A Universidade Amazônica de Pando (UAP) instituição pública boliviana sediada em Cobija atravessa uma crise multifacetada que vai muito além de simples reclamações de taxas. Para centenas de estudantes brasileiros que residem na fronteira e cursam Medicina, a universidade se tornou um ambiente hostil, com aumentos de até 140% em cobranças, falta de transparência, relatos de assédio, ameaças veladas e uma reitoria que frequentemente se esquiva do diálogo público.
Taxas abusivas sem aviso: cifras que não colam como “crise econômica”
Estudantes denunciaram reajustes abruptos e sem qualquer comunicação prévia nas taxas essenciais para conclusão do curso trâmites que, dizem, impactam diretamente na formação com aumentos que ultrapassam 130% em todos os exemplos recebidos:
NTA 032: de 2.780 BOB → 6.700 BOB (+141%)
NTA 034: de 5.280 BOB → 12.700 BOB (+140,5%)
NTA 037: de 8.365 BOB → 20.000 BOB (+139%)
NTA 040: de 14.115 BOB → 33.000 BOB (+133,8%)
Esses aumentos foram aplicados sem aviso prévio, consulta ou justificativa documentada, segundo relatos coletivos dos alunos e registros de protestos nas últimas semanas.
Relatos publicamente divulgados também apontam que os valores para estudantes estrangeiros podem ser até dez vezes maiores do que os de estudantes bolivianos, configurando um padrão de desigualdade gritante.
Isso provocou revolta na comunidade acadêmica e fora dela.
Protestos e bloqueios: a fronteira literalmente parou
As tensões atingiram um ponto de ruptura em dezembro de 2025, quando estudantes organizaram um bloqueio da Ponte Internacional entre Cobija (BOL) e o Acre (BRA), interrompendo parcialmente o trânsito entre os países.
Segundo estudantes, o bloqueio aconteceu porque a reitoria mesmo após reiteradas tentativas de contato se recusou a reverter os aumentos ou fazer qualquer compromisso público em revisar valores.
O protesto repercutiu na região e é considerado um marco da mobilização estudantil contra uma administração que, na visão deles, “trata os estudantes brasileiros como mera fonte de receita”.
Denúncias de assédio, falta de estrutura e ameaças
Além da crise financeira, há relatos difundidos de condições estruturais precárias e abusos na relação entre docentes e alunos, incluindo:
• Assédio sexual e moral por docentes
Reportagens divulgadas no portal Noticias Acreana relatam que acadêmicos de Medicina já procuraram a imprensa para relatar abusos e assédio moral por parte de professores, incluindo atitudes que intimidam e pressionam estudantes em sala de aula e fora dela.
Em um caso documentado judicialmente, um professor da carreira de Medicina foi suspendido durante investigação por denúncia de assédio sexual, com indícios de tentativa de troca de notas por favores sexuais a uma estudante e detenção preventiva aplicada pela justiça boliviana nesse episódio.
Outros registros circunstanciais em redes e portais locais indicam que episódios desse tipo já mobilizaram estudantes da universidade, que pedem investigação formal e proteção às vítimas.
• Falta de condições básicas e ambiente hostil
Denúncias anteriores relatadas por estudantes apontam prédios emprestados, falta de infraestrutura, ameaças de docentes autoritários e estrutura que compromete o aprendizado inclusive casos de professores que teriam usado de autoridade para intimidar ou ameaçar reprovar alunos.
Em cartas enviadas por grupos de estudantes ao governo e imprensa, há relatos de banheiros compartilhados com a comunidade, falta de água potável e instalações precárias que não condizem com os valores cobrados.
Reitoria sem resposta — e um padrão de esquiva
Enquanto alunos, consulado e parlamentares tentam diálogo, a reitoria da UAP tem apresentado respostas vagas citando apenas fatores macroeconômicos como justificativa para os aumentos, sem oferecer critérios transparentes, planilhas, auditorias ou compromisso público de revisão.
Em reuniões recentes, representantes da universidade chegaram a afirmar que os valores podem subir ainda mais em 2026, acentuando o sentimento de que questionar aumenta a pressão sobre os estudantes, em vez de engajar em resolução.
Esse comportamento foi repetidamente criticado por estudantes e dirigentes públicos presentes nos protestos, que classificaram a postura como gestão autoritária e distante das demandas reais da comunidade acadêmica.
O que está em jogo
O caso da UAP expõe um conjunto de problemas que se combinam:
1. Aumentos abruptos sem transparência nem justificativa técnica.
2. Disparidade gritante entre o que pagam estrangeiros e locais.
3. Protestos populares que paralisaram uma ponte internacional.
4. Denúncias de assédio e ambiente hostil por parte de docentes.
5. Falta de estrutura básica universitária.
6. Silêncio institucional e evasão de responsabilidade pela reitoria.
A soma desses elementos não pode mais ser reduzida a “problema econômico” ou “resultado da crise cambial”. A narrativa agora é sobre gestão pública, direitos estudantis, equidade e segurança no ambiente acadêmico.
O papel das autoridades
O Consulado do Brasil na Bolívia já formalizou pedidos de revisão e diálogo, e parlamentares brasileiros como o senador Alan Rick já cobraram publicamente explicações sobre taxas consideradas abusivas para estudantes brasileiros em instituições bolivianas.
As autoridades brasileiras e bolivianas acompanham a situação de perto, mas até agora não se vê um compromisso institucional da UAP em enfrentar em público e com transparência cada uma dessas denúncias.
Mais que aumentos, é uma crise de governança
O caso da UAP vai além de cobrar números ou comparar valores de taxas: ele escancara deficiências profundas na administração universitária e um padrão de relações que, segundo alunos e autoridades, repetidamente penaliza os mais vulneráveis.
Enquanto a reitoria insiste em justificativas econômicas simplistas e evita debates públicos, os estudantes seguem organizados, com protestos, abaixo-assinados e mobilizações que já impactam diretamente a vida fronteiriça — exigindo nada menos que respostas claras, revisões concretas e respeito aos direitos acadêmicos.