Uma reportagem do The New York Times desvendou uma rede de influência internacional bancada pela ditadura chinesa. Alguns desses braços estão no Brasil.
A investigação do jornal americano joga luz sobre a atuação de Neville Roy Singham, empresário de origem indiana ligado ao Partido Comunista da China. Singham mora em Xangai e produz, dentre outras coisas, um programa para o YouTube financiado pela cidade — leia-se o partido. Mas a sua atuação vai muito além disso.
Segundo o jornal, ele está na linha de frente de uma guerra silenciosa iniciada pelo Partido Comunista da China para influenciar a opinião pública fora do país. Em outras palavras: propaganda política apresentada como se não fosse.
Em 2017, Singham vendeu sua empresa do ramo da tecnologia, a Thoughtworks, por US$ 785 milhões (o equivalente a R$2,5 bilhões à época). Agora, o ativismo pró-ditadura chinesa é a sua principal ocupação. A rede movimentada por ele distribuiu pelo menos US$ 275 milhões nos últimos anos, de acordo com o jornal americano.
O repasse do dinheiro é feito por manobras que dificultam o seu rastreio e utiliza quatro organizações não-governamentais de fachada com sede nos Estados Unidos. A única presença real dessas entidades são caixas postais. A legislação americana não exige que organizações sem fins lucrativos divulguem quem são os seus doadores.
Singham financia uma teia de organizações que têm como objetivo divulgar propaganda (ou desinformação) sobre a ditadura chinesa. Um dos pontos centrais dessa teia é um think tank chamado Instituto Tricontinental de Pesquisa Social.
O instituto se apresenta como “uma instituição internacional orientada por movimentos e organizações populares do mundo, focada em ser um ponto de apoio e elo entre a produção acadêmica e os movimentos políticos e sociais”. Brasil, Índia, Argentina e África são o foco da organização, que cita Karl Marx e Antonio Gramsci como suas referências.
Uma das sedes da organização fica no Brasil. Na página de apresentação do instituto, a palavra “China” simplesmente não aparece. O conselho consultivo não tem chineses — mas inclui Neuri Rossetto, do Movimento dos Sem-Terra.
A reportagem do jornal americano menciona especificamente um veículo brasileiro financiado pela rede de Singham: o Brasil de Fato, publicação de extrema-esquerda que faz apologia ao regime chinês.
Entre ataques ácidos aos Estados Unidos, ao “neoliberalismo” e a políticos conservadores, a página publica notícias chapa-branca sobre o regime chinês. “China combate desertificação para garantir segurança alimentar e qualidade do ar”, diz uma reportagem publicada em 15 de agosto. Pouco sutil, um artigo publicado em 30 de junho ganhou o seguinte título: “China cresceu e erradicou a pobreza porque fez tudo ao contrário do que pregam os neoliberais.”
O Brasil de Fato é um veículo influente na esquerda brasileira. Em 2019, por exemplo, a publicação entrevistou Luiz Inácio Lula da Silva dentro da cadeia. O vídeo reúne quase 800 mil visualizações no YouTube. O grupo também já publicou entrevistas exclusivas com o ator Wagner Moura e o ex-presidente do MST, João Pedro Stédile. Mais recentemente, o canal passou a produzir conteúdo em inglês.
Em seu canal no YouTube, o Brasil de Fato publica semanalmente um programa chamado “Notícias da China”, que traz uma versão pró-chinesa dos acontecimentos. O conteúdo é apresentado por Marco Fernandes. Ele, por sua vez, trabalha para um site chamado Donsheng News. A página apresenta-se apenas como “coletivo internacional de pesquisadores interessados pela política e sociedade chinesas”.
Marco também se apresenta como pesquisador do Instituto Tricontinental e organizador do “No Cold War” — outra publicação pró-ditadura chinesa de perfil nebuloso e ligada a Singham. “Uma nova Guerra Fria contra a China vai contra o interesse da humanidade”, proclama a página.
O fundador do site Spotniks, Rodrigo da Silva, também mostrou que outros sites brasileiros, como o Brasil 247 e o Opera Mundi, publicam artigos de Vijay Prashad, diretor do Instituto Tricontinental. Além disso, o Brasil de Fato, o No Cold War e o Instituto Tricontinental realizaram um seminário online que teve a participação da ex-presidente Dilma Rousseff e de João Pedro Stédile, além do ex-chanceler Celso Amorim e do professor Elias Jabbour, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. O evento aconteceu em 2021.
A influência chinesa mundo afora também se dá nos círculos acadêmicos. Como a Gazeta do Povo mostrou, o regime de Pequim utiliza os Institutos Confúcio para espalhar seus tentáculos. No Brasil, onze universidades mantêm filiais do centro chinês.