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Escolas de samba do Rio vão mostrar enredos 2025 na Cidade do Samba
Em mais uma novidade para o carnaval de 2025, o público vai poder participar da apresentação dos enredos das escolas de samba do Grupo Especial, considerado a elite do carnaval carioca. O evento organizado pela Liga Independente das Escolas de Samba do Rio de Janeiro (Liesa) chamado de Noite dos Enredos, será no dia 30 de agosto, a partir das 20h na Cidade do Samba, na região portuária da capital fluminense, onde estão localizados os barracões das agremiações. A entrada é um quilo de alimento não perecível.

A proposta é contar os enredos das 12 escolas de samba, de uma forma bem carnavalizada e como serão abordados nos desfiles do próximo ano no Sambódromo da Marquês de Sapucaí. Todas as agremiações já definiram os seus temas que, para 2025, estão com muita variedade. As apresentações para as escolas mostrar suas mensagens e explicar os enredos por meio da dança, do teatro ou do próprio samba terão um tempo definido.
“Para que a gente tenha uma comunicação dos enredos como um todo. Isso vai gerar um entendimento maior das pessoas sobre o que as escolas estão levando para avenida, uma expectativa maior do que cada escola pode levar para a avenida. Além da gente poder explicar cada um enredo sem ter os sambas de fato prontos para esta apresentação, uma vez que a gente ainda está em um momento de disputa de samba [nas sedes da escola para escolher o que vai representar a agremiação]. É uma oportunidade única que as escolas têm. O ápice de tudo é a presença do povo do samba, dos sambistas na Cidade do Samba para dar este start da linha cronológica dos enredos de todas as escolas juntas na Cidade do Samba mais uma vez”, analisou para a Agência Brasil, o presidente da Liesa, Gabriel David.
Cacique de Ramos
A programação do evento prevê ainda uma apresentação do Cacique de Ramos, tradicional bloco da zona da Leopoldina, com a sua famosa roda de samba, de onde saíram, entre outros, talentos como Zeca Pagodinho, Jovelina Pérola Negra, Almir Guineto e Arlindo Cruz.
O jornalista, pesquisador, roteirista, autor de livros como Três poetas do samba-enredo, e comentarista de carnaval das escolas de samba, Leonardo Bruno, afirmou que o enredo é o ponto de partida para a preparação de qualquer desfile de escola de samba.
“A primeira coisa que se define numa escola de samba, quando se pensa no carnaval do ano seguinte, é o enredo e é a partir dele, que todos os outros setores da escola vão começar a trabalhar. É a partir desse enredo que os compositores vão pensar na composição do samba enredo. Que o carnavalesco vai começar a criar fantasias e alegorias, que a própria bateria vai começar a pensar se tem alguma sonoridade que pode inspirar as suas paradinhas, por exemplo a sonoridade de uma outra cidade ou de um outro estado que possa enriquecer a apresentação daquela bateria na avenida. Ali começa o trabalho para o ano seguinte”, disse à Agência Brasil.
“Mais importante que isso, essa é a história que a escola vai contar na avenida. Vale lembrar que essa forma de contar histórias é tipicamente brasileira. É uma invenção nossa. Só no Brasil se conta uma história através de alegorias, fantasias, samba enredo, bateria, comissão de frente, ala e ala carro, ala e ala carro, então essa forma de contar uma história é tipicamente brasileira”, acrescentou.
Na visão de Leonardo Bruno, é justamente essa história que vai impulsionar a escola na avenida. “Certamente os componentes ficam muito mais empolgados e muito mais estimulados para desfilar quando contam uma história de algo que eles querem dizer, por isso, que nos últimos anos os enredos têm feito muita diferença no carnaval do Rio de Janeiro. De dez anos para cá, a gente tem visto um movimento muito importante entre os carnavalescos de contarem histórias que falem das nossas raízes, da negritude que afinal de contas criou as escolas de samba, que falem das próprias histórias das escolas de samba. A escolha do enredo é um momento fundamental para uma escola de samba e ela já começa a determinar o que a gente vai ver na avenida no ano seguinte”, pontuou.
Para o jornalista, autor do livro Onze Mulheres Incríveis do Carnaval Carioca – Porta bandeiras e comentarista de carnaval, Aydano André Motta, se os desfiles das escolas de samba pudessem ser comparados a uma construção de uma casa ou de um prédio, poderia dizer que o enredo é a pedra fundamental dessa construção. “Ele é o ponto de partida, é a base, o alicerce, onde todo resto será construído. Um bom enredo garante um bom samba, que vai garantir uma boa concepção de desfile. Em compensação um mau enredo terá que ser consertado pelo samba e pelas alegorias e fantasias, ou seja, tudo começa errado”, disse Aydano à reportagem da Agência Brasil.
De acordo com o jornalista, historicamente as escolas de samba sempre falaram dos seus ancestrais, do povo preto que construiu o samba e o carnaval com personagens que são invisibilizados na história brasileira. Na visão dele, esse comportamento se intensificou a partir dos anos 1960 com a chegada do cenógrafo, professor, produtor e apresentador de televisão Fernando Pamplona, considerado um mestre entre tantos carnavalescos e dos artistas da Escola Nacional de Belas Artes e do Theatro Municipal, ao Salgueiro.
“Foi um primeiro momento, tanto que o Salgueiro é campeão com um enredo sobre o Quilombo dos Palmares. Depois, várias outras escolas foram atrás e contaram um sem-número de histórias, de personagens e de fatos que a História oficial do Brasil narrada pelos brancos, apropriada pelos colonizadores, tentou invisibilizar”, afirmou.
Aydano André Motta também destacou que nos últimos anos esse movimento se intensificou muito. “Tanto que nós chegamos ao ponto mais alto, ao apogeu da qualidade narrativa do carnaval. A gente está vivendo este momento. São enredos engajados, que exaltam o povo preto, sua religiosidade, sua arte, seus personagens, suas conquistas e denunciam as tragédias das quais essa parcela da população é vítima”, destacou.
Para o jornalista, esse tipo de narrativa garante às escolas de samba qualidade dos desfiles, porque os sambistas, seus componentes se sentem mais à vontade. “Quando tem uma boa história para contar, uma história que tem a ver com eles e identificação. Por isso a gente tem que celebrar muito a qualidade narrativa das escolas de samba do Rio de Janeiro”, observou.
Enredos
Aydano deu exemplos de enredos para o carnaval de 2025 que seguem este caminho. Entre os considerados por ele como grandes destaques, estão o da Beija-Flor, que vai falar de Luiz Fernando Ribeiro do Carmo, mais conhecido como Laíla, que morreu de covid em junho de 2021.
Durante vários anos, Laíla esteve na coordenação de carnaval da azul e branco de Nilópolis, além de ter desempenhado várias funções em outras escolas de samba do grupo especial. “Um dos grandes sambistas de todos os tempos e que tinha uma religiosidade muito forte [Laila era do candomblé e sempre era visto com várias guias de santo penduradas no pescoço. Na sua sala no barracão da escola tinha sempre um altar com várias imagens de santos e orixás]”, informou o jornalista.
Ainda há outros enredos, que para Aydano André Motta, merecem destaque no carnaval do ano que vem são como Malunguinho: O Mensageiro de Três Mundos, assinado pelo carnavalesco da Viradouro Tarcísio Zanon, baseado em uma entidade afro-indígena.
“O da Mangueira vai falar do povo bantu e da Pequena África, o Paraíso do Tuiuti, que vai contar a história de Xica Manincongo, uma escravizada trans que viveu aqui no Brasil no período da escravidão. A [Unidos da] Tijuca vai falar de Logun Edé, um orixá. A Portela vai falar de Mílton Nascimento. São alguns poucos exemplos. Tem muitas narrativas e muitas histórias muito bonitas, que vão ser contadas agora em 2025 na Sapucaí. É a garantia de um desfile de qualidade porque enredo bom dá samba bom e dá desfile bom”, completou.
Fonte: EBC GERAL
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Governo devolve mais de R$ 17,9 milhões a aposentados do Acre com descontos não autorizados do INSS
23.813 segurados acreanos foram ressarcidos; acordo nacional já repassou R$ 2,74 bilhões a 4 milhões de brasileiros. Adesão ainda está aberta e é gratuita

