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Chegada do La Niña: relembre como foi a última passagem do fenômeno pelo Brasil

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Foto: Juan Diaz /Arquivo pessoal

Assim como em 2021 e 2022, cenário esperado para os próximos três meses é de seca em quase todo o país, especialmente na Região Sul

Previsto para ocorrer no Brasil a partir de agosto de 2024, o La Niña teve a última passagem pelo país entre 2020 e 2023. Este é um fenômeno complexo, caracterizado, especialmente, pelo resfriamento das águas do Oceano Pacíficona região do Equador. Como consequência disso, no Brasil, há mudança no regime de chuvas que impacta, praticamente, todas as regiões do país. O Sul é especialmente afetado com longos períodos de estiagem, que impactam a produção agrícola e o uso da água pelas pessoas.

Em fevereiro de 2023, mais de 200 municípios do Rio Grande do Sul haviam decretado emergência pela seca. A situação se estendia desde o ano anterior, quando as lavouras de soja do estado registraram prejuízo estimado em R$ 28,3 bilhões. Em 2022, a situação também afetou a produção de milho e a pecuária. Em entrevista ao R7, Marcelo Seluchi, meteorologista e coordenador-geral de Operações do Cemaden (Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres), explica que as expectativas para este ano são de um La Niña menos intenso e menos duradouro.

“Aparentemente seria de alguns meses até, talvez, os primeiros meses do próximo ano. Mas o que nós temos de melhor, em termos de previsão, indica que seria fraca, no máximo, moderada. Contudo, não existe necessariamente uma relação entre a intensidade do La Niña e a intensidade do impacto [para as pessoas]. Quando a La Niña é muito intensa, ela causa normalmente seca no Sul, chuvas no Norte e Nordeste. Quando ela é fraca, ela pode estar, digamos, mascarada por outros fenômenos”, explicou.

Essas foram características do fenômeno em sua última passagem pelo Brasil. As regiões Norte e Nordeste registraram um volume de chuvas mais intenso que o normal em quase todo o período, ampliando a ocorrência de inundações e deslizamentos nos estados atingidos. Em 2022, por exemplo, Pernambuco, Sergipe, Alagoas, Paraíba e Rio Grande do Norte registraram eventos climáticos associados às fortes chuvas.

Este cenário pode não se repetir em 2024, uma vez que as condições de formação do La Niña neste ano apresentam diferenças em relação a anos anteriores. “Só que a maior parte dos oceanos, neste momento, está mais quente que o normal. Isso classifica essa La Niña como muito particular, não tenho memória dessa La Niña com oceanos tão quentes e isso pode gerar um fenômeno diferente do que vivenciamos no passado”, complementa.

Ele explica que o cenário é de incerteza, já que essas diferenças de temperaturas nos oceanos podem fazer com que as consequências do fenômeno sejam tão graves quanto em anos anteriores, mesmo que o La Niña propriamente dito apresente características diferentes.

“Em particular, o Oceano Atlântico, neste momento, está mais quente do que o normal em praticamente toda sua extensão e, particularmente, na região do mar do Caribe, ao norte da América do Sul. Ao ponto que já tivemos um furacão intenso no início de julho, categoria cinco, que é muito raro, né para julho? E essas águas mais quentes já estão atrapalhando as chuvas no Brasil. Como será o período chuvoso lá no verão? Não temos muita noção”, detalha.

Seca poderá afetar o Rio Grande do Sul em meio a esforços de reconstrução

Além das excepcionalidades citadas, o La Niña neste ano começa poucos meses após o encerramento do El Niño. “Não é incomum a passagem entre os dois fenômenos, o que é incomum é essa transição abrupta [entre períodos de desastres causados por fortes chuvas e uma estiagem prolongada]. O Sul experimentou muita chuva e poderá experimentar uma seca, que não sabemos como será”, explica José Marengo, climatologista e coordenador-geral de Pesquisa e Desenvolvimento do Cemaden.

Marengo lembra que o Rio Grande do Sul está, atualmente, focado na reconstrução das áreas destruídas pelas enchentes, entretanto, é preciso que governos e sociedade civil tenham cada vez mais instrumentos para lidar com esses fenômenos que são extremos e cíclicos. “Normalmente as pessoas estão melhores preparadas para a seca, mas é preciso criar mecanismos, ações e trabalhar em prevenção tanto para o El Niño quanto para La Niña. Caso se confirme uma La Niña com intensidade alta, temos que informar a região Sul do Brasil, que passará de um ano chuvoso para um ano seco muito rapidamente”, comenta.

