Brasil

Análise: Como Hamas continua sendo uma ameaça mesmo com cessar-fogo em Gaza

Conteúdo Exclusivo da CNN: Relatos indicam execuções nas ruas do território palestino e em áreas ainda controladas pelo grupo radical

Membros do Hamas durante demonstração militar na Cidade de Gaza em 2017 • Chris McGrath/Getty Images

Após a visita do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, ao Oriente Médio, quando o acordo de cessar-fogo entre Israel e o grupo palestino Hamas foi assinado, os obstáculos começam a ficar visíveis. O mais difícil deles pode ser, mais uma vez, o grupo.

Sob este novo acordo, o Hamas não representa mais uma ameaça para Israel. No entanto, continua sendo uma ameaça significativa para os palestinos — e para uma paz mais ampla.

Ao longo da última semana, surgiram relatos de áreas de Gaza ainda sob controle do grupo indicando que eles estão cercando palestinos que possam se opor ao seu governo e realizando execuções nas ruas.

Isso demonstra mais uma vez que os objetivos do Hamas não têm nada a ver com dignidade e justiça para os palestinos, mas apenas com a manutenção de seu controle absoluto sobre a Faixa de Gaza.

Não há dúvidas: enquanto o Hamas permanecer como único provedor de segurança para a população em Gaza, não há esperança para a reconstrução do território e nem para uma paz duradoura.

Novo mapa de Gaza

A primeira fase do acordo proposto por Trump para a Faixa de Gaza efetivamente divide o território em duas partes, com as forças israelenses controlando mais da metade do território e o Hamas controlando o restante.

Esta delimitação é marcada por uma linha amarela e, segundo o plano, permanecerá como status quo até que uma força de segurança internacional interina possa substituir as unidades israelenses.

Mapa mostra até onde militares de Israel devem recuar na Faixa de Gaza com primeira fase de acordo • Arte/CNN Brasil

Este novo mapa representa uma retirada massiva do Hamas — algo que o grupo terrorista nunca havia contemplado ao longo de um ano de difíceis negociações sobre cessar-fogo e libertação de reféns.

O resultado também atende a uma das principais exigências de Israel desde o início: garantir que o grupo nunca mais possa se reorganizar próximo ou em qualquer lugar perto das fronteiras de Israel.

Mas e quanto ao Hamas nas áreas acima da linha amarela?

O acordo de Trump determina que mesmo lá o grupo deve se desarmar e não pode permanecer no poder em nenhuma circunstância.

Esta semana, o presidente americano deixou claro que pretende manter essa posição, advertindo na quinta-feira (17) que se o Hamas continuar matando pessoas em Gaza, “Não teremos escolha a não ser entrar e matá-los.”

É aqui que o caminho adiante se torna extremamente difícil. Porque o Hamas não é apenas um grupo terrorista que se esconde para planejar ataques contra Israel; é o aparato político e de segurança enraizado em toda Gaza e passou as últimas duas décadas garantindo que não houvesse nenhum desafiante palestino ao seu reinado.

Ascenção do grupo

Em janeiro de 2006 os radicais demonstraram uma força surpreendente em uma eleição realizada na Faixa de Gaza.

O Hamas é um grupo terrorista comprometido com o assassinato de judeus e a destruição de Israel. Sua participação nas eleições parlamentares daquele ano — eleições que foram apoiadas pela administração do ex-presidente dos Estados Unidos, George W. Bush — ameaçava qualquer progresso em direção à paz.

“Acho que um erro que cometemos com o Hamas foi que realmente deveríamos ter exigido que eles se desarmassem se quisessem participar das eleições”, relembrou Condoleezza Rice, então secretária de Estado dos EUA, anos depois.

O Hamas acabou tomando violentamente o poder em todo o território palestino, torturando e matando seus opositores do partido rival Fatah, que havia se comprometido com um processo de paz com Israel.

Este violento golpe culminou em junho de 2007, quando o Hamas assumiu à força o controle de todo a faixa, situação que permanece até hoje — com o grupo controlando Gaza e o Fatah, por meio da Autoridade Palestina, controlando partes da Cisjordânia.

Homens das Brigadas Izz al-Din al-Qassam, ala militar do Hamas, durante marcha militar anti-Israel na cidade de Gaza • Yousef Masoud/SOPA Images/LightRocket via Getty Images

Agora sabemos que o Hamas não fez nada para melhorar a vida dos palestinos. Em vez disso, desperdiçou recursos para construir uma fortaleza subterrânea de túneis que se estende por centenas de quilômetros sob toda Gaza.

