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Crime organizado se ‘profissionaliza’ para se infiltrar no poder público

Ricardo Castro, doutor em filosofia pela PUC (Pontíficia Universidade Católica) do Rio de Janeiro, especialista em violência masculina e de gênero, diz que essa relação entre crime e instituições públicas é histórica

Metralhadora apreendida em operação policial: crime organizado está mais sofisticado e “profissional”, diz especialista. Foto: Marcelo Casal Jr.

Com Atual

As organizações criminosas passaram por uma transformação “sofisticada” para operar de forma mais “profissional” no mundo do crime. Estrutura ordenada, divisão de tarefas, recrutamento de servidores públicos formam o modus operandi de negócio do crime organizado. A amplitude do território de domínio e o anonimato dos líderes são alguns dos fatores dessa transformação, afirmam analistas em segurança pública.

“O primeiro aspecto que temos que destacar é que o crime organizado, o tráfico, se deu conta de que tinha de ser profissional, ele se profissionalizou”, diz Luiz Antonio Nascimento, sociólogo e professor da Ufam (Universidade Federal do Amazonas).

Para os especialistas consultados pela reportagem, o crime organizado no Brasil e na América Latina é formado por muitos grupos que atuam em alianças, uma espécie de fragmentação criminosa em que um grupo depende de outro para realizar “abastecimentos eficientes”. “Diante de operações das polícias brasileiras e internacionais, as organizações se reinventaram e criaram um esquema de proteção”, diz Nascimento.

Segundo o sociólogo, o esquema de proteção precisa corromper servidores públicos de áreas como a jurídica e a da política. “Para isso, você precisa corromper pessoas, você precisa corromper servidores públicos. Sempre foi assim, não é uma novidade”, diz.

O fato novo, segundo Luiz Antonio, é que as organizações criminosas começaram a apresentar os seus próprios candidatos para as esferas consideradas importantes da sociedade, como a da política e a da jurídica.

“As organizações começaram a financiar as suas próprias candidaturas nas grandes esferas da sociedade. Isso é preocupante. Você vê servidores de carreira envolvidos nos casos de tráfico, inclusive pessoas de ONGs (organizações não governamentais)”, diz.

Para o sociólogo, as organizações diversificaram os negócios ilegais e entraram em setores de segurança privada, armas, medicamentos, transporte, mineração, entre outros e para executá-los precisam de mais pessoas, especialmente para a “furar” burocracia pública.

“Antes, as organizações criminosas agenciavam pessoas de patente menores, como um tenente, e o que você vê hoje é que os agenciamentos chegaram aos comandantes. Outra coisa que percebemos é que a maioria das empresas privadas de segurança é administrada ou são propriedades de oficiais da polícia ou ligadas a área militar, e contratam ex-policiais para prestar os serviços”, diz Nascimento.

Segundo ele, as leis a favor da posse e do porte de armas abriu um leque de opções para as organizações criminosas, que antes não havia. “Você tem uma combinação de dois aspectos: de um lado o tráfico de drogas, do outro o tráfico de armas. E a Amazônia ocupa um lugar estratégico nesse universo. O crime financia a mineração ilegal, o gado e as invasões de terras. É um assunto complexo”, diz Nascimento.

“As organizações são tão sofisticadas que elas são descobertas, mas o negócio das organizações continua operando. Você prende os agentes, apreende embarcações, mas o crime continua”, complementa.

Para Israel Pinheiro, doutor em Antropologia Social, não existe um descontrole do Estado sobre as organizações criminosas, porque há meios para combater os crimes. “Temos policiais e delegacias especializadas em crimes, mas quando uma organização criminosa tem muitos recursos financeiros, é diversificada, maior vai ser o avanço delas. Não é algo que surge do nada, estão bem estruturadas”, diz Pinheiro.

Para o antropólogo, as políticas públicas para os diversos setores da sociedade podem ser uma forma de controlar a expansão do crime organizado e evitar a fragilidade dos sistemas judiciais e de segurança. “Há um conjunto de elementos que fortalecem as facções criminosas. Então o Estado deve combater e não pode falhar com a sociedade”.

Histórico e tolerável

Ricardo Castro, doutor em filosofia pela PUC (Pontíficia Universidade Católica) do Rio de Janeiro, especialista em violência masculina e de gênero, diz que essa relação entre crime e instituições públicas é histórica.

“Se analisarmos a História do Brasil, na construção da sociedade brasileira, vamos perceber que há uma relação entre crime organizado, a construção das sociedades e as instituições governamentais. Portanto, existe historicamente uma relação entre elas”, afirma.

“Somos uma sociedade fundada no que foi chamado de tráfico de escravos. Hoje, o crime organizado está estruturado de diversas formas como uma estrutura empresarial, com associados, com regras e hierarquias; e como estruturas governamentais, com criminosos que controlam áreas dentro da cidade, oferecendo serviços que as instâncias do governo não oferecem. Como definir o direito de propriedade, proteger os comércios?”, avalia o especialista.

Para entender essa relação, segundo Castro, é preciso recorrer ao filósofo francês Michel Foucault, que fala da corrupção das instituições como uma manifestação de ilegalidade tolerada, isto é, são toleradas pela sociedade como condição para que haja o funcionamento político e o econômico dentro da sociedade.

“A relação entre o crime organizado e as esferas de governança é um perigo para a democracia. Então, é necessário agir de forma contundente contra a corrupção no Estado e considerá-la como crime e não como ilegalidade tolerada. No contexto atual, um crime que questiona as práticas de governo e a confiança na política”, alerta.

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Publicado por
Marcus José