Os depósitos são realizados diretamente na conta onde o beneficiário recebe o benefício previdenciário, corrigidos pela inflação (IPCA) e sem necessidade de processo judicial. Foto: ilustrativa
O Governo Federal já devolveu R$ 17,97 milhões a 23.813 aposentados e pensionistas do Acre que tiveram descontos associativos não autorizados em seus benefícios do INSS. No país, o acordo já beneficiou 4 milhões de brasileiros, com um total de R$ 2,74 bilhõesdevolvidos até esta semana.
O ressarcimento é feito diretamente na conta do beneficiário, com correção pelo IPCA, sem necessidade de processo judicial. Os valores referem-se a descontos realizados entre março de 2020 e março de 2025 por entidades que não comprovaram autorização formal.
Quem pode aderir:
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Beneficiários que contestaram descontos e não receberam resposta em 15 dias úteis.
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Quem obteve respostas irregulares, como assinaturas falsas ou gravações de áudio como “comprovação”.
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Segurados com ações judiciais em andamento (é necessário desistir do processo para entrar no acordo).
O procedimento é gratuito, rápido e totalmente online, sem exigência de envio de documentos. Além do valor descontado, o INSS também pagará honorários advocatícios de 5% em ações individuais que forem encerradas para aderir ao acordo.
O governo reforça que os segurados verifiquem extratos e descontos recorrentes e busquem o ressarcimento caso identifiquem cobranças indevidas. O prazo para adesão segue aberto.
Critérios de elegibilidade
- Descontos indevidos entre março de 2020 e março de 2025
- Contestação sem resposta da entidade em 15 dias úteis
- Respostas irregulares (assinaturas falsificadas, gravações como comprovante)
- Ações judiciais em andamento (necessário desistir para aderir)
Processo de adesão
- Gratuito e rápido
- Sem envio de documentos
- Honorários advocatícios: 5% para ações individuais encerradas
Recomendação oficial
- Verificação: Segurados devem checar origem de descontos recorrentes
O acordo representa esforço do governo para resolver em massa uma questão que sobrecarregava a Justiça com milhares de ações individuais. No Acre, onde a população idosa depende fortemente dos benefícios previdenciários, o ressarcimento traz alívio financeiro significativo para milhares de famílias.
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Construção de casas populares no Acre tem novo atraso e entrega só em janeiro de 2026
Governo rescindiu contratos com empreiteiras por descumprimento de prazos; obras da Cidade do Povo, em Rio Branco, são as mais afetadas

