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Bolívia vira santuário do Narcosul, o cartel da droga do PCC
Traficantes investem em fazendas, restaurantes, clínicas; lucro fez facção abrir mão de mensalidade
A dificuldade de atuação da Polícia Federal (PF) no país vizinho e a localização geográfica central na América do Sul transformaram a Bolívia no santuário do Narcosul, como os investigadores chamam o cartel que reúne representantes da cúpula do Primeiro Comando da Capital (PCC) e associados no tráfico internacional de drogas. Eles investem em joias, clínicas médicas, restaurantes, fazendas e passeiam em segurança com as famílias na região de Santa Cruz de La Sierra, centro do poder do grupo e rota de passagem da droga que, vinda do Peru e da Colômbia, se junta à cocaína propriamente boliviana.
Dali, os “narcos” brasileiros se locomovem em aviões e helicópteros para passar férias nas praias do Nordeste, onde fecham negócios com as ndrine, as famílias que integram a ’Ndrangheta, a máfia da Calábria. Mais poderosa das organizações criminosas da Itália, ela fica com 40% de toda a droga que o PCC negocia na Europa. Esse é o imposto para que os carregamentos de cocaína da América do Sul possam circular pelo continente. Ali, o quilo da droga, adquirido em Santa Cruz de La Sierra por US$ 1 mil, alcança até US$ 35 mil.
Fotografias e mensagens inéditas apreendidas nos telefones celulares do traficante Anderson Lacerda Pereira, o Gordo, e informações das inteligências do sistema prisional, da PF e da Polícia Civil paulista mostram a ostentação e o cotidiano dos líderes do cartel. Dono de uma rede de clínicas médicas em São Paulo, Gordo estaria investindo no mesmo ramo na Bolívia.
“O Narcosul, o cartel do PCC, é a organização criminosa que mais cresce hoje no mundo”, afirma o procurador de Justiça Márcio Sérgio Christino, responsável em 2002 pela primeira denúncia contra a cúpula da facção, quando Marco Willians Herbas Camacho, o Marcola, começava a ascender ao topo do grupo.
LUCRO
Depois disso, muita coisa mudou. O lucro com o tráfico internacional de drogas, estimado em mais de R$ 1,5 bilhão por ano, cresceu tanto que a facção decidiu, em agosto passado, suspender a cobrança de mensalidade de R$ 950 de seus integrantes em liberdade.
Essa contribuição, chamada de Cebola, era obrigatória desde os anos 1990, e servia para manter despesas como o PCC TUR, os ônibus que levam de São Paulo familiares de encarcerados até presídios no oeste do Estado. Também era usada para pagar os serviços da Sintonia dos Gravatas, o departamento jurídico da facção, cestas básicas e outros serviços do chamado “populismo carcerário” da organização.
“Isso só foi possível graças ao tráfico internacional”, diz o promotor Lincoln Gakiya. Ameaçado de morte pelo PCC, Gakiya é responsável pela Operação Sharks, que identificou os chefes da facção que assumiram o controle da organização nas ruas depois do acerto de contas que matou, em 2018, Rogério Jeremias de Simone, o Gegê do Mangue. O principal deles é Valdeci Alves dos Santos, o Colorido, de 49 anos.
Colorido é o responsável pela logística do tráfico feito em nome do grupo. Homens do PCC e seus associados podem comprar, transportar e vender da “família”, mas também mantém negócios pessoais. “Eles se unem para transportar em um mesmo caminhão, avião ou contêiner droga de mais um traficante”, afirma Gakiya.
Integrantes da Polícia Federal ouvidos pelo Estadão apontam três razões para que o PCC aja com desenvoltura na Bolívia, apesar de o Brasil manter acordo de colaboração policial com o País. O primeiro seria a resistência da Polícia Nacional boliviana em atuar em parceria com a DEA, a agência antidrogas americana. A segunda, uma certa rivalidade com o Brasil e, por fim, a possibilidade de os narcotraficantes contarem com a proteção de policiais e militares corruptos.
