Coluna do Douglas Richer/ContilNet
Um dos assuntos mais debatidos da semana na coluna Douglas Richer, foi a entrevista exclusiva da influenciadora Elane Wchao Assis, de 35 anos. A acreana revelou detalhes de complicações enfrentadas após cirurgias realizadas na Bolívia, tema que gerou ampla repercussão nas redes sociais.
A polêmica ganhou força após Elane compartilhar imagens das correções feitas no Brasil, gerando uma enxurrada de comentários, tanto de apoio quanto de críticas, incluindo a reação de outras influenciadoras locais, que defenderam os procedimentos no país vizinho, Bolívia.
Para aprofundar o debate, a coluna conversou com os médicos Allan e Felipe Queiroga, da AF Cirurgia Plástica, conhecidos por liderar procedimentos de correção de erros em cirurgias estéticas. Com mais de 10 anos de experiência combinada, os irmãos falaram sobre a busca por procedimentos na Bolívia, os riscos envolvidos e a importância de orientações seguras.
Irmãos Queiroga: A ida de pacientes para a Bolívia para a realização de procedimentos estéticos é uma realidade antiga. O principal motivo é, sem dúvidas, o fator financeiro. Procedimentos realizados na Bolívia frequentemente apresentam custos muito inferiores aos praticados no Brasil, devido às diferenças cambiais, ao maior poder aquisitivo do brasileiro, à carga tributária menor e aos custos operacionais reduzidos. Este último, muitas vezes, pode refletir cortes de gastos em itens relacionados à segurança e ao controle de qualidade.
Irmãos Queiroga: Optar por realizar cirurgias estéticas em um país com regulamentações diferentes, como a Bolívia, pode apresentar vários riscos, que vão desde questões de saúde até problemas legais e logísticos. Podemos citar, como exemplos, a falta de fiscalizações, que pode levar a um acesso mais permissivo a procedimentos realizados em clínicas sem instalações adequadas. Isso inclui a ausência de unidades de terapia intensiva (UTI) para lidar com complicações, ou até mesmo cirurgias realizadas em consultórios e em salas de cirurgia improvisadas.
No entanto, é importante sermos criteriosos e honestos: esse não é um problema exclusivo da Bolívia. Aqui mesmo no Brasil, e até no nosso Estado, há profissionais que realizam procedimentos cirúrgicos de alta complexidade em consultórios sem as condições adequadas para tanto, como frequentemente é relatado em notícias de jornais e nas redes sociais.
Em relação à Bolívia, destacamos outro aspecto, não relacionado diretamente à execução do procedimento, mas de extrema importância: a ausência de garantias legais às quais os brasileiros estão sujeitos em alguns locais. No caso de negligência ou erro médico, os pacientes podem enfrentar grandes dificuldades para acionar a justiça ou buscar indenizações em outro país, ficando completamente desamparados.
Irmãos Queiroga: Acreditamos que ela foi extremamente corajosa ao expor uma vivência pessoal que não foi positiva e que, por isso mesmo, pode gerar algum tipo de constrangimento e/ou vergonha. É comum compartilharmos ou darmos visibilidade apenas às coisas boas que acontecem em nossas vidas, mas a realidade é bem diferente. Todos nós enfrentamos momentos difíceis, em que as coisas não saem como planejado, e muitas vezes é desafiador expor publicamente essas experiências dolorosas e traumáticas. Esse ato de compartilhar, no entanto, reflete uma força e uma autenticidade que merecem reconhecimento.
Irmãos Queiroga: Acreditamos que não cabe a nós julgar os outros. Cada pessoa enxerga a realidade com os olhos que tem e interpreta a partir de suas próprias vivências e experiências. Muitas vezes, alguém pode ter tido uma experiência positiva e está no pleno direito de compartilhar seu relato e suas impressões. Não há nada de errado nisso.
No entanto, é fundamental distinguir entre um depoimento ou uma opinião pessoal, geralmente baseada em uma experiência individual, e uma opinião profissional, que não se apoia apenas em vivências isoladas, mas em uma visão coletiva construída a partir de estudos submetidos a rigor técnico-científico. Uma pessoa pode, por exemplo, realizar uma cirurgia sem determinado preparo e ter um resultado satisfatório, talvez até por sorte. Por outro lado, um médico que acompanha diversos casos realizados sob as mesmas condições inadequadas começará a identificar padrões que não são perceptíveis em uma única experiência e, ao aprofundar-se no estudo, encontrará respaldo na literatura médica.
Portanto, todos podemos ter opiniões, e elas podem ser distintas. No entanto, é importante reconhecer que essas opiniões partem de pontos de vista diferentes, com bases e fundamentos próprios.
