Brasiléia 114 anos: Conheça história da cidade acreana que já foi ‘Brasília’ com a professora Gislene Salvatierra

Cidade na fronteira do Brasil com a Bolívia tem história multicultural. Professora escreveu livro para contar história do município.

Brasiléia foi fundada no início do século 20 — Foto: Acervo Digital: Dept° de Patrimônio Histórico e Cultural – FEM

Seringal Carmem, Alto Acre, Vila Brasília, Brasília, muitos nomes que revelam uma constante na história da cidade acreana que ao longo dos anos já teve de se reinventar e se reconstruir múltiplas vezes, como em 2024, quando enfrentou a maior enchente de sua história. Brasiléia, uma das cidades mais antigas do estado, completa 114 anos nesta quarta-feira (3).

A região que viria a ser Brasiléia era ocupada até o final do século 19 por dois povos indígenas os Catianas e os Maitenecas. Como ocorreu em todo o Acre, porém, a região passou a ser colonizada a partir de 1879 por imigrantes em busca de riquezas prometidas através da extração de látex. Era o início do 1º Ciclo de Borracha.

“Ela foi povoada primeiro por nordestinos que vieram de longe na época da borracha para tentar ganhar dinheiro e depois voltar às suas cidades natais. Muitos, porém, não conseguiram voltar”, conta a professora Gislene Salvatierra da Silva, mestra em Ciências do Ensino Superior pela Universidade de Pando.

Professora Gislene Salvatierra Silva escreveu livro contando a história da cidade – Foto: Arquivo pessoal

Por Yuri Marcel

Nascida e criada em Brasiléia, a professora de 80 anos sentia falta de um guia sobre a história da cidade e resolveu fazer um por conta própria. “Amo meu município, ele não tinha história registrada, por isso iniciei uma pesquisa e escrevi o livro: Brasiléia nas páginas de nossa historia”, conta.

Segundo ela, durante os primeiros 30 anos de ocupação não havia uma cidade organizada, mas vários seringais que dividiam o espaço. Entre os maiores estavam o Seringal Carmem, Nazaré, Vermont, Canindé e Baturité.

Centro comercial de Brasiléia no começo do século 20 — Foto: Reprodução: Argemiro Lima / Acervo Digital: Deptº de Patrimônio Histórico e Cultural – FEM

De Brasília a Brasiléia

“Foi em um domingo, 3 de julho de 1910 que foi fundada Brasília. Foi escolhida uma faixa de terra do Seringal Carmem em frente a cidade boliviana de Cobija. O local era ocupado apenas por uma estrada de seringa onde trabalhavam vários brasileiros”, explica.

Uma curiosidade sobre a fundação da cidade é que ela foi fundada para abrigar o 3º Termo Judiciário da Comarca de Xapuri.

“Não havia sequer um lugar para que a Justiça pudesse guardar os documentos, eles eram transportados em jamaxis, uns paneiros carregados nas costas. O pessoal ria e dizia que a Justiça brasileira andava jamaxi”, afirma.

Os próprios seringalistas e seringueiros que viviam na região ajudaram a construir a cidade, com investimentos financeiros e mão de obra.

Apenas o Rio Acre separa Brasiléia de Cobija — Foto: Foto: Argemiro Lima /Acervo Digital: Deptº de Patrimônio Histórico e Cultural – FEM

Originalmente um distrito, a localidade fazia parte do Departamento do Alto Acre, que tinha como capital Rio Branco. Nesse período o território do Acre era dividido em quatro departamentos, cada um com uma capital.

Em 1912 foi incorporado ao município de Xapuri, criado naquele ano e assim ficou até dezembro de 1938, quando foi , enfim, elevado a categoria de município.

Um mito acreano difundido há anos conta que o nome da cidade foi alterado de Brasília para Brasiléia após a criação da capital federal. A história, entretanto, não é verdadeira.

Segundo Gislene, a mudança ocorreu em 1943, 17 anos antes da fundação do Distrito Federal, mas ainda assim foi para evitar confusões com o nome de outra localidade.

“Ela mudou de nome por causa de uma cidade mineira mais antiga com nome de Brasília”, explica.

Cidade se chamava Brasília — Foto: Acervo Digital: Dept° de Patrimônio Histórico e Cultural – FEM

‘Sentia que não havia fronteiras’

Uma pecualiridade da cidade é que apenas 150 metros a separa da Bolívia, algo que na opinião da professora fez com que o local se tornasse uma zona multicultural onde os limites da geopolítica não são tão evidentes.

“Eu sentia que não havia fronteiras, por exemplo, meu pai é boliviano e minha mãe brasileira, descendente de nordestinos. Então convivi lá [na Bolívia] e aqui no Brasil. Meu avó brasileiro veio recém-casado, como aqui já era muito povoado, ele foi morar em Cobija e teve 14 filhos que casaram com japoneses, italianos, americanos e sírio-libaneses. Então a gente tem tantos parentes que vivem lá e cá que se sente assim”, conta.

A octogenária diz ainda que apesar dos conflitos entre acreanos e bolivianos durante a Revolução de 1902, uma vez que a situação foi resolvida, ao menos para as comunidades da fronteira, a paz se estabeleceu.

“Eles ganharam um pouco da nossa cultura e nós também ganhamos um pouco da deles. Principalmente na alimentação e costumes. Depois do Tratado de Petrópolis nós convivemos em paz, irmamente”, finaliza.

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Publicado por
G1 Acre