A Sehurb informou que, em razão da necessidade de recontratação das empresas, a entrega das unidades da Cidade do Povo deverá ocorrer apenas na segunda quinzena de janeiro de 2026, sem possibilidade de antecipação. Foto: captada
A entrega de casas populares no Acre sofreu novos atrasos em 2025, e a previsão de conclusão das primeiras unidades, principalmente no bairro Cidade do Povo, em Rio Branco, só deve ocorrer na segunda quinzena de janeiro de 2026. A Secretaria Estadual de Habitação e Urbanismo (Sehurb) atribui o problema ao descumprimento contratual pelas empreiteirasresponsáveis, o que levou à rescisão dos contratos e à abertura de nova licitação.
O atraso acontece mesmo com recursos federais já liberados pelo Ministério das Cidades para a construção de 3.573 unidades habitacionais no estado, pelo Programa Minha Casa, Minha Vida. Além de Rio Branco, o programa prevê moradias em Plácido de Castro (25), Feijó (25) e Tarauacá (50), além de 383 novas casas na Cidade do Povo com recursos do Pró-Moradia.
A Sehurb informou que o pagamento às construtoras foi feito conforme medição da Caixa, descartando atrasos financeiros como causa. Agora, a recontratação das empresas é necessária para garantir qualidade e segurança nas obras.
Enquanto isso, o cadastro de interessados segue aberto pelo Sistema de Habitação (Sishabi), plataforma digital que já registra cerca de 26.716 inscrições só em Rio Branco. A secretaria reforça que as inscrições são apenas online e visam transparência e acesso simplificado aos programas habitacionais.
O Sindicato da Indústria da Construção Civil (Sinduscon) ainda não se posicionou sobre os atrasos. A situação expõe a dificuldade crônica na execução de obras públicas no estado, mesmo com verba federal garantida.

De acordo com a Secretaria Estadual de Habitação e Urbanismo (Sehurb), nenhuma das empresas contratadas conseguiu executar os serviços dentro dos prazos estabelecidos. Foto: captada
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Saúde pública foi tornada refém do uso político de emenda parlamentar
Até 2013, as emendas parlamentares representavam apenas 0,8% do orçamento do Ministério da Saúde. Hoje, esse índice saltou para 12%, um crescimento exponencial que desequilibra o planejamento nacional

