A insônia psicodélica e os pensamentos em transe

Uma alma irrequieta precisa de psicotrópicos para dormir. Odeio quando vem chegando a noite e sei que começará o suplício. Uma coisa é certa não lutarei mais contra a insônia, se for para ficar acordado ficarei. Sempre achei que ficava acordado por algum motivo sobrenatural, que não sei qual era, poderia ter uma iluminação dos deuses e escreveria uma obra prima, ou que em um filme qualquer da madrugada, uma mensagem divina iria me conduzir ao sucesso. Quanta babaquice e inutilidade mental.

Descobri que Rivotril mata neurônios ou mata-nos dormindo, que em caso de mal súbito, não conseguimos acordar para pedir socorro, que chazinho de erva cidreira, capim santo ou eucalipto, nem que tomasse um caminhão pipa resolveria minha falta de sono. É uma espécie de carma.

Li um texto que dizia que o espírito de Hitler estaria preso, de castigo por mil anos terrestres em Plutão, que Gandhi teria se compadecido dele e pedido a Deus para ir visitá-lo sempre que pudesse, e que Ele o permitira. O que isso tem a ver com minha insônia? Nada, mais um texto que leio e fico mais mal-humorado na madrugada. Dizia também no referido texto que Mercúrio seria uma prisão. Acredito que o Sol seria o inferno.

Tem umas meninas que aceitei como amigas numa rede social, as fotos são desfocadas, acredito que são fakes, são de meninas lindas, mas a resolução das fotos delas é péssima, acredito que sejam mulheres muito feias, se passando pelas pessoas das fotos, carentes de atenção. Relevem os pensamentos de uma pessoa insone e carente de clonazepam.

Na minha mente alguma coisa me manda escrever, venho, não resisto, escrevo, a esmo. Misturo pensamentos, lembro do passado, sobre o amor, o amor romântico, inocente e quase santificado.

A memória, mais remota que tenho é de quando criança, falo aí dos meus seis anos de idade, estava caminhando pelo bairro, provavelmente de calção, sem camisa, de chinelos, chutando pedrinhas do chão, quando vi um carro azul escuro, daqueles de ricos e dentro do automóvel uma mulher de cabelos muito loiros, ela me olhou com aqueles grandes olhos azuis e eu senti pela primeira vez um frio no estômago, um arrepio, aquela troca de olhares nunca saiu da minha mente, meu primeiro amor em segundos.

Aos oito, brincava num campinho de futebol de terra batida, quando vi, aquela garotinha, de olhos verdes, cabelos lisos castanhos, de franja, na minha mente ela era minha namorada, mas ela não sabia que era. Aos dez conheci uma garotinha, loira, boca carnuda, olhei para ela circulei por sua cadeira, encarando-a, linda demais disse-lhe, ela riu e gesticulou com dedo indicador na cabeça, me chamando de louco. Essa chamava-se Janaina, lembro o nome. Terceira série.

Aos 11 conheci uma branquinha, rostinho afilado, nariz perfeito, filha de um fazendeiro, sorriso lindo e eu gostava tanto dela, era um amor inocente mesmo, foi-se embora para a capital, nunca mais a vi. Soube que mora num bairro periférico, tem três filhos e é gorda.

Na escola, já no ginasial, enlouqueci de tantas meninas bonitas, eu olhava para um lado, olhava para o outro embasbacado, morena, cabelos pretos, compridos, rosto afilado, belíssima, um corpo perfeito, ela olhou para mim e eu derreti, pense, tremi. Pensamentos infames e doloridos.

Quando estou mais triste mais escrevo, mais vomito palavras da mente talvez doentia, talvez genial, talvez nada, apenas escrevo. Engordo. Acho que não sou bom em nada disse a minha mulher, que de pronto retrucou com raiva que sou bom em safadeza, não achei engraçado. Fiquei até ofendido, pois nisso, todos os homens são, e eu não seria novidade.

Fui estudar o ensino médio a noite, sempre trouxe comigo a preguiça de estudar de meu pai e de Macunaíma, porque não dizer, procurei sempre obedecer à lei do menor esforço, triste escolha. Fui fazer Magistério e não Contabilidade ou Formação Integral como os outros meninos. Rodeado de mulheres, mais velhas e casadas, aprendi, tornei-me professor.

Hoje nessa noite mais uma vez aqui insone escrevo beneditino, a vida passa rápido, os filhos crescem, os amores verdadeiros se afastam e as aproveitadoras se aproximam, os políticos já não nos enganam mais, nem as Igrejas, nem as filosofias desnutridas de exemplos, os filmes perderam em arte e ganharam em engajamento, tornando-se chatos.

A pior coisa que pode acontecer a um pai é quando este perde a admiração de seus filhos, as mães geralmente se responsabilizam de fazê-lo. Achei a frase de efeito e serve para mim e muitos outros, não sigam meu exemplo.

Gostaria de verdade de dizer-lhes algo positivo, de esperança no futuro, mas estou farto de conselhos, das lições de moral de quem não têm para dar. Cada um aprende com seus próprios erros e a duras penas. Uma coisa eu sei, gostaria de deixar de ser besta. Minhas colegas de trabalho dizem que eu, por ser brincalhão, não posso ver uma vergonha, que já quero passar. Isso é ser besta.  Deixar de ser besta é um processo que dói, requer firmeza para mudar.

Outra coisa que o ser humano deve aprender é fazer silêncio, ser calado, ouvir mais, falar menos, prestar atenção nas ações das pessoas é aí que manifestam quem realmente são. Às vezes eu penso que sou um fracasso rotundo, pelo meu pai sou, pela minha mãe sou extraordinário, como ela.

(Jorge Felix 21/01/2020)

 

 

 

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Da Redação