O tribunal internacional do Camboja condenou nesta sexta-feira (16) a prisão perpétua os dois últimos líderes vivos do Khmer Vermelho por genocídio e crimes contra a humanidade cometidos pelo regime comunista entre 1975 e 1979.
Esta é a primeira vez que o tribunal internacional usa a palavra “genocídio” em referência a cerca de dois milhões de mortos entre vietnamitas, integrantes da comunidade muçulmana cham e de outras minorias religiosas.
Os condenados são o ideólogo do regime, Nuon Chea, de 92 anos, e o chefe de Estado da “Kampuchea Democrática”, Khieu Samphan, de 87, que negaram ter cometido as atrocidades.
Os dois já haviam sido condenados à prisão perpétua em 2014 por “crimes contra a humanidade” pelo tribunal apoiado pela ONU para o Camboja, pena confirmada no julgamento da apelação em 2016.
O juiz Nil Noon considerou provado o genocídio cometido contra as minorias vietnamita e a muçulmana cham. O objetivo era “estabelecer uma sociedade ateia e homogênea, suprimindo todas as diferenças étnicas, nacionais, religiosas, raciais, de classe e culturais”, afirmou.
Porém, Noon eximiu Khieu Samphan da acusação de genocídio por não ter conseguido demonstrar de forma conclusiva sua intencionalidade ou conhecimento dos crimes.
Os dois ex-dirigentes foram considerados culpados de uma série de acusações tipificadas como crimes contra a humanidade, incluindo assassinato, extermínio, deportação, escravidão, tortura, estupro e perseguição por razões políticas, religiosas e étnicas.
O juiz decretou a fusão da condenação com a que lhes foi imposta na fase anterior do julgamento, que se centrou na retirada forçada de centros urbanos e nas execuções de adversários após o final da guerra civil.
As Câmaras Extraordinárias das Cortes do Camboja, nome oficial do tribunal, decidiram segregar esta causa devido à sua complexidade e ao temor que os acusados, de idade avançada e saúde frágil, morressem antes que se ditasse a sentença.
O julgamento começou em 2011 com dois acusados mais, o ex-ministro das Relações Exteriores, Ieng Sary, e sua esposa e ex-ministra de Assuntos Sociais, Ieng Thirith, que morreram em 2013 e 2015, respectivamente.
Mais de 100 testemunhas prestaram durante o julgamento, que provavelmente será o último contra ex-membros do Khmer Vermelho.
“Os integrantes do Khmer Vermelho assassinaram quase 50 pessoas da minha família. É um sofrimento”, afirmou Math Sos, um muçulmano cham de 75 anos.
Para Youk Chhang, diretor do Centro de Documentação do Camboja, um organismo de pesquisa que proporcionou muitas provas ao tribunal, o veredicto “pode ajudar a encerrar um capítulo horrível da história cambojana”.
“Este veredicto terá um peso muito importante para o Camboja, a justiça penal internacional e os anais da História”, declarou David Scheffer, especialista durante o processo para o secretário-geral da ONU.
Para os observadores, o veredicto é passível de críticas.
“O que é lamentável é que outros quadros do Khmer Vermelho sob investigação provavelmente nunca serão levados à justiça devido à intransigência do primeiro-ministro Hun Sen”, afirmou à AFP Phil Roberton, diretor da Human Rights Watch para a Ásia.
“O mundo esperou por este momento durante muito tempo. Décadas depois dos crimes e 13 anos depois de sua criação, o tribunal deveria ter feito algo muito melhor”, criticou a Anistia Internacional.
Cerca de 1,7 milhão de pessoas morreram entre 1975 e 1979 durante o regime do Khmer Vermelho por causa de trabalhos forçados, doenças, crises de fome e expurgos políticos.
Pol Pot, o líder dos Khmer Vermelho, morreu em 1998 aos 73 anos sem ter sido julgado.