O compartilhamento de notícias de política está menos frequente em grupos de WhatsApp de família, amigos e trabalho, segundo estudo divulgado nesta segunda-feira (15) pelo InternetLab e pela Rede Conhecimento Social. Além disso, mais da metade dos participantesrelata medo de omitir opinião nesses ambientes.
A pesquisa Os Vetores da Comunicação Política em Aplicativos de Mensagens mostra que a presença de discussões políticas diminuiu significativamente desde 2021. Naquele ano, 34% dos entrevistados diziam que o grupo de família era o que mais recebia conteúdo político; em 2024, esse percentual caiu para 27%.
Nos grupos de amigos, a redução foi de 38% para 24%; e nos de trabalho, de 16% para 11%. Apenas 6% dos usuários estão atualmente em grupos dedicados a debates políticos – em 2020, eram 10%.
Ainda segundo o estudo, mais da metade das pessoas que usam WhatsApp participam de grupos de família (54%) e de amigos (53%), enquanto 38% estão em grupos de trabalho. O receio de se manifestar tem sido um fator relevante para o esvaziamento das conversas políticas nesses espaços, que tendem a priorizar temas menos polarizantes.
A pesquisa ouviu brasileiros entre setembro e outubro de 2024 e reforça uma tendência de retração política em ambientes digitais mais privados, possivelmente influenciada por cansaço de discussões acaloradas e por preocupação com desgastes pessoais.
O estudo apresenta depoimentos de alguns dos entrevistados, sem identificá-los.
“Evitamos falar sobre política. Acho que todos têm um senso autorregulador ali, e cada um tenta ter bom senso para não misturar as coisas”, relata sobre o grupo de família uma mulher de 50 anos, de São Paulo.
As informações foram coletadas de forma online com 3.113 pessoas com 16 anos ou mais, de 20 de novembro a 10 de dezembro de 2024. Foram ouvidas pessoas de todas as regiões do país.
A pesquisa identificou que há receio em compartilhar opiniões políticas. Pouco mais da metade (56%) dos entrevistados disseram sentir medo de emitir opinião sobre política “porque o ambiente está muito agressivo”.
Foi possível mapear que essa percepção foi sentida por 63% das pessoas que se consideravam de esquerda, 66% das de centro e 61% das de direita.
“Acho que os ataques hoje estão mais acalorados. Então, às vezes você fala alguma coisa e é mais complicado, o pessoal não quer debater, na verdade, já quer ir para a briga mesmo”, conta uma mulher de 36 anos, de Pernambuco.
Os autores do estudo afirmam que se consolidaram os comportamentos para evitar conflitos nos grupos. Os dados mostram que 52% dos entrevistados se policiam cada dia mais sobre o que falam nos grupos, enquanto 50% evitam falar de política no grupo da família para fugir de brigas.
“As pessoas foram se autorregulando, e nos grupos onde sempre se discutia alguma coisa, hoje é praticamente zero. As pessoas tentam, alguém publica alguma coisa, mas é ignorado”, descreve de Brasília.
Cerca de dois terços (65%) dizem evitar compartilhar mensagens que possam atacar os valores de outras pessoas, segundo o levantamento.
Dos respondentes, 29% já saíram de grupos onde não se sentiam à vontade para expressar opinião política.
“Tive que sair, era demais, muita briga, muita discussão, propaganda política, bateção de boca”, conta uma entrevistada do Amazonas.
Mas o levantamento identifica também que 12% das pessoas compartilham algo considerado importante mesmo que possa causar desconforto em algum grupo.
Dezoito por cento afirmam que, quando acreditam em uma ideia, compartilham mesmo que isso possa parecer ofensivo.
“Eu taco fogo no grupo. Gosto de assunto polêmico, gosto de falar, gosto de tacar lenha na fogueira e muitas vezes sou removida”, diz uma mulher de 26 anos de Minas Gerais.
Entre os 44% que se consideram seguros para falar sobre política no WhatsApp, são adotadas as seguintes estratégias:
“Eu gosto de discutir, mas é individualmente. Eu não gosto de expor isso para todo mundo”, revela um entrevistado de 32 anos, do Acre.
“É como se as pessoas já tivessem aceitado que aquele grupo é mais alinhado com uma visão política específica. Entra quem quer”, define uma mulher, de 47 anos, de Rondônia.
O estudo foi apoiado financeiramente pelo WhatsApp. De acordo com o InternetLab, a empresa não teve nenhuma ingerência sobre a pesquisa.
Uma das autoras do estudo, a diretora do InternetLab, Heloisa Massaro, constata que o WhatsApp é uma ferramenta “arraigada” no cotidiano das pessoas. Dessa forma, assim como no mundo “offline“, ou seja, presencial, o assunto política faz parte das interações.
O estudo é realizado anualmente, desde o fim de 2020. De acordo com Heloisa, ao longo dos anos, as pessoas “foram desenvolvendo normas éticas próprias para lidar com essa comunicação política no aplicativo”, principalmente nos grupos.
“Elas se policiam mais, relatam um amadurecimento no uso”, diz a autora. “Ao longo do tempo, a gente vai observando essa ética de grupos nas relações dos aplicativos de mensagem para falar sobre política se desenvolvendo”, completa.
A pesquisa reflete um ambiente digital mais polarizado e cauteloso, onde usuários preferem evitar discussões políticas em espaços pessoais para preservar relações. A queda nos grupos específicos de política sugere migração para outras plataformas ou desinteresse por debates estruturados no aplicativo.