Reginaldo foi transferido para o hospital em Brasiléia, mas não resistiu aos ferimentos e morreu antes de ser levado para a Capital.
Por Jonys David (Ceara)
O Hospital Regional do Alto Acre Wildy Viana (conhecido também como Raimundo Chaar), localizado em Brasileia, foi projetado para ser uma referência em saúde na região de fronteira, atendendo moradores de Brasileia, Epitaciolândia, Assis Brasil, Xapuri e até pacientes vindos do Peru e da Bolívia. No papel, uma unidade hospitalar moderna, ampla, com capacidade para resolver grande parte das demandas médicas do Alto Acre. Na prática, no entanto, quem precisa dos serviços do hospital encara um cenário bem diferente.
Inaugurado em 2018 com investimentos que ultrapassaram R$ 82 milhões, o hospital demorou anos para se tornar plenamente funcional. O tomógrafo, por exemplo, passou meses encaixotado, só vindo a funcionar após pressões públicas, denúncias e cobranças do Ministério Público e do Conselho Regional de Medicina.
A sala de maternidade, que antes era uma verdadeira aberração utilizada ao mesmo tempo para consultas, partos e atendimentos de emergência , enfim foi organizada. Mas, mesmo com esses avanços estruturais, a maior dor da população permanece: a falta crônica de profissionais.
A realidade atual chega a ser desumana tanto para os pacientes quanto para os profissionais que trabalham na unidade. Em alguns dias, apenas um ou, no máximo, dois médicos estão de plantão, sendo obrigados a se dividir entre o Pronto Socorro, onde chegam casos de urgência, acidentes, fraturas, infartos e AVCs, e o Ambulatório, que concentra consultas, atendimentos clínicos e retornos.
O resultado é um só: longas filas, horas de espera, atraso nos atendimentos e uma sobrecarga que coloca em risco tanto a vida dos pacientes quanto a saúde mental dos profissionais.
O hospital, que deveria ser símbolo de orgulho para o Alto Acre, vive uma contradição cruel. As instalações são, sim, modernas. O tomógrafo finalmente funciona. A sala de partos foi adequada. Mas de que adianta ter estrutura se não há médicos suficientes para operar o sistema?
O sentimento que circula entre usuários, familiares e até funcionários é de abandono. A população paga seus impostos e espera, no mínimo, dignidade no atendimento à saúde. O que recebe, porém, são serviços que beiram a precariedade.
A estratégia de cobrir buracos com medidas paliativas — como o sobreaviso de profissionais ou a tentativa de remanejar médicos de outras regiões — não resolve o problema estrutural. Falta um plano sério, com contratação efetiva, valorização dos profissionais, melhores salários e condições de trabalho.
Os relatos são constantes: pacientes que passam 4, 6 e até 8 horas aguardando atendimento no pronto socorro porque o médico está realizando procedimentos no ambulatório, ou vice-versa. Casos emergenciais se acumulam, enquanto consultas simples são adiadas indefinidamente.
Inspeções realizadas pelo Ministério Público do Estado do Acre (MPAC) e pelo Conselho Regional de Medicina do Acre (CRM-AC) em outubro de 2024 revelaram uma preocupante escassez de médicos especialistas na unidade. Pediatras e ginecologistas operam em regime de sobreaviso, enquanto o único anestesista disponível atende apenas cinco dias por mês. Essa situação compromete a continuidade e a eficácia dos atendimentos, colocando em risco a saúde da população.
Em janeiro de 2025, uma ação civil pública movida pelo MPAC resultou em uma decisão judicial que obrigou o Estado do Acre a regularizar o fornecimento de medicamentos e insumos essenciais ao funcionamento do hospital. A vistoria identificou a ausência de medicamentos fundamentais para o atendimento de emergências, controle de infecções, hipertensão e dor, além de insumos indispensáveis para a realização de procedimentos médicos.
Funcionários responsáveis pela limpeza do hospital, contratados por uma empresa terceirizada em anos anteriores, enfrentaram atrasos no pagamento de salários e do 13º salário, mesmo estando na linha de frente durante períodos críticos, como os picos de COVID-19 e dengue. A empresa terceirizada já possui um histórico de atrasos desde gestões anteriores.
Um fator agravante da sobrecarga no hospital é a ausência de campanhas educativas que orientem a população sobre quando procurar uma Unidade Básica de Saúde (UBS) e quando recorrer ao hospital. Muitos pacientes, por desconhecimento, buscam atendimento hospitalar para casos que poderiam ser resolvidos nas UBSs, como dores leves, sintomas gripais e renovação de receitas. Essa falta de informação contribui para a superlotação e para a sobrecarga dos profissionais de saúde.
O Hospital Regional do Alto Acre, concebido para ser um marco na saúde pública da região, enfrenta desafios significativos que comprometem sua missão. A falta de profissionais especializados, a subutilização da infraestrutura, a escassez de medicamentos e insumos, além de problemas administrativos e a ausência de campanhas educativas, refletem uma gestão que precisa ser revista e aprimorada para atender adequadamente à população que dele depende.