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Acre sanciona lei que institui política estadual para diagnóstico e tratamento da doença falciforme

Legislação, de autoria da deputada Michelle Melo (PDT), torna obrigatório o teste do pezinho para identificação precoce e garante atendimento integral na rede pública

A implementação da política será de responsabilidade do Poder Executivo estadual, por meio do órgão competente. Foto: captada 

O governo do Acre sancionou nesta quarta-feira (16) a Lei nº 4.608/2025, que cria a Política Estadual de Atenção Integral às Pessoas com Doença Falciforme. A medida, proposta pela deputada Michelle Melo (PDT), visa ampliar o diagnóstico precoce e assegurar tratamento contínuo e humanizado para pacientes com a condição genética, que afeta principalmente a população negra.

Entre as principais determinações da nova legislação está a obrigatoriedade do teste do pezinho em recém-nascidos, a ser realizado entre o 3º e o 5º dia de vida, com prazo máximo até o 30º dia. A lei também prevê acompanhamento multidisciplinar na rede pública de saúde, reforçando o compromisso com a equidade no atendimento aos pacientes.

A legislação também assegura:

Exames de hemoglobinopatias, como a eletroforese de hemoglobina, em unidades públicas e privadas conveniadas;

Fornecimento de medicamentos, imunobiológicos especiais e insumos recomendados pela Organização Mundial da Saúde (OMS);

Criação de um cadastro estadual de pacientes com a doença, em conformidade com a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).

Além do tratamento, a política prevê ações de prevenção e cuidado contínuo, incluindo:

Vacinação completa, inclusive com imunizantes fora do calendário oficial;

Aconselhamento genético e planejamento familiar;

Acompanhamento pré-natal especializado para gestantes com a doença, garantindo assistência durante a gravidez e em casos de aborto incompleto.

A lei ainda estabelece diretrizes como a realização de campanhas educativas, parcerias com universidades e hemocentros para pesquisa científica, e a coleta sistemática de dados com recorte racial e de gênero, visando ao monitoramento epidemiológico da doença.

A implementação da política será de responsabilidade do Poder Executivo estadual, por meio do órgão competente. Os recursos necessários virão de dotações orçamentárias específicas, voltadas ao atendimento de pessoas com doença falciforme e outras hemoglobinopatias.

O que é a doença falciforme?

A doença falciforme é uma complicação médica hereditária causada por uma modificação no DNA humano.

Pacientes portadores da doença, ao invés de produzirem a hemoglobina A nos glóbulos vermelhos, produzem a hemoglobina S, provocando uma modificação no formato das hemácias.

Segundo o Ministério da Saúde, a doença é originária da África, mas pode ser encontrada em todo o mundo. Estima-se que, no Brasil, cerca de 3.000 crianças nasçam com a doença por ano, sendo a população negra a mais afetada.

Dia Mundial de Conscientização sobre a Doença Falciforme

19 de junho, é o Dia Mundial de Conscientização sobre a Doença Falciforme, uma alteração genética que, segundo estimativas do Ministério da Saúde, possui cerca de 60 mil pessoas convivendo com a doença no Brasil, entre adultos e crianças. No entanto, somente 30 mil deste total fazem acompanhamento pelo SUS (Sistema Único de Saúde). Dentro desse grupo, a condição mais conhecida é a anemia falciforme. Há registros de em torno de 1 mil casos novos por ano de doença falciforme entre os recém-nascidos no país.

“A anemia falciforme hoje é considerada um problema de saúde pública no Brasil, por conta dos altos índices de pessoas com a doença e as taxas de morte, se o tratamento adequado não for adotado desde o nascimento”, explica a Dra. Sandra Loggetto, coordenadora do Departamento de Hematologia do Sabará Hospital Infantil. “A imunidade dessas crianças é menor, então elas têm muitas infecções nos primeiros anos de vida”, completa.

Segundo dados do Programa Nacional de Triagem Neonatal (PNTN), do Ministério da Saúde, foram diagnosticados milhares casos de anemia falciforme no brasil desde de 2019. A doença pode ser detectada logo após o nascimento pelo teste do pezinho, exame que ajuda a diagnosticar diversas doenças congênitas. No caso de bebês que não passaram por esse teste, o diagnóstico deve ser feito o mais rápido possível por meio do exame de eletroforese de hemoglobina, que é garantido no SUS. “O diagnóstico precoce é muito importante porque as orientações aos familiares devem ocorrer já aos dois meses de vida”, conta a doutora.