Atendimento de paciente com Covid-19: saúde pública dependente de emenda parlamentar. Foto: Ingrid Anne/Semcom
O financiamento do SUS (Sistema Único de Saúde) vive um momento crítico de disputa política e orçamentária e as emendas parlamentares, que foram um mecanismo complementar de investimento, transformaram-se, na última década, em uma fatia gigantesca e decisiva do orçamento da saúde pública no Brasil.
Para avaliar como a dependência de emendas pode impactar no planejamento do SUS, conselheiras e conselheiros nacionais de saúde, juristas, economistas e especialistas se reuniram para o Seminário “Financiamento e impacto das emendas parlamentares no SUS”, realizado no dia 3 de dezembro, em Brasília, pela Comissão Intersetorial de Financiamento e Orçamento (Cofin/CNS).
Os participantes alertaram que a política de financiamento foi descontextualizada do planejamento sanitário, tornando-se refém de uma lógica de austeridade fiscal e de interesses políticos via emendas parlamentares. A discussão, longe de ser apenas contábil, refletiu sobre a disputa entre capital e trabalho em que o subfinanciamento atua como um mecanismo de fragilização do direito à vida.
Lenir Santos, especialista em direito sanitário e integrante da Cofin/CNS recordou que desde o lançamento da Declaração de Alma-Ata, em 1978, e a criação das Ações Integradas de Saúde (AIS), o Brasil luta para consolidar um orçamento condizente para as políticas públicas de saúde.
“A Constituição Federal de 1988 trouxe avanços, mas também frustrações. Originalmente, previa-se que 30% do orçamento da Seguridade Social fosse destinado à saúde, mas, na prática, recursos foram desviados para outras ações, como assistência social e educação, gerando crises de pagamento na rede contratada desde o início do sistema”, relembrou Lenir.

Pacientes em busca de atendimento em hospital de Manaus: longas filas e espera. Foto: Divulgação
Essa fragilidade histórica, segundo o especialista, foi agravada pela própria estrutura tributária brasileira, segundo o economista e consultor do CNS, Francisco Funcia. Ele destacou que a Constituição Federal de 1988, embora tenha descentralizado a execução das políticas públicas, manteve a arrecadação centralizada.
De tudo que se arrecada de impostos no Brasil, 69% são relativos aos tributos federais (ex.: Imposto de Renda), 25% são tributos estaduais (ex.:ICMS) e 6% são tributos municipais (ex.:IPTU). Após as transferências intergovernamentais, chegamos ainda em uma centralização, ou seja, mesmo após a União repassar parte da arrecadação para estados e municípios, 57% da receita disponível ainda está no âmbito da União, 25% nos estados e 18% nos municípios.
Essa disparidade cria uma asfixia financeira nas prefeituras, que dependem visceralmente das transferências constitucionais e voluntárias. Para o economista, é neste vácuo de recursos que as emendas parlamentares ganharam força política: diante da escassez, prefeitos buscam parlamentares para garantir o funcionamento básico de seus sistemas locais, criando uma relação de dependência”, avaliou.
Os dados apresentados durante o Seminário revelam uma mudança drástica na composição do orçamento federal. Até 2013, as emendas parlamentares representavam apenas 0,8% do orçamento do Ministério da Saúde. Hoje, esse índice saltou para 12%, um crescimento exponencial que desequilibra o planejamento nacional.
A análise do período de 2014 a 2022 mostra que o orçamento geral da saúde cresceu 1,7 vezes, enquanto o valor das emendas aumentou 5,7 vezes. Em valores nominais, a execução de emendas no Ministério da Saúde saltou de R$15 bilhões em 2023 para quase R$25 bilhões em 2024, um crescimento de mais de 60% em apenas um ano.
O problema central, contudo, não é apenas o volume de recursos, mas a qualidade do gasto. As emendas parlamentares, especialmente as individuais, muitas vezes não dialogam com os instrumentos de gestão e planejamentos de saúde ou com as pactuações feitas nas Comissões Intergestores Tripartites (CIT), por exemplo. Elas atropelam o planejamento técnico, alocando verbas sem critérios epidemiológicos, o que resulta em ineficiência e desperdício.