Caso exemplar envolve a prisão de Gilberto Aparecido dos Santos, o Fuminho, sócio de Marcola e líder do Narcosul. Ele permaneceu 20 anos foragido e só foi apanhado em 2020, em Moçambique, por meio de uma ação que contou com a ajuda da DEA. Fuminho estava na África desde março de 2018 abrindo novas rotas de tráfico para o Oriente e para a Europa com a ajuda de nigerianos. O objetivo seria se livrar do pedágio da ’Ndrangheta e, assim, aumentar seus lucros.
Antes, morava na Bolívia sem ser incomodado. Comprou uma fazenda e produzia folhas de coca modificadas geneticamente, tornando-se sócio de produtores bolivianos. “Uma vez, uma equipe de investigadores brasileiros chegou a tê-lo a cinco metros de distância, na Bolívia, mas não pôde fazer nada”, conta Gakiya.
A Bolívia, segundo ele, ocupou a posição que nos anos 1990 era do Paraguai. Exemplo disso é que Marcola foi preso em 1999, em São Paulo, quando voltava do Paraguai, onde comprara uma fazenda. É na Bolívia que a facção mantém sua frota de aeronaves. “Fuminho tinha um Citation avião fabricado pela Cessna com o qual se deslocava”, diz Gakiya.
Hoje, essa frota é controlada por Colorido e pelos associados, como o Gordo. Nascido em Jardim de Piranhas, no Rio Grande do Norte, Colorido está foragido desde 2014, quando saiu do presídio de Valparaíso, interior paulista, após receber o benefício da saída temporária no Dias dos Pais.
Ele foi preso pela primeira vez em 1993, em Atibaia (SP), acusado de uma lesão corporal. Nos dez anos seguintes, seria acusado meia dúzia de vezes por tráfico, receptação, formação de quadrilha, falsidade ideológica e homicídio, até ser preso. Passou onze anos na cadeia, envolveu-se em duas rebeliões e ascendeu na facção. “Ele se tornou o principal articulador do tráfico internacional do PCC”, afirma Gakiya.
Na Bolívia, Colorido controla ainda uma frota de caminhões para o transporte da droga. Tem como braço direito Sérgio Luis de Freitas, o Mijão. Mijão seria dono de um restaurante em Santa Cruz de La Sierra. Outros traficantes da facção também investem parte do dinheiro na Bolívia. Nos quatro celulares de Lacerda, o Gordo, apreendidos pelo 4.º Distrito Policial de Guarulhos, em 2020, a perícia achou fotografias dele inspecionando aviões em Santa Cruz de La Sierra, além de festas e passeios de sua família no País. Ele ainda fotografou sedes de empresas e até mesmo reuniões com supostos fornecedores de droga em um bar. “As imagens mostram uma rotina absolutamente tranquila dele na Bolívia”, conta o delegado Fernando Santiago, que comandou a Operação Soldi Sporchi e está no Departamento Estadual de Investigações sobre Narcóticos (Denarc).
Traficantes como Gordo usam criptomoedas nas transações internacionais. “Eles pagam até US$ 20 mil por ‘voo cego’ feito por pilotos de aeronaves para o Brasil”, afirma Lacerda. Gordo integra o grupo que cresceu na Baixada Santista, com laços fortes com a estiva do Porto de Santos. É aqui que entra aquele que é apontado pela PF como o maior traficante de drogas ligado à facção: trata-se de André de Oliveira Macedo, o André do Rap, que conta entre seus associados Suaélio Martins Leda, o Canam, e Moacir Levi Correia, o Bi da Baixada. Gordo, Leda, Correia e André do Rap foram soltos por decisões judiciais entre 2016 e 2020 – dois por meio de habeas corpus, um em razão da covid-19 e outro recebeu o direito de responder ao processo por tráfico em liberdade. “Todos estão operando a partir da Bolívia”, conta o delegado Rodrigo Costa, responsável pelo núcleo da PF que investiga a facção em São Paulo.