Irmãos Queiroga: o ponto crucial nessa discussão, ao nosso ver, não é operar na Bolívia. Percebemos que pode existir um certo preconceito em relação ao país vizinho, como se nós, brasileiros, fôssemos necessariamente superiores, e tudo o que é feito lá fosse de pior qualidade. Isso não corresponde à realidade. Há excelentes cirurgiões bolivianos, competentes e bem preparados.
A verdadeira essência do problema não está no país em si, mas na maneira como todo o processo de cirurgia é conduzido: de forma intempestiva e, muitas vezes, negligente. É comum vermos cirurgias sendo realizadas sem critérios adequados, colocando a segurança e a saúde dos pacientes em risco. Muitas pessoas realizam “consultas” com secretárias via WhatsApp, enviando fotos e recebendo orçamentos, encontrando o médico somente no dia da cirurgia. Além disso, algumas dessas cirurgias acontecem em clínicas improvisadas, sem infraestrutura técnica adequada.
Outro ponto preocupante é o pós-operatório. Muitos pacientes retornam ao Brasil poucos dias após a cirurgia, viajando precocemente e já operados. Uma vez em casa, realizam o pós-operatório sem o acompanhamento direto do cirurgião, ficando completamente desamparados.
Quando o planejamento das fases do procedimento – pré-operatório, intraoperatório e pós-operatório – é atropelado dessa forma, o risco de complicações é elevado, independentemente de onde a cirurgia seja realizada. Isso pode acontecer na Bolívia, nos Estados Unidos ou em qualquer outro lugar.
Nossa orientação é que, sempre que decidir realizar uma cirurgia plástica, o paciente faça uma pesquisa minuciosa sobre os profissionais disponíveis. Converse com pacientes que já foram operados por esses médicos, vá a consultas médicas para ser avaliado presencialmente e tire todas as dúvidas diretamente com o profissional. Após a cirurgia, permaneça pelo menos três semanas na cidade onde reside seu cirurgião, garantindo o acompanhamento necessário no pós-operatório, e evite viajar enquanto ainda estiver em recuperação. Esse cuidado é essencial para a segurança e o sucesso do procedimento.
Irmãos Queiroga: Certamente. Os influenciadores não são inimigos da sociedade. Pelo contrário, são indivíduos que emergiram da própria sociedade e, por alguma razão, alcançaram notoriedade, tornando-se formadores de opinião. Suas experiências e relatos têm o poder de impactar profundamente as pessoas. É inspirador ver influenciadores comprometidos em transmitir informações com responsabilidade e engajados em ações sociais. Acreditamos fortemente no potencial que eles têm para promover conscientização e influenciar mudanças positivas na sociedade.
Irmãos Queiroga: Isso faz parte de um problema mais amplo: em algum momento da carreira, todo médico será pressionado a “abrir mão” de seus critérios, flexibilizar condutas ou até mesmo ajustar seus discursos para atender expectativas externas. Essas pressões geralmente têm origem comercial ou estão relacionadas à busca por fama e projeção social. Contudo, acreditamos que os médicos não devem se guiar pelo que as pacientes desejam ouvir, mas sim pelo que elas precisam ouvir.
O compromisso do médico deve ser com a Medicina enquanto ciência e, sobretudo, com o bem-estar dos pacientes, mesmo quando estes não estejam priorizando sua própria saúde ou segurança. Isso exige coragem para se manter fiel aos princípios éticos e científicos, mesmo sob circunstâncias adversas.
Não é uma tarefa simples resistir a pressões comerciais ou sociais, mas acreditamos que um bom profissional deve ir além de uma sólida formação técnica. Ele deve também possuir integridade ética e responsabilidade profissional para oferecer as melhores orientações, priorizando sempre a segurança e os resultados de seus pacientes, sem ceder a interesses externos, sejam quais forem. Essa postura não só reforça a confiança na relação médico-paciente, como também valoriza a Medicina como uma profissão dedicada à vida e ao cuidado.
Irmãos Queiroga: Isso é algo que enfrentamos com frequência. É comum recebermos pedidos de pacientes que realizaram cirurgias em outros locais e, posteriormente, enfrentam complicações, buscando suporte profissional. Essas situações são sempre extremamente desafiadoras, pois conduzir um pós-operatório sem informações detalhadas sobre o procedimento realizado é muito complexo. Além disso, manejar complicações sem ter tido a oportunidade de estabelecer uma relação médico-paciente prévia torna o processo ainda mais delicado.
Esses casos ressaltam a importância de uma abordagem criteriosa desde o planejamento da cirurgia, garantindo que o paciente tenha acesso a cuidados contínuos e que o profissional responsável possa acompanhar todo o processo, do pré ao pós-operatório. A construção de uma relação de confiança e proximidade é essencial para assegurar segurança e qualidade no tratamento, além de prevenir dificuldades futuras como essas.