Treinou formações militares e construiu um arsenal para se preparar para uma futura guerra prolongada com Israel.

Esta é a guerra que o Hamas lançou em 7 de outubro de 2023, quando mais de três mil combatentes treinados invadiram Israel por múltiplas direções, matando mais de mil israelenses e fazendo mais de 250 reféns.

O sofrimento dos palestinos quando Israel respondeu, como um líder do Hamas recentemente disse a Jeremy Diamond da CNN, sempre fez parte do plano dos radicais.

Negociações com o Hamas

Durante os primeiros 16 meses da crise dos reféns na Faixa de Gaza, ajudei a liderar negociações entre Israel e Hamas, resultando em dois acordos de cessar-fogo.

O primeiro acordo ocorreu em novembro de 2023 — um compromisso para libertar todas as mulheres e crianças, incluindo avós e crianças pequenas.

O acordo resultou na libertação de mais de 100 reféns antes que o Hamas, no oitavo dia, informasse aos mediadores que não libertaria as mulheres mais jovens. Isso constituiu uma violação completa do acordo.

Nas negociações que se seguiram, o grupo manteve três demandas consistentes que dizia precisarem ser atendidas antes que todos os reféns pudessem ser libertados:

  1. As forças israelenses teriam que se retirar totalmente de Gaza;
  2. O Hamas permaneceria como a única força de segurança dentro de Gaza;
  3. Israel declararia uma trégua permanente, garantida pelos EUA.

Isso significava que Israel teria que aceitar o Hamas se reconstituindo e se reposicionando diretamente em suas fronteiras, algo que os israelenses nunca permitiram.

O grupo palestino nunca cedeu nestas exigências, usando os reféns como moeda de troca para garantir que permaneceria no poder e teria permissão para se reconstituir e eventualmente ameaçar novamente Israel e seus cidadãos — como seus líderes repetida e consistentemente prometeram fazer mesmo após 7 de outubro de 2023.

O Hamas rejeitou qualquer proposta de um perímetro israelense limitado em Gaza ou de forças de segurança provisórias, seja da Autoridade Palestina ou de colaboradores internacionais.

Diante deste impasse, os Estados Unidos, junto com Egito e Catar, desenvolveram um acordo em fases que visava interromper a guerra e trazer de volta o maior número possível de reféns, mesmo enquanto as conversas continuariam em relação aos arranjos de longo prazo para uma trégua permanente.

As três fases, em linhas gerais, eram as seguintes:

  • Fase um: Retirada israelense limitada e cessar-fogo de 42 dias em troca da libertação de todas as mulheres, idosos e reféns feridos restantes;
  • Fase dois: Negociação subsequente durante esses 42 dias para determinar as “condições” para uma retirada israelense completa e a libertação de todos os reféns restantes;
  • Fase três: Troca de restos mortais e início de um programa plurianual de reconstrução para Gaza, apoiado por potências globais.

Esse acordo foi fechado em 15 de janeiro de 2023, e os reféns começaram a ser libertados três dias depois, fato que o então presidente Joe Biden comemorou em seu último discurso da presidência.

A primeira fase foi concluída em março, com 33 reféns libertados, mas as negociações para estabelecer as condições da Fase dois e a libertação dos reféns restantes nunca começaram.

O acordo então entrou em colapso, em parte porque o Hamas usou o cessar-fogo para visivelmente retomar o poder, emergindo de seus túneis em uniformes militares e grotescamente exibindo os reféns e até mesmo o caixão de uma criança israelense diante das multidões reunidas.

Para um cessar-fogo inicial que deveria estabelecer condições para uma trégua mais duradoura, tais demonstrações eliminaram qualquer esperança.

Israel, por sua vez, retomou suas operações militares ofensivas em Gaza, acreditando que o Hamas não estava preparado para aceitar condições que pudessem justificar uma retirada israelense completa de Gaza, conforme previsto na Fase dois deste acordo em três etapas.

Os seis meses seguintes testemunharam algumas das maiores operações militares israelenses de toda a guerra, junto com uma crise humanitária sem precedentes durante o período do verão.

Militantes palestinos do Hamas mostram reféns israelenses • Majdi Fathi/NurPhoto via Getty Images

O novo acordo em fases de Trump

O que é notável sobre o pacto atual é o extenso perímetro que permite às Forças de Defesa de Israel garantir metade de Gaza — incluindo todas as áreas fronteiriças por tempo indeterminado — mesmo com todos os reféns vivos agora fora do território palestino e retornados em segurança a Israel.