REFÚGIO
A Bolívia ainda é apontada como o refúgio de Marcos Roberto de Almeida, o Tuta, outro investigado na Operação Sharks. Tuta era adido comercial do consulado de Moçambique em Belo Horizonte e é apontado pela inteligência prisional como o chefe da facção nas ruas. O país africano era o destino de um carregamento de 5 toneladas de cocaína que a PF surpreendeu no dia 5, no porto do Rio. Escondida em caixas de sabão em pó, a carga foi a maior apreensão da história do Rio.
Da África, a droga iria para Las Palmas, na Espanha. A passagem por Moçambique era uma forma de driblar a vigilância das cargas vindas da América do Sul em portos europeus. Ela indica ainda uma nova rota do cartel – além dos portos de Santos e Itajaí (SC), a facção costuma usar Fortaleza, Recife e Natal para escoar a droga para Europa, África, Ásia e Estados Unidos. Recentemente, a facção teve um carregamento descoberto em Buenos Aires e, agora, no Rio.
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Brasil teme crise migratória no Acre após Peru e Chile aumentarem controles

(Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)
Autoridades temem que decreto peruano que entrará em vigor em outubro possa gerar fluxo em massa
“No Peru, é difícil conseguir documentação. Eu praticamente não existia no Peru. Não consegui abrir conta no banco”, conta Andreina Veliz Ramirez, 37, imigrante venezuelana. Hoje, ela mora em Rio Branco, no Acre, depois de quase cinco anos no país vizinho, onde trabalhou como auxiliar de cozinha e vendedora ambulante.
Andreina foi um dos 3.375 venezuelanos que ingressaram no Brasil em 2022 pela fronteira do Acre com o Peru, um aumento expressivo em comparação com 2021, quando 1.862 entraram, e com 2020, quando 572 entraram, segundo dados coletados pela Polícia Federal no município fronteiriço de Assis Brasil e obtidos pela BBC News Brasil.
No passado, haitianos eram maioria, mas, hoje, os venezuelanos são, com quase exclusividade, o maior grupo estrangeiro que entra no Brasil pela fronteira com o Acre. Desde o ano de 2020, mais de 8.500 venezuelanos cruzaram a fronteira Brasil-Peru-Bolívia pela cidade de Assis Brasil. Só até 12 de setembro deste ano, foram 2.706.
Especialistas locais ouvidos pela BBC News Brasil explicam que o endurecimento das regras da migração no Peru e no Chile, incluindo a militarização das fronteiras desses dois países, contribuem para esse aumento de migrantes venezuelanos para o Brasil.
O número crescente de imigrantes já sobrecarrega abrigos, segundo as autoridades locais, e desperta temores de uma nova “crise migratória”, como visto no estado em 2013 e 2021.
Lá fora
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Esses receios são acentuados por um decreto do Peru que pretende expulsar estrangeiros indocumentados e entrará em vigor em 28 de outubro. “Esta nova política nos preocupa muito, porque seremos aquele local para onde os imigrantes vão recorrer na primeira hora”, diz Letícia Mamed, professora e pesquisadora da Universidade Federal do Acre (Ufac) que estuda migração no Brasil.
“Não consigo nem imaginar como isso não vai sobrecarregar nossas bases de apoio aqui, porque elas existem, mas são pequenas”, acrescenta.
Procurado pela BBC News Brasil, o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur) no Brasil, reconheceu a gravidade da situação do Acre e afirmou que “a América Latina e o Caribe enfrentam uma crise de deslocamento sem precedentes, tanto em sua complexidade quanto em sua escala”.
“O deslocamento forçado na região, inclusive através das fronteiras do Acre, está sendo gerado por causas básicas, contínuas e intensas, como violência, insegurança, desigualdade e violações dos direitos humanos”, observa o Acnur. “Esta situação é agravada pelo aumento da xenofobia e pelo pesado tributo que a pandemia da Covid-19 causou às pessoas mais vulneráveis da região.”