O especialista lembra que esse tipo de manifestação das mudanças climáticas ocorre ao redor de todo o mundo e que deve se tornar cada vez mais presente com o passar dos anos. “Nova York, Índia, Arábia Saudita e Europa enfrentam ondas de calor com temperaturas muito altas neste momento. Esses eventos extremos estão sendo mais extremos, essa tendência pode se manifestar mais, com ondas de calor, ondas de frio, tempestade, furacões de forma intensificada”, ressalta.

Boas ferramentas e ações antecipadas de governos e sociedade são fundamentais

É em cenários assim que as ferramentas de prevenção a desastres se tornam cada vez mais relevantes. Ronaldo Christofoletti, professor e pesquisador do IMar-Unifesp (Instituto do Mar, da Universidade Federal de São Paulo), lembra a importância de governos e organizações adequarem as ferramentas que usam para lidar com a prevenção de desastres naturais e eventos climáticos extremos.

“As incertezas que a gente encontrou nesses últimos dois anos de eventos extremos de até o ano mais quente da história, elas dificultam, prever exatamente a intensidade da La Niña”, coloca. O cenário, segundo o professor, é muito incerto mesmo diante do conhecimento acumulado ao longo dos anos sobre esses fenômenos. “Tem que ser sempre cuidadoso com as palavras. Mas assim, se o El Niño foi tão forte, se de repente a mudança é tão rápida, por que eu esperaria uma La Niña tradicional? Eu não esperaria La Niña tão imprevisível. Agora ele pode ser mais fraco ou mais intenso do que a gente imagina”, coloca.

O professor explica que as previsões de futuro com maior grau de acerto são baseadas em fenômenos cujo passado foi amplamente estudado e para o qual já existem muitos dados disponíveis. Dessa forma, mesmo em eventuais eventos destoantes conseguem ser captados com maior ou menor precisão pelos modelos científicos. A dificuldade maior do cenário atual, entretanto, reside na sucessão rápida de eventos extremos.

“Com tantos eventos extremos ocorrendo às vezes ao mesmo tempo em sequência um do outro, ondas de frio, chuvas, secas extremas, os modelos, eles perdem a acurácia da previsão também”, explica. Para o especialista, esse período anterior à chegada dos fenômenos torna-se, então, fundamental.

“Se a gente já sabe que o La Niña, em determinadas regiões, traz questões de seca, de problemas de abastecimento de água, então é agora que a gente tem que dialogar sobre isso. É agora que, como cidadãos, temos que entender o nosso papel para redução de consumo. Mas não só do cidadão. A maior parte do consumo de água vai para o setor empresarial, que tem que rever seus processos, que tem que trabalhar a sustentabilidade e as políticas públicas têm que impulsionar isso”, reforça.

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Caso Master: sigilo alimenta especulação sobre envolvidos, diz especialista

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Em entrevista ao CNN Prime Time, Cristiano Noronha detalha que o tema já está sendo politizado no âmbito local em Brasília

• Imagem gerada por IA

O caso do Banco Master, que teve sua liquidação extrajudicial decretada pelo BC (Banco Central), entrou no debate político brasileiro e está sendo explorado por diferentes campos ideológicos.

Em entrevista ao Agora CNN, o cientista político Cristiano Noronha, vice-presidente da Arko Advice, avalia que o sigilo imposto ao caso pelo ministro Dias Toffoli, do STF (Supremo Tribunal Federal), e a acareação por ele imposta alimentam especulações sobre quem poderia estar envolvido.

“Essa questão da determinação do sigilo, essa decisão de investigar, fazer essa acareação que foi decidida à revelia do que defendia a Polícia Federal, tudo isso acaba alimentando muito essas especulações de quem efetivamente estaria envolvido”, explica.

O especialista também comenta sobre a politização do tema: “O assunto já está sendo politizado no âmbito local em Brasília, porque a gente viu também personalidades políticas defendendo a compra do Banco Master pelo BRB, que é um banco público”, detalha.

Noronha destaca que a revelação do contrato que o escritório de advocacia de Viviane Barci de Moraes, esposa de Alexandre de Moraes, mantinha com o Banco Master serve como munição para a oposição e relembra os diversos pedidos de impeachment do ministro.