A doença falciforme tem sua origem na África, entre a população de raça negra, mas a Dra. Sandra esclarece que no Brasil é comum a falta de diagnóstico quando o gene não é detectado logo após o nascimento, devido à miscigenação no país. “Por aqui qualquer pessoa pode ter a doença. É importante salientar isso, porque às vezes chega uma criança com sintomas, mas que é loira de olhos verdes, então nem se cogita que o problema seja doença falciforme.”

Dentre os problemas que as crianças com anemia falciforme podem apresentar, os mais comuns são as crises de dor, que até dois anos de idade costumam vir acompanhadas de inchaço nas mãos e nos pés. Além disso, até os quatro anos de vida pode ocorrer o sequestro esplênico, que, segundo a doutora Sandra, “é quando o baço ‘rouba’ o sangue da circulação, causando uma anemia muito forte. Então, se a criança não passar por uma transfusão de sangue rapidamente, pode morrer.”

Por conta disso, a especialista frisa a importância de um diagnóstico feito preferencialmente ainda na triagem neonatal. Assim, a partir de dois, três meses de idade já se pode começar com a profilaxia antibiótica para evitar que a criança tenha infecções ao longo dos anos. “Além disso, hoje todas as vacinas que a pessoa com anemia falciforme precisa tomar para prevenir infecções estão no calendário do SUS”, completa.

Acompanhamento e tratamento

Além do diagnóstico precoce, a melhor maneira de garantir o bem estar da criança com doença falciforme é o acompanhamento familiar e médico. “É importante que a família seja educada para reconhecer os sintomas e levar a criança ao hospital logo que necessário. Por exemplo, os pais podem ser ensinados a medir o baço do seu filho, percebendo se está inchado ou não. Esse tipo de orientação comprovadamente fez com que a mortalidade das crianças menores caísse”, conta Sandra. “Ou, se a criança está com dor ou inchaço nas mãos ou nos pés ou com febre, é necessário correr para o pronto-socorro.”

A doutora reforça que a maioria dos tratamentos são essencialmente preventivos e, por isso, um acompanhamento adequado é tão importante. “É uma doença que hoje pode ser bem controlada com o diagnóstico precoce. Se o pediatra identificar e encaminhar rapidamente para o hematologista pediatra, a criança pode receber o atendimento correto. E os pais precisam saber que existe tratamento de qualidade no Brasil e o seu filho pode ter uma boa qualidade de vida.”

Pacientes portadores da doença, ao invés de produzirem a hemoglobina A nos glóbulos vermelhos, produzem a hemoglobina S, provocando uma modificação no formato das hemácias. Foto art

A única maneira de curar a anemia falciforme atualmente é por meio do transplante de medula óssea, idealmente entre irmãos. “Mas, mesmo nesse caso, às vezes o irmão não é compatível, então não são todas as pessoas doentes que estão aptas para o procedimento”, explica a especialista.

Enquanto isso, Sandra afirma que alguns medicamentos têm sido bastante efetivos para garantir a qualidade de vida dos pacientes, como a hidroxiureia. Novos medicamentos têm sido estudados, como por exemplo o crizanlizumabe. “São remédios de uso contínuo que ajudam a impedir que a pessoa sinta dor, e são eficientes na maioria dos casos”, diz.

Doença falciforme ou Anemia falciforme?

A doença falciforme afeta os glóbulos vermelhos, responsáveis por transportar oxigênio aos órgãos do corpo. Normalmente, eles são redondos, mas o portador da doença falciforme apresenta glóbulos vermelhos anormais, em formato de foice. Essa forma faz com que as células sejam destruídas, causando uma série de danos ao indivíduo.

A anemia falciforme acontece quando o bebê recebe dois genes anormais da hemoglobina S, um da mãe e outro do pai. Se a pessoa recebe o gene da hemoglobina S e um gene de outra hemoglobina anormal (talassemia, C, D, etc.) dos pais, ela terá doença falciforme. O termo doença falciforme inclui tanto a anemia falciforme quanto as associações da hemoglobina S com outras hemoglobinas anormais.

Segundo dados do Programa Nacional de Triagem Neonatal (PNTN), do Ministério da Saúde, foram diagnosticados 1.214 casos de anemia falciforme só em 2019. Foto: captada 

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Publicado por
Marcus José