Semana passada, a Anistia Internacional lançou o relatório “Regularizar e Proteger: Obrigações Internacionais para a Proteção dos Cidadãos Venezuelanos” que destacou o “crescente êxodo de venezuelanos” e “o fracasso da Colômbia, Peru, Equador e Chile em cumprir suas obrigações”.
“As diversas medidas e programas que [esses países] estão a implementar para oferecer o estatuto regular de migrantes não cumprem os padrões definidos pelo direito internacional. Estes estados têm a oportunidade e a obrigação de proteger com urgência os mais de 5 milhões de venezuelanos nos seus territórios”, afirmou Ana Piquer, diretora para as Américas da Anistia Internacional.
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‘Brasil abre os braços, mas não abraça’
As autoridades do Acre já sentem a pressão migratória. O estado tem três casas de passagem, locais onde os imigrantes podem tomar banho, comer e dormir e depois seguir viagem.
Uma fica em Assis Brasil, na fronteira com o Peru; outra em Brasiléia, a duas horas de carro da fronteira; e outra em Rio Branco.
Aurinete Brasil, assessora técnica regional da organização humanitária Cáritas no Acre, conta à BBC News Brasil que, quase todos os dias, cada casa está operando perto ou acima da capacidade.
Às vezes, estes locais recebem até o dobro de pessoas do que o número máximo para o qual foram planejados, observa a assessora. “O Acre não tem condições hoje de acolher 200 pessoas, se chegarem ao mesmo tempo”, diz ela.
“Infelizmente, nosso estado não tem uma política adequada de acolhimento, integração, proteção ao migrante e refugiado. Assim como a maioria dos estados”, acrescenta. “O Brasil abre os braços, mas não abraça.”
Ela destaca as violências sofridas no estado por imigrantes que não têm onde ficar. “Se ele [o imigrante] não tiver dinheiro para pagar uma noite no hotel, ele acaba nas ruas, vulnerável a todo e qualquer tipo de violência”, afirma.
“Pode ser abordado por narcotraficantes, também por pessoas em situação de rua que estão em situação de dependência de drogas, [pode sofrer] violência. Já acolhemos muitas imigrantes que foram violentadas nas ruas. Se for mulher a violência é dobrada, triplicada.”
Temor de nova crise migratória
Em junho deste ano, o governo do estado montou uma espécie de gabinete de crise para colher informações dos órgãos policiais e das instituições que trabalham com atendimento a imigrantes.
Uma equipe interministerial do governo federal visitou o estado no mês seguinte com o objetivo de conhecer as dificuldades nos serviços oferecidos aos migrantes.
“A missão do governo federal realizou visitas técnicas a autoridades locais para tratar da situação migratória em municípios do Acre. Visitou casas de passagem, com o intuito de conhecer a realidade local e definir estratégias de apoio ao estado e aos municípios, por meio de um esforço interministerial”, informou o Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome.
A BBC News Brasil também solicitou um posicionamento à secretaria de Direitos Humanos do Acre, liderada pelo pastor Alexander de Carvalho, mas, depois de quase duas semanas, não obteve retorno até a publicação desta reportagem.
A pasta, porém, enviou por engano para a BBC uma resposta direcionada para uma outra autoridade que confirmou que o “estado do Acre é visto como uma porta de entrada do Brasil”.
A principal rota de entrada de venezuelanos no Brasil continua sendo Roraima, estado que faz fronteira com a Venezuela e que também registrou aumento de fluxo esse ano, com média mensal de cerca de 12 mil venezuelanos que entram no país pelas cidades Pacaraima e Boa Vista, segundo o general Helder de Freitas, coordenador Operacional da Operação Acolhida, programa que reassenta Venezuelanos no Brasil.
A partir de Roraima, desde 2018, mais de 100 mil imigrantes foram reassentados em todo o Brasil, muitos nos estados do Sul do país, como parte do programa Operação Acolhida, segundo dados do governo federal, que opera o programa.
Autoridades do Acre e especialistas ouvidos pela BBC News Brasil esperam que o governo federal adote um programa similar para o estado, adequado às necessidades e realidade local do Acre.