Distância estratégica do governo

Questionado sobre a postura do governo de evitar o confronto direto e manter o discurso de autonomia do Banco Central, o vice-presidente da Arko Advice avalia que essa é uma estratégia acertada.

“Faz todo sentido o governo fazer isso, primeiro porque se distancia do problema, insiste em uma decisão absolutamente técnica que o Banco Central tomou e eventualmente não politiza ainda mais esse assunto.”

Com esse distanciamento, Noronha explica que o governo evita ser acusado pela oposição de tentar blindar atores importantes caso venha à tona o envolvimento de figuras relevantes do cenário político e jurídico.

Fonte: CNN

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Zelensky quer mais do que os 15 anos de segurança oferecidos por Trump

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Zelesnky afirmou, nesta segunda-feira (29), ter pedido aos Estados Unidos garantias de segurança “sólidas” contra a Rússia

Após a reunião deste domingo (28/12) entre o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, e Donald Trump, nos EUA, a questão territorial continua sendo um dos principais pontos de bloqueio para a obtenção de um consenso.

A Rússia segue exigindo concessões da Ucrânia e a incorporação de Donbass, no leste. Zelesnky afirmou, nesta segunda-feira (29), ter pedido aos Estados Unidos garantias de segurança “sólidas”, com prazos mais longos do que 15 anos contra os russos.

Apesar dos pontos de atrito que parecem inviabilizar um compromisso duradouro a curto prazo, o presidente americano Donald Trump disse neste domingo estar “muito próximo” de um acordo de paz com a Ucrânia, após um encontro com o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky em sua residência em Mar-a-Lago, em Palm Beach, na Flórida.

Embora Trump demonstre otimismo, nenhum prazo foi estipulado para colocar em prática os pontos citados no plano de paz anunciado pelos EUA em 28 de novembro e modificado diversas vezes. Na conversa com jornalistas após a reunião, que teve a participação, por telefone, de líderes europeus, Trump e Zelensky admitiram que ainda há várias divergências pendentes entre russos e ucranianos — principalmente em relação às questões territoriais.

A principal dificuldade envolve o Donbass, formado pelas regiões de Donetsk e Lugansk, que continua sem solução. A área é reivindicada pelo presidente russo Vladimir Putin, que alega laços históricos e herança soviética. Mas, de acordo com a Constituição ucraniana, o território pertence à Ucrânia.

Antes da reunião, Zelensky esperava convencer o presidente americano a flexibilizar uma das principais propostas do plano de paz, que inclui a retirada completa das tropas ucranianas da região de Donbass, o que significaria ceder a Moscou áreas ainda controladas por Kiev.

Desde o início da guerra, em fevereiro de 2022, a Rússia tomou cerca de 12% do território ucraniano, após ter anexado a península da Crimeia em 2014. Trump e Zelensky admitiram neste domingo que o futuro do Donbass ainda é incerto. “Não está resolvido, mas estamos chegando perto”, disse Trump. “É uma questão muito difícil”, acrescentou, após afirmar que restam “um ou dois pontos delicados”.

Os Estados Unidos propuseram criar uma zona econômica franca caso a Ucrânia deixasse a região, mas seu funcionamento, na prática, não foi esclarecido. Apesar das dificuldades, “o desfecho das negociações entre a Rússia e a Ucrânia deve ocorrer nas próximas semanas”, afirmou o presidente americano, que também conversou por telefone com Vladimir Putin antes de receber Zelensky e disse que voltará a ligar para o presidente russo.

Garantias de segurança

Em uma mensagem publicada nas redes sociais, Zelensky disse que houve “progressos significativos” nas últimas semanas nas discussões conduzidas por equipes americanas e ucranianas. Segundo ele, os encontros definiram quais seriam as próximas etapas que viabilizariam o plano de 20 pontos, proposto por Trump.

Zelensky afirma que obteve um acordo sobre as garantias de segurança que seriam oferecidas à Ucrânia, mas Trump disse que a questão está resolvida em “95%” e espera que os europeus assumam “grande parte” dessas garantias, com apoio dos Estados Unidos.

Nesta segunda-feira, o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky disse que os Estados Unidos propuseram à Ucrânia garantias de segurança “sólidas” por um período de 15 anos que pode ser prorrogado. Ele disse que pediu a Washington um prazo maior durante sua reunião no domingo com Donald Trump.