Plenário da Câmara: políticos financiam a saúde pública com emendas. Foto: Kayo Magalhães/Agência Câmara
O SUS é desenhado para funcionar com base em planos municipais, estaduais e nacional, com critérios epidemiológicos e de necessidade. As emendas, contudo, muitas vezes ignoram essa lógica. Os recursos fluem para onde há aliados políticos, não necessariamente onde há mais doentes ou carência assistencial; os equipamentos são comprados sem previsão de equipe para operá-los, ou unidades são reformadas em locais sem prioridade sanitária. Dessa forma, o poder de decisão sobre onde investir sai do Ministério da Saúde (Executivo) e migra para o Congresso (Legislativo).
Além disso, a lógica da austeridade fiscal, consolidada pela Emenda Constitucional 95 (Teto de Gastos), retirou cerca de R$ 70 bilhões do SUS entre 2018 e 2022, transformando o piso constitucional da saúde em um teto de despesas e forçando uma competição predatória por recursos dentro do orçamento público. A nova realidade orçamentária trouxe também complexos desafios jurídicos. A Lei Complementar nº 141 foi um marco ao determinar critérios de rateio e fiscalização, mas a profusão de novas regras e emendas impositivas gerou um emaranhado legal.
A juíza Amanda Costa, auxiliar no Supremo Tribunal Federal (STF) do Ministro Flávio Dino, explica que o cenário atual exigiu a intervenção da corte através da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 854. “O Judiciário passou a tratar a questão como um “processo estrutural”, reconhecendo que o ajuste do sistema exige medidas graduais e testadas para garantir transparência e rastreabilidade do dinheiro público”, defendeu.
Ainda no conjunto de avanços de medidas estruturais previstas na ADPF 854, todas as transferências decorrentes de emendas de qualquer modalidade na área da saúde são acompanhadas previamente de um atestado de conformidade a ser dado pelo gestor federal do SUS. “Essa preocupação com a eficiência do gasto público, passa a constar expressamente em decisões do colegiado”, explica a juíza.
Mudança de Perfil
Um outro ponto de tensão recente entre os poderes envolve a destinação final das emendas, especialmente quando elas são usadas em pagamento de pessoal, por exemplo. Dácio Guedes, diretor do Fundo Nacional de Saúde (FNS) explica que uma mudança drástica ocorreu na destinação desse dinheiro. “Historicamente, emendas eram usadas para investimento (construção de unidades, compra de equipamentos). Hoje, cerca de 90% desses recursos são destinados a custeio (pagamento de despesas correntes), muitas vezes sem critérios técnicos claros”, afirma.
Historicamente, e por vedação constitucional, as emendas não poderiam ser usadas para despesas de custos recorrentes e pagamento de pessoal, pois estas configuram gastos contínuos incompatíveis com transferências pontuais. No entanto, o Tribunal de Contas da União (TCU) reformou recentemente seu entendimento, permitindo, com base em alteração em uma resolução do Congresso Nacional, que emendas coletivas (de bancada e comissão) financiem folhas de pagamento na saúde. Essa flexibilização preocupa especialistas, pois pode comprometer a sustentabilidade fiscal dos municípios a longo prazo, além de ferir a lógica de que emendas deveriam ter caráter estruturante.

Dinheiro de emendas é usado para pagar médicos, o que contraria finalidade do recurso político. Foto: Marcelo Camargo/ Agência Brasil
Mas segundo Dácio, existe uma janela de oportunidade para os gestores e conselheiros de saúde que zelam pela correta aplicação e precisam analisar e validar os relatórios anuais de gestão. A exigência de contas bancárias específicas para cada emenda e a auditoria determinada pelo DenaSUS (Departamento Nacional de Auditoria do Sistema Único de Saúde) sobre recursos sem identificação são passos importantes para recuperar o controle sobre o destino das verbas. O diretor do FNS lembra que gestores e conselheiros têm o dever de analisar e validar os relatórios anuais de gestão, garantindo que o dinheiro que chega via emendas seja aplicado corretamente.
O momento exige vigilância constante, pois, como destacou o assessor parlamentar Flávio Tonelli, é preciso debater o que foi naturalizado na política brasileira, mas que não é natural: a captura do orçamento público por interesses que não o bem comum. “A defesa do SUS passa, obrigatoriamente, por desatar o nó que transformou o financiamento da saúde em moeda de troca política”, destacou.
Para além das cifras e leis, o debate sobre o financiamento do SUS é, essencialmente, político e social. Maicon Nunes, conselheiro nacional de saúde representante do Movimento Negro Unificado (MNU), reforça que o desfinanciamento não é um descuido, mas um projeto político que atinge desproporcionalmente a população negra, que compõe a maioria dos usuários do sistema público. “Congelar investimentos em saúde significa, na prática, congelar o investimento na vida dessas pessoas”, declarou.
Ronald dos Santos, ex-presidente do Conselho Nacional de Saúde alertou que não se pode desvincular a luta pelo orçamento da disputa histórica entre capital e trabalho no Brasil. “O Conselho Nacional de Saúde tem se posicionado como uma trincheira de resistência contra esse desmonte, atuando não apenas no controle social, mas como um agente político na defesa da democracia”, defendeu.
A narrativa de que o SUS é ineficiente serve aos interesses de mercantilização da saúde, abrindo portas para a privatização e para a atuação predatória do mercado. O desafio para os próximos anos, conforme apontado por outros participantes do Seminário, é mobilizar a sociedade para a 18ª Conferência Nacional de Saúde e pautar um financiamento justo, que não seja corroído pelos juros da dívida pública ou pelas restrições do novo arcabouço fiscal.

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