Sentimento anti-imigração no Peru
O Brasil é o terceiro país que mais recebe refugiados e imigrantes venezuelanos na região —477.493, em agosto de 2023—, atrás da Colômbia (2,9 milhões) e do Peru (1,5 milhão), de acordo com a Plataforma de Coordenação Interinstitucional para Refugiados e Migrantes da Venezuela (R4V).
Os venezuelanos começaram a deixar o seu país em números significativos em meados da década de 2010. Muitos venezuelanos procuram melhores oportunidades e condições de vida no exterior.
A emigração em massa da Venezuela ganhou impulso por volta de 2015 devido a uma grave crise econômica e política que assolou o país, caracterizada por hiperinflação, escassez de alimentos e medicamentos, instabilidade política e agitação social.
Até hoje, segundo a Acnur, mais de 7,7 milhões de Venezuelanos deixaram o país em busca de uma vida melhor, e a maioria —mais de 6,5 milhões de pessoas— foi acolhida em países da América Latina e Caribe.
Em discurso no Dia da Independência do Peru, em 28 de julho, a presidente Dina Boluarte classificou alguns imigrantes como “criminosos” e apelou por uma mudança para facilitar deportações.
Também reforçou que, quando o atual prazo para solicitar a regularização temporária expirar em 28 de outubro, não haverá mais regularizações, e o país passará a deportar os imigrantes indocumentados. “Não haverá prorrogação. Aqueles que não cumprirem [o prazo para solicitar a regularização] serão expulsos do país.”
Para Cécile Blouin, professora da Universidade Católica do Peru, o discurso reflete o clima atual no país. “Em 2017, você tem o primeiro momento de recepção de migrantes venezuelanos. E você tem o momento de acolher, [quando se dizia]: ‘Ah, eles estão fugindo desse terrível governo de esquerda, e temos que ajudá-los’. Mas isso não durou muito”, diz a pesquisadora.
Blouin critica a fala de Boluarte. “É um discurso que reflete muita xenofobia, no governo, no Congresso, em todos os Poderes do Estado, mas também na população.”
Dina Boluarte é a sétima pessoa a ocupar a presidência do Peru desde 2015, tendo substituído o esquerdista Pedro Castillo, de quem era vice, em dezembro de 2022. Castillo sofreu impeachment pelo Congresso e foi detido sob acusações de ter tentado um golpe de Estado.
Mais de 60 pessoas foram mortas em protestos no início deste ano, e Boluarte enfrentou apelos para renunciar, com desaprovação de seu mandato por 90% da população. A rejeição ao atual Congresso peruano é ainda maior, de 94%.
Tal como o Peru, o Chile também assistiu a uma onda xenofóbica, personificada pelo candidato presidencial de direita radical José Antonio Kast, cuja derrota nas eleições de 2021 foi precedida por uma onda de violência anti-imigrantes na cidade de Iquique.
O candidato de esquerda Gabriel Boric ganhou as eleições e assumiu o poder em 2022, mas também tem trabalhado para endurecer regras migratórias. Desde fevereiro, o governo enviou tropas ao longo das suas fronteiras com a Bolívia e o Peru, a fim de impedir a entrada de imigrantes sem documentos, na sua maioria venezuelanos.
Em abril, o governo peruano declarou estado de emergência e ordenou o envio das suas Forças Armadas para sua fronteira com Chile, em uma decisão que foi criticada pela Anistia Internacional e que deixou centenas de migrantes, em sua maioria venezuelanos, presos no deserto do Atacama.
A presidente do Peru culpou abertamente os migrantes pelo aumento da criminalidade no país. “Aqueles que cometem assaltos, roubos e outros atos criminosos diariamente são estrangeiros. Por isso temos que reformular a lei de imigração”, disse a presidente.