“Eu realmente queria que essas garantias fossem mais longas e que consideramos a possibilidade de 30, 40, 50 anos”, afirmou Zelensky em uma coletiva de imprensa online. Segundo ele, o presidente americano vai analisar essa possibilidade. Ele também disse que terá uma nova reunião na Ucrânia “nos próximos dias” com líderes americanos e europeus.

Após a reunião entre Trump e Zelensky, o presidente francês, Emmanuel Macron, reconheceu no X avanços nas garantias de segurança e anunciou uma reunião da “coalizão dos voluntários” no início de janeiro, em Paris, “para finalizar as contribuições concretas de cada um”.

Zelensky e Trump também não deram detalhes sobre os acordos que envolvem a segurança da Ucrânia após o fim do conflito. Nesta segunda, o presidente ucraniano afirmou que só suspenderá a lei marcial, que proíbe, principalmente, que homens ucranianos elegíveis para o serviço militar deixem o país, após o fim da guerra com a Rússia e a obtenção de garantias de segurança.

Moscou insiste que qualquer envio de tropas estrangeiras para a Ucrânia seria inaceitável. De acordo com o líder ucraniano, qualquer acordo de paz deverá ser aprovado pelo Parlamento do país ou por referendo, e Trump disse estar disposto a se dirigir ao Parlamento em Kiev.

Zelensky anunciou que uma reunião entre representantes ucranianos e americanos ocorrerá na próxima semana, além de outro encontro em janeiro, em Washington, com Trump e líderes europeus. A reunião entre Trump e o presidente ucraniano ocorreu após várias semanas de esforços diplomáticos, especialmente por parte dos europeus, às vezes excluídos do processo liderado por Washington.

A Europa busca garantias de segurança para Kiev que tenham o apoio dos Estados Unidos. “A Europa está pronta para continuar sua colaboração com a Ucrânia e seus parceiros americanos a fim de consolidar os progressos rumo a um acordo de paz”, declarou na noite de domingo para segunda a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen.

Conversa com Putin

Pouco antes da chegada da delegação ucraniana à Flórida, Trump conversou por telefone com o presidente russo Vladimir Putin. O chefe de Estado americano descreveu a conversa como “muito produtiva”, e um conselheiro do Kremlin afirmou que o tom entre os dois líderes foi “cordial”. A discussão durou uma hora e quinze minutos.

Durante a ligação, Putin disse que a proposta de uma trégua de 60 dias, formulada pela Ucrânia e pela União Europeia, apenas prolongaria a guerra, segundo Yuri Uchakov. Kiev precisa tomar rapidamente uma “decisão corajosa” sobre o Donbass, acrescentou o conselheiro de política externa da presidência russa.

Durante o fim de semana, o Exército russo intensificou seus ataques aéreos contra a Ucrânia e atingiu neste domingo a capital e outras regiões do país com centenas de mísseis e drones. O aquecimento e a eletricidade foram cortados em alguns bairros de Kiev.

Zelensky descreveu os ataques russos como uma resposta de Moscou às negociações de paz lideradas por Washington. Trump, no entanto, disse acreditar que Putin é “sincero” em suas intenções de obter a paz.

Novos territórios

Quanto à usina nuclear de Zaporíjia, a maior da Europa, a administração americana propôs que Rússia e Ucrânia compartilhem seu controle.

No local, os trabalhos de reparação das linhas elétricas começaram após um novo cessar-fogo local negociado pela Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), informou a agência neste domingo.

Segundo Trump, os negociadores avançaram nas negociações sobre a usina, que pode “retomar operações quase imediatamente”, disse ele. Putin alertou no sábado que a Rússia continuará sua ofensiva militar na Ucrânia se Kiev não quiser chegar a uma paz rápida. O Exército russo, que avançou nas linhas de frente nos últimos meses, reivindicou neste domingo a tomada de novas regiões ucranianas.

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INSS: empresa que movimentou milhões funcionava em endereço fantasma

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Empresa apontou endereço em condomínio residencial no Jardim Botânico (DF). CNPJ movimentou quase R$ 4 milhões para ONGs investigadas

Uma empresa cujo endereço consta na Receita Federal como sendo no Jardim Botânico, Distrito Federal, movimentou, em apenas dois meses, quase R$ 4 milhões pertencentes a entidades investigadas no caso que ficou conhecido como a Farra do INSS.

