Brasil. Foto: internet
O caso — registrado como o primeiro e único homicídio ocorrido no plenário do Congresso Nacional — teve desdobramentos históricos: Arnon foi absolvido por legítima defesa (apesar de ter dado o primeiro tiro), seu filho Fernando Collor ascenderia à presidência 27 anos depois, e o episódio entraria para a história como um dos momentos mais surrealistas da política brasileira. A arma do crime, curiosamente, permaneceu por anos como peça de museu no próprio Senado.
O episódio, que ainda hoje choca historiadores e parlamentares, aconteceu diante de um plenário lotado. Os protagonistas do embate, Arnon de Mello (PDC) e Silvestre Péricles (PST), carregavam décadas de inimizade política e pessoal em Alagoas.
A animosidade entre as famílias, ambas tradicionais no estado, havia se transportado para o Congresso com ameaças, insultos e tensão crescente. O clima chegou ao ponto em que o presidente do Senado, Auro de Moura Andrade, determinou revistas e reforço de segurança no local, prevendo o pior.
Em vez de debates e discursos, o que se viu naquele 4 de dezembro foi uma cena digna dos tempos do Velho Oeste: dois senadores alagoanos rivais, armados, frente a frente. Foto: internet
Naquele dia, Arnon subiu à tribuna já alertando sobre possíveis ameaças: “Permita vossa excelência que eu faça meu discurso olhando na direção do senador Silvestre Péricles, que ameaçou me matar”. Silvestre, que havia acabado de entrar no plenário, começou a caminhar em direção ao rival com o dedo em riste, gritando xingamentos. Arnon, visivelmente tenso, sacou um revólver e disparou.
Quem não teve a mesma sorte foi o senador suplente de Brasiléia, Kairala José Kairala. Aos 39 anos, ele estava em seu último dia no Senado — havia assumido o posto em substituição ao titular, José Guiomard, e trouxera a esposa e os filhos para acompanhar sua despedida. Kairala tentou intervir, mas foi atingido no abdômen por um dos disparos. Apesar de ser levado ao hospital e passar por cirurgia, morreu horas depois.
O confronto, que era esperado há semanas, acabou vitimando um inocente — o senador acreano José Kairala, alvejado no meio da confusão. Foto: internet
Arnon de Mello foi detido, mas solto pouco depois. Alegou legítima defesa e nunca chegou a ser condenado. O episódio, embora extremo, foi tratado com relativa leniência à época. A morte de Kairala ficou marcada como uma tragédia colateral da disputa entre dois caciques regionais.
Décadas mais tarde, o nome dos Mello voltaria ao centro do noticiário, desta vez com Fernando Collor. Primeiro presidente eleito por voto direto após a ditadura militar, Collor também caiu em desgraça, renunciando em meio a um escândalo de corrupção em 1992, o que levou à abertura do primeiro processo de impeachment presidencial da história brasileira.
A morte de Kairala (Centro), ficou marcada como uma tragédia colateral da disputa entre dois caciques regionais.
Agora, mais de 60 anos depois do incidente no Senado, o nome Collor volta a ocupar as manchetes por um novo episódio que marca a crônica política do país. Na última sexta-feira (25), Fernando Collor foi preso em Maceió, por ordem do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal. A detenção ocorre após a condenação do ex-presidente a 8 anos e 10 meses de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro.
O senador suplente de Brasiléia, Kairala José Kairala. Aos 39 anos, ele estava em seu último dia no Senado, e foi atingindo onde estava assistindo à discussão a cerca de 15 metros de distância a discursam, Foto: internet
Arnon de Mello foi detido, mas solto pouco depois. Alegou legítima defesa e nunca chegou a ser condenado. O episódio, embora extremo, foi tratado com relativa leniência à época. Foto: internet