“É uma retórica muito fácil, mas que não é apoiada por quaisquer fatos concretos”, diz Cécile Blouin. “Existe a ideia de que, antes da migração venezuelana, o Peru era muito seguro, mas nunca foi assim. Há muitas inseguranças de longa data, sentidas pela população em relação ao crime organizado, ao tráfico de drogas e ao Sendero Luminoso [grupo guerrilheiro peruano criado nos anos 1960].”
Além da xenofobia, Blouin destaca as complexidades da regularização de imigrantes venezuelanos no Peru —custos financeiros, tempo, burocracia, regras complexas, deslocamento—, especialmente para famílias com vários filhos.
Embora Blouin e outros especialistas ouvidos pela BBC Brasil duvidem da capacidade do Estado peruano de expulsar centenas de milhares de pessoas, ela diz que o decreto governamental cria um “clima de medo” em que as pessoas “convivem com o receio da deportação”. “O outro problema do Peru é que a regularização não é gratuita. É preciso pagar, fazer a papelada, gastar dinheiro com isso”, diz ela sobre a taxa de regularização de 47,5 soles peruanos (R$ 62).
Dificuldade de se regularizar
Andreina Veliz Ramirez, imigrante venezuelana que mora hoje em Rio Branco, diz que sabe bem das dificuldades para se regularizar no Peru. Nascida em Guatire, a uma hora de carro da capital venezuelana, Caracas, e formada em administração, ela deixou o emprego em um banco na Venezuela em 2017, quando o colapso econômico do país se agravou.
Chegando ao Peru, teve dois empregos durante pouco mais de um ano. Pela manhã, trabalhava como auxiliar de cozinha e, à tarde, como vendedora ambulante. Depois de algum tempo comprou um freezer e bebidas e se dedicou apenas ao comércio.
Ela diz que chegou a vender até 700 garrafas de água e refrigerante num dia só, trabalhando como vendedora ambulante autônoma na cidade de Ica, a 300 km da capital Lima. Em um dia bom, ganhava 150 soles peruanos (cerca de R$ 200). Mesmo assim, era uma vida longe de ser fácil.
Dicas do Editor
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“Lá [no Peru] você tem a oportunidade de ganhar muito dinheiro. Mas você vive mal, vive triste, estressada, sempre cansada”, diz.
A dificuldade de se regularizar no país foi uma das duas principais razões para a saída, além da precariedade dos serviços públicos —a escola do filho era ruim e era preciso pagar. “Na cidade em que morava, não podia fazer a regularização, então eu precisava ir para Lima, com meu filho pequeno.”
Frustrada, ela então ouviu que “o Brasil é melhor, a documentação é mais fácil”. Chegando ao Acre, trabalhou em uma pizzaria em Brasiléia. “É uma cidade pequena, com poucas oportunidades para crescer, mas eu fui acolhida muito bem.”
A rota migratória do Acre
A rota migratória do Acre começou a receber maior fluxo de pessoas a partir de 2010, quando o terremoto no Haiti levou à entrada de grande número de haitianos, seguidos por africanos, principalmente do Senegal.
Em 2013, houve uma crise causada pela superlotação de um abrigo, que tinha capacidade para 200 pessoas, mas se tornou moradia temporária de mais de 1.300, para imigrantes principalmente haitianos, na cidade de Brasiléia.
De acordo com dados do governo estadual, nos anos de 2012, 2013, 2014 e 2015, o governo do Acre atendeu 42 mil migrantes, a maioria do Haiti. Mais recentemente, em 2021, durante a pandemia, um grupo de dezenas de imigrantes, na maioria haitianos, segundo a imprensa local, ficou acampado na Ponte da Integração, que conecta Iñapari no Peru com Assis Brasil, sem possibilidade de entrar no Brasil ou voltar ao Peru.
A rota do Acre também é usada em menor, escala por imigrantes que estão indo para os EUA. No início de setembro, três motoristas de táxi foram presos pela Polícia Federal levando 22 imigrantes vietnamitas para Assis Brasil.