A empresa em questão é a Prime Assessoria e Consultoria Financeira LTDA., também registrada como TI Assessoria Financeira. Cadastrada como microempresa – classificação dada a empreendimentos com faturamento anual de até R$ 360 mil, a companhia foi aberta em 2 de janeiro de 2025, no interior de um condomínio.

Metrópoles esteve no endereço e apurou que no local há apenas unidades habitacionais. De acordo com um funcionário do condomínio ouvido pela reportagem, nunca houve registro do empreendimento no residencial – configurando a suspeita de ser uma empresa fantasma.

Segundo o trabalhador, na casa apontada como sendo a sede da empresa mora um homem cujo nome não é mencionado em qualquer documento oficial da TI Assessoria. O portal tentou contato com o morador, mas não obteve sucesso.

Segundo o relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) enviado à CPMI do INSS, o dinheiro movimentado pela empresa é proveniente de depósitos e retiradas feitos pela Associação dos Aposentados do Brasil (AAB) e da Federação dos Agricultores Familiares e Empreendedores Rurais do Centro Sul e Sudeste, ligada a Conafer.

Tanto a AAB quanto a Conafer são investigadas por aplicar descontos ilegais nas aposentadorias e pensões do INSS.

Rendimento incompatível

Conforme os dados, a TI Assessoria recebeu, em dois meses, recursos de forma concentrada das associações investigadas e distribuiu esses valores para mais de 500 contrapartes. Do montante total movimentado na conta da empresa, R$ 1,97 milhão se refere a créditos e R$ 1,95 milhão, a débitos.

A movimentação milionária do empreendimento chamou atenção do sistema de monitoramento de Prevenção à Lavagem de Dinheiro (PLD), que classificou o rendimento da TI Assessoria como “incompatível” com “seu perfil, tempo de existência e porte”.

Segundo o sistema PLD, “não foram identificadas informações que explicassem a movimentação” dos valores da TI Assessoria Financeira. Além disso, na conta da empresa, “não houve manutenção de saldo em conta” devido a “rápida evasão dos recursos”. Após o fluxo milionário, o CNPJ foi encerrado em 5 de maio, quatro meses após ser aberto.

A reportagem apurou que uma das sócias da empresa é Thamyrez Maia de Oliveira, diretora financeira da Conafer. A mulher, segundo um depoimento concedido pelo presidente da associação, Carlos Roberto Ferreira Lopes, à CPMI do INSS, é esposa do presidente do Instituto Terra e Trabalho (ITT) Vinícius Ramos da Cruz – um dos presos no esquema de descontos ilegais. Vinícius é cunhado de Lopes.

Ainda conforme revelado por Lopes à CPMI, o instituto atua como “braço de execução” de várias entidades, incluindo a Conafer.

Sede no mesmo endereço

A Confederação Nacional dos Agricultores Familiares (Conafer) e a Associação dos Aposentados do Brasil (AAB) têm como sede o mesmo prédio empresarial, localizado no Setor Comercial Sul de Brasília, no Distrito Federal.

As informações, que divergem apenas no número da sala, constam no Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica das instituições e foram concedidas à União no momento da criação das empresas. Os CNPJs, inclusive, permanecem ativos, com os mesmos dados, perante a Receita Federal.

Tanto a Conafer quanto a AAB aparecem na lista de Processos Administrativos de Responsabilização (PAR) instaurados pela Controladoria-Geral em setembro deste ano.

A Conafer, por exemplo, teria desviado ao menos R$ 640 milhões de aposentadorias associadas à instituição. Em 17 de novembro, a Polícia Federal cumpriu mandado de prisão contra dirigentes da associação. O presidente, Carlos Roberto Ferreira Lopes, não foi localizado. Ele é apontado como chefe do esquema que contava com núcleos político, financeiro e de comando para cometer as fraudes.

A Associação dos Aposentados do Brasil, por sua vez, também seria responsável por desvios milionários. A AAB, segundo as investigações, teria solicitado descontos em benefícios de pessoas mortas há décadas. Um levantamento feito pela CGU identificou que a instituição solicitou indevidamente, em mais de 27 mil casos, a inclusão de descontos associativos de pessoas já falecidas.

Devido aos fatos, a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do INSS, que apura as fraudes, aprovou requerimento para convocar Dogival José dos Santos, presidente da AAB, para prestar depoimento no Senado Federal. Em 6 de novembro, parlamentares pediram quebra de sigilo bancário e fiscal do dirigente da instituição.