Tal acordo era impossível há um ano ou mesmo há 10 meses. O Hamas cedeu em praticamente todas as suas demandas centrais.

Isso se deve à crescente pressão e à mudança no equilíbrio de poder na região, incluindo as mortes dos líderes mais militantes do Hamas em Gaza, a derrota do Hezbollah no Líbano, o isolamento do Irã após a guerra de 12 dias, e o novo e promissor consenso que surgiu na região pedindo que o grupo cedesse o poder.

O Hamas agora libertou todos os reféns vivos e concedeu o controle israelense sobre grande parte de Gaza, junto com o entendimento de que uma força de segurança internacional acabará por se deslocar para essas áreas e substituir os israelenses.

Esta é a primeira vez em duas décadas que os radicais reconhecem até mesmo o princípio de uma força alternativa dentro de Gaza que não seja ele próprio.

Isso abre a oportunidade para uma futura Faixa de Gaza sem o grupo, mas apenas se essa força alternativa for estabelecida e começar a se posicionar nas próximas semanas e meses.

Até lá, a região provavelmente permanecerá dividida, com o Hamas recuperando o poder acima da linha amarela e as áreas abaixo largamente desabitadas até estarem preparadas para receber civis dispostos e capazes de se separar do grupo.

Podemos esperar que essa situação instável permaneça por meses, dado o tempo necessário para estabelecer uma força de segurança internacional.

Trump assina acordo de cessar fogo em Gaza • Suzanne Plunkett – Pool / Getty Images)

Lições da derrota do Estado Islâmico

Para romper o impasse, os Estados Unidos devem avançar agressivamente com o plano de 20 pontos, incluindo o estabelecimento da força de segurança interina, estruturas políticas e o plano de reconstrução de longo prazo.

É necessário garantir que as áreas fora do controle do Hamas recebam ampla assistência e abrigos temporários para incentivar as pessoas a se deslocarem para longe do grupo, um processo essencial para quebrar o domínio da organização sobre a população.

Já fizemos isso antes por meio de uma coalizão internacional para derrotar o EI (Estado Islâmico), separando cerca de 8 milhões de civis que viviam sob o controle e domínio medieval do grupo.

Isso foi realizado por meio do estabelecimento de áreas seguras, seguido pela abertura de corredores humanitários e incentivo aos civis para se moverem em direção a eles. É um trabalho árduo.

Trabalhando para as administrações Obama e Trump entre 2014 e 2018, liderei a coalizão global contra o EI e viajei pelo mundo para garantir compromissos militares e outros recursos. Cada capital estrangeira tem suas próprias leis e requisitos antes de enviar forças militares.

Cada força militar tem suas próprias estruturas legais, dificultando ainda mais a cooperação. Para assistência civil, alguns países insistem em trabalhar apenas através da Organização das Nações Unidas, enquanto outros se recusam a fazê-lo.

É complicado, mas possível, como provamos na campanha contra o Estado Islâmico. E no caso de Gaza, é essencial, porque a menos que exista uma força de segurança alternativa, as únicas forças armadas em Gaza serão Israel e Hamas, garantindo impasse e confrontos e arriscando a retomada do conflito.

Os Estados Unidos são a única potência global que pode liderar tal esforço, e Trump está agora em posição única para impulsionar o processo.

O exército americano enviou um pequeno número de tropas para Israel e Egito para ajudar a supervisionar a implementação do acordo de cessar-fogo e, posteriormente, viabilizar – em termos de logística, inteligência e comando – a força internacional que entraria em Gaza.

Desenvolvemos essa estrutura ao longo de 2024. O papel dos EUA é crítico, mas as tropas americanas não entrariam no território palestino.

Junto com uma nova estrutura de segurança, Catar, Turquia e Egito devem manter pressão sobre o Hamas para cumprir suas obrigações e se comprometer com a desmilitarização e o desarmamento, enquanto outros países fornecem recursos essenciais para pessoas que fogem para áreas mais seguras

Os países da região entendem melhor do que ninguém que, a menos que o Hamas seja removido do poder e fique impossibilitado de controlar a população palestina em Gaza, não há caminho para a paz ou para uma Gaza reabilitada.

O plano de Trump tem isso como seu elemento central, e agora começa o trabalho desafiador de transformar essa exigência em realidade no terreno onde realmente importa.

Fonte: CNN

Comentários

Publicado por
Da Redação