A rota é usada para subir pela América do Sul até o estreito de Darién, selva que conecta a Colômbia com o Panamá e por onde esse ano já passaram 300 mil migrantes, segundo dados do próprio governo do Panamá. Em comparação, menos de 250 mil cruzaram a fronteira por esse caminho em todo o ano de 2022.
De Darién, os imigrantes, em sua maioria, continuam subindo para os EUA, onde, só em agosto deste ano, 91 mil pessoas foram presas na fronteira com o México, informou o jornal The Washington Post. “Esse fluxo, que vem desde 2010, quando foi inaugurada essa rota, pelos imigrantes haitianos, nunca deixou de ser usado por imigrantes de todo o mundo”, diz Letícia Mamed, da Ufac.
“Em 2010, eu imaginava que a situação dos haitianos era uma coisa passageira, relacionada ao terremoto, e que iria acabar. Mas não, na verdade os haitianos desbravaram essa rota, de acesso ao Brasil, e desde então a rota foi configurada, enraizou-se e é acessada por todas as nacionalidades que você pode imaginar.”
‘Difícil ganhar dinheiro’
Hoje, em Rio Branco, Andreina Veliz Ramirez mora em um apartamento de um quarto, com o filho de 8 anos matriculado em uma escola pública. Ela vende água de coco e recebe o auxílio do Bolsa Família, direito que ela e todos estrangeiros registrados têm no Brasil.
Para os imigrantes, diz Letícia Mamed, da Ufac, mesmo que às vezes haja dificuldade para achar emprego, a rede de proteção social do Brasil pode ser considerada boa. “O Sistema Único de Saúde é uma coisa incrível para os imigrantes”, afirma, lembrando que o SUS opera em regime de “porta abertas” atendendo a todos, brasileiros ou não.
“Eles consideram: ‘Mesmo que eu não tenha um bom emprego aqui, tenho políticas públicas’. Então esse é um elemento que favorece para eles ficarem no Brasil ou pelo menos procurarem o Brasil até um dia poderem ir para os países mais avançados economicamente, como os EUA e locais da Europa.”
Mas a vida dos imigrantes no Brasil, especialmente em estados mais pobres como o Acre, pode não ser fácil. “É difícil ganhar dinheiro”, lamenta Andreina. “Tenho um currículo extenso mas não consigo emprego formal. Tenho um filho pequeno e não consigo ir muito longe.”
Este texto foi publicado originalmente aqui.
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Deputado Tadeu Hassem clama por segurança nas fronteiras do Alto Acre
Nos últimos dias, o parlamentar Tadeu Hassem (Republicanos) vem realizando inúmeros movimentos em suas redes sociais e articulações políticas com representantes da segurança pública, destacando a importância e a necessidade emergencial de assegurar a segurança na região de fronteira. O parlamentar, que é uma representatividade ativa da população da região, afirma que a população clama por segurança. “Precisamos avançar, chegamos em um patamar inaceitável. Sobretudo, com furtos e roubos no centro, causando sensação de total insegurança nas famílias e comércio do Alto Acre”, afirma o parlamentar.
Mesmo o governo do Acre tendo realizado inúmeras ações, com dedicação total da Secretaria de Segurança Pública, por meio das Polícias Civil e Militar, a segurança na fronteira é uma tratativa nacional. O enfrentamento não é somente de pequenos assaltos, mas também de motos, carros, colocando em risco até mesmo estudantes que precisam andar diariamente na fronteira.
As Prefeituras de Brasileia e Epitaciolândia precisam de investimentos, suporte e apoio logístico. O Acre tem suas diferenças, e a fronteira suas peculiaridades, que precisam ser tratadas como uma prioridade nacional. Afinal, as fronteiras representam o principal acesso do crime organizado por facções, violência contra a mulher, além de entrada de drogas.
O parlamentar destaca que é a única forma de assegurar segurança para as famílias, comércio e estudantes e uma ação em conjunto em todos os poderes ligados ao sistema de segurança. “Precisamos assegurar o direito à segurança, para que um cidadão acreano tenha condições legais de recuperar seu bem, moto ou carro que, em qualquer situação de risco, nossa população tenha garantias legais que suas necessidades serão atendidas pelos poderes.