Donos de igrejas no DF

Metrópoles apurou que, antes de comandar a associação, Dogival era motorista. Ele e Lucineide dos Santos Oliveira (outra sócia da AAB) são donos de igrejas evangélicas localizadas na capital da República.

Uma dessas igrejas, em nome da mulher, fica na região do Recanto das Emas (DF). Estranhamente, no mesmo endereço da instituição religiosa, está cadastrada uma empresa pertencente a Samuel Chrisostomo do Bomfim Junior, contador da Conafer.

Metrópoles esteve no local e encontrou apenas a instituição religiosa, erguida entre um centro catequético e um terreno baldio. Apesar disso, segundo dados da Receita Federal, a loja de Samuel está ativa no espaço, o que conduz à suspeita de ser uma empresa fantasma.

Reprodução/ Google Maps

Outros CNPJs distintos em nome de Samuel e de Lucineide operam em um sobrado na mesma região administrativa. Além dos empreendimentos da dupla, funcionam no endereço empresas pertencentes a Cícero Marcelino de Souza Santos, assessor do presidente da Conafer.

Cícero – que chegou a afirmar, durante a CPMI, que lucrava “uns trocos” com o dinheiro que deveria ser destinado aos beneficiários do INSS – foi preso em 17 de novembro, durante operação da PF.

Em 16 de outubro, durante depoimento, Cícero admitiu que abriu empresas para prestar serviços a pedido de Carlos Lopes. Ele disse que recebia planilhas de pagamentos para as entidades da Conafer e, posteriormente, fazia o repasse. Pontuou ainda que não conhece Samuel Chrisostomo, apesar de ter CNPJ de instituição sediada no mesmo local de empresas do homem.

Santos também negou saber de onde vinham os recursos recebidos pela Conafer. Ele e a esposa, no entanto, teriam movimentado R$ 300 milhões da instituição desde 2019.

Durante a CPMI, as empresas de Cícero foram apontadas como empreendimentos de natureza laranja. “A única coisa que estou vendo aqui nesta CPMI é que as pessoas que os sindicatos ajudam são os próprios dirigentes e seus familiares, as empresas dos dirigentes, dos familiares, ou dos laranjas e familiares dos laranjas. E você é um laranja, suas empresas são empresas laranjas”, disse a deputada Adriana Ventura (Novo-SP).

Operação

A Polícia Federal (PF) e a Controladoria-Geral da União (CGU) deflagraram, em 13 de novembro, nova fase da Operação Sem Desconto, investigação que mira esquema nacional de descontos associativos não autorizados em aposentadorias e pensões. A ação mobilizou equipes em 17 estados e no Distrito Federal.

Ao todo, foram cumpridos 63 mandados de busca e apreensão, 10 mandados de prisão preventiva e diversas medidas cautelares. Entre os presos estão:

  • Alessandro Stefanutto – ex-presidente do INSS;
  • Antônio Carlos Antunes Camilo, conhecido como Careca do INSS;
  • Vinícius Ramos da Cruz – presidente do Instituto Terra e Trabalho (ITT);
  • Tiago Abraão Ferreira Lopes – diretor da Conafer e irmão do presidente da entidade, Carlos Lopes;
  • Cícero Marcelino de Souza Santos – empresário ligado à Conafer; e
  • Samuel Chrisostomo do Bonfim Júnior – também integrante da Conafer.

Os alvos estão espalhados por Espírito Santo, Goiás, Maranhão, Minas Gerais, Paraíba, Paraná, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, São Paulo, Sergipe, Tocantins e Distrito Federal.

Como o esquema funcionava

Segundo as investigações, os suspeitos atuavam inserindo dados falsos em sistemas oficiais para incluir beneficiários em associações ou entidades fictícias. A partir disso, eram feitos descontos mensais indevidos diretamente nos pagamentos de aposentados e pensionistas, muitos deles sem qualquer conhecimento sobre as cobranças.

Os alvos são investigados por formar organização criminosa voltada à obtenção de vantagens financeiras por meio de estelionato previdenciário, além de corrupção ativa e passiva para facilitar o acesso fraudulento aos sistemas do INSS.

Também há apurações sobre ocultação de patrimônio, supostamente utilizado para dificultar o rastreamento dos valores desviados

O outro lado

Metrópoles tentou contatar as pessoas envolvidas nessa reportagem tanto por e-mail quanto por telefone, mas não obteve retorno. O espaço segue aberto para futuras manifestações.

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