‘’Não estamos falando somente do aumento do quadro efetivo das polícias. Destaco que é preciso o investimento em bases operacionais, partilhamento de informações de inteligência, monitoramento aéreo e fluvial, pelos nossos rios e florestas. Além do combate à criminalidade e ao tráfico de drogas, também iremos alcançar e minimizar os crimes ambientais”, destaca Hassen. De acordo com pesquisas, a Região Amazônica é ideal para o cultivo de cocaína e maconha. Nessas áreas, o avanço do desmatamento é menor do que em outras localidades, exclusivamente por conta da produção de drogas.
A segurança pública nas fronteiras do Brasil é um direito constitucional de toda população. O movimento tem como objetivo compreender as dificuldades e desenvolver um plano estratégico que envolva ações em conjunto das Prefeituras Municipais de Brasileia e Epitaciolândia, governo do Acre e governo federal.
Assessoria de Comunicação – Deputado Tadeu Hassem
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Professor da Universidade de Pando é alvo de calúnia e difamação após anulação de exames de estudantes brasileiros
O mesmo chegou a sofrer ameaças de morte por meios de comunicações sociais
Um renomado médico e docente da matéria de urologia da Universidade Amazônica de Pando, (UAP), uma das maiores universidade federais de medicina na fronteira, foi alvo de calúnia e difamação após anular os exames de seis alunos brasileiros que estudam medicina na Bolívia, que desrespeitaram as regras utilizando-se de cola para realizarem avaliação segundo o relato do Doutor.
Segundo informações apuradas, os estudantes haviam colado durante a prova e, como punição, seus exames foram anulados. No entanto, uma das alunas, sentindo-se prejudicada, decidiu denunciar o docente por supostos abusos de autoridade. A denúncia foi divulgada em um site de notícias, que acusava o docente de realizar ações ilícitas contra os estudantes, incluindo pressão psicológica e assédio.
Tanto o docente quanto os demais alunos do curso só tomaram conhecimento da denúncia após a publicação da foto da turma no veículo de comunicação. Diante da gravidade das acusações, vários estudantes da universidade decidiram se manifestar em defesa do doutor firmando uma carta de apoio ao docente da Carrera e pedindo um espaço ao jornal Oaltoacre para a divulgação dos fatos.

Carta de apoio ao Dr. ora difamado por calunia
Com a repercussão da denúncia, o Dr. R.H.V , sentindo-se prejudicado e chegou a ser ameaçado de morte por meio de ligação e mensagens anônimas em seu WhatsApp, as ameaças eram reportadas a obrigar o docente a rever a situação da anulação dos exames, caso contrário o mesmo estava correndo risco de vida, tendo em vista a repercussão e seriedade do caso o mesmo decidiu suspender suas aulas até que a verdade seja esclarecida. Não se sabe ainda de onde partiu tais ameaças que estão sendo investigadas pela justiça. O docente a todo o tempo colaborou com as investigações para provar sua inocência e esclarecer os fatos de forma justa. A universidade que realizou a investigação do caso de forma imparcial, garantiu total apoio ao docente que desde o princípio esclareceu os fatos e apresentou provas concretas quanto sua inocência do ocorrido.
A situação evidencia a importância de se seguir as regras e ética durante as avaliações acadêmicas. O plágio e a cola são práticas inadequadas e desrespeitosas, que não devem ser toleradas em qualquer ambiente educacional. É fundamental que os estudantes compreendam os valores da honestidade acadêmica e entendam as consequências de suas ações.
Enquanto aguardamos o desfecho das investigações, é necessário que a verdade prevaleça e que todos os envolvidos sejam ouvidos. A defesa do Dr. Hidalgo pelos estudantes mostra o reconhecimento de seu trabalho e a confiança depositada nele como um profissional experiente e respeitado. Alunos esperam que a justiça seja feita e que a integridade do docente seja